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A FALËNCIA DO SISTEMA PRISIONAL. O CAOS CHEGOU NO AMAZONAS

26/ janeiro / 2014 Deixe um comentário

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Nos últimos dias, a população brasileira testemunhou a tragédia ocorrida em Pedrinhas (Maranhão). Foram mais de 60 mortes, pessoas decapitadas, além de inúmeras rebeliões.

A realidade do Amazonas não está muito longe do Maranhão.

Em setembro de 2013, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomendou a desativação do Hospital de Custódia de Manaus. Em visita recente, Defensores Públicos notaram precárias instalações, ausência de remédios, cheiro de mofo, entre outros problemas.

Nesta semana, estudo (BBC Brasil/ONG Justiça Global/CNJ) apontou a Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa entre as 6 piores unidades prisionais do Brasil. Para termos uma ideia, no local preparado para 107 pessoas, existem quase 1000 enjaulados.

Por sua vez, em Parintins, há local para 28 presos (Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado do Amazonas), mas existem hoje 213 no sistema (somente no regime fechado são 147). Diante, disso, nesta semana, o Ministério Público, corajosamente, pediu a interdição da unidade daquela cidade.

Não há como desmentir, o caos chegou no sistema prisional do Estado do Amazonas.

Como tamanha violação agrediu pessoas que cometeram crimes, é natural a opinião geral achar que “tem que ser assim mesmo”, uma vez que “bandido tem que sofrer e morrer”.

Porém, é necessário compreender para quê aquelas pessoas estão nas unidades prisionais e quem são as principais vítimas do caos do sistema penal.

Quanto aos objetivos da pena, alguns estudiosos já discutiram. Em grossas linhas, dizem que a pessoa que praticou o crime deve se submeter a uma pena para que ela não volte a delinquir, que tal sanção sirva de exemplo para que outras pessoas não  pratiquem o mesmo erro. Além disso, a pena serve para ressocializar, reintegrar o condenado ao convívio social.

Mas na prática, as coisas são bem diferentes: As pessoas praticam o delito, são condenadas, “puxam cadeia”, voltam para rua e…. “caem” novamente.  Diante disso, surge a resposta: “O sujeito não quer prestar”.

No entanto, quando comparamos os parágrafos acima, percebemos quem também não quer funcionar: O próprio Estado. Vejamos só: Se a pena é para evitar a reincidência e para reintegrar a pessoa à sociedade, o que o Poder Público tem feito? É possível nos cenários apresentados ressocializar alguém?  O ser humano falha, mas o Estado, quanto tem a oportunidade de acertar, erra também, e, infelizmente, erra feio.

O caso brasileiro é assustador.  Nos últimos 22 anos, a população cresceu 30%, mas no presídio o número teve um acréscimo de 511% (DEPEN/MJ). Em 1990, tínhamos 90 mil pessoas nos presídios. Hoje, passamos de 550 mil custodiados. Deste total, 42% são provisórios, ou seja, ai neste número, muitos inocentes.

Além da superlotação, os programas ressocializadores, de maneira geral, são fraquíssimos. Aquele “monstro” que roubou uma casa, matou uma pessoa, vai aprender artesanato ou cuidar da horta para remir sua pena. Certamente, tais tarefas não instigam o reeducando a voltar à sociedade.

Como se vê, há uma grande diferença da teoria para a prática.

Daí, chega-se a pensar que a grande vítima da incoerência do sistema prisional é o condenado. Ledo engano. Quando a pena não funciona, a cadeia se transforma em uma escola do crime que resulta na reincidência.

As interdições de presídios por si só não resolvem o problema. O sistema todo está superlotado. O fechamento de uma unidade prisional acarreta a transferência de presos e isso ajuda na regionalização do crime. O que era localizado, passa a ter ramificações com a ajuda do próprio Estado. Isso aconteceu no Presídio Central de Porto Alegre, as comarcas mandavam presos para a capital gaúcha. O sistema explodiu de tal forma que a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA) notificou o governo brasileiro para que adote medidas cautelares que garantam a integridade dos Entre outros pontos, a comissão citou a necessidade de redução do número de presos no local, a garantia de higiene e tratamento médico aos apenados, além da recuperação do controle da segurança em todas as áreas do Presídio, atualmente entregue a facções criminosas.

Quando as regionalizações não resolvem, mandam o preso para outra unidade da federação. Aí, a organização criminosa ganha contexto nacional. Prova disso, as facções criminosas sairam dos grandes centros urbanos ( RJ e SP) e alcançaram o país. Para piorar, essas organizações não ficam nos muros dos presídios. Quem sai, tem o débito com o núcleo criminoso, tem o dever de contribuir com taxas para “quitar” a proteção recebida no presídio.

Com a ajuda do Estado, a criminalidade se desenvolve e ataca novamente o cidadão, as famílias. Estes, verdadeiras vítimas da crise do sistema prisional.

Como resolver?

A prevenção é o primeiro passo. Os números assustam, mas os fenômenos ocultos precisam ser revelados para que ali possa existir uma defesa. Na maioria das vezes, as pessoas que praticaram crimes não possuem formação profissional, nem exercem profissões técnicas. Como não houve educação, o dinheiro fácil é mais forte. O enjaulamento começa nas salas de aula, as quais são superlotadas com 50, 60 alunos.

A mudança de mentalidade deve acontecer. As cadeias nem sempre resolvem. Este novo paradigma deve alcançar todas as funções do Estado, desde a hora de editar um lei até o momento de aplica-la. Quando bem aplicadas, as medidas alternativas são eficazes.

Para aqueles que ficam nas cadeias, direitos mínimos devem ser observados. Certa vez, testemunhei um fato curioso: No interior do Amazonas, um juiz levou o resultado de sua pescaria para o presídio, pois estava sensibilizado com os presos que há vários meses só comiam carne enlatada.

As ações ressocializadoras também devem ser intensificados. Programas de inclusão social e políticas públicas devem ser fortalecidas. Educação e formação profissional nos presídios, tratamento psicológico, assistência social são direitos que ainda são usurpados do preso.

Por fim, a defesa técnica é indispensável. Muitas pessoas foram condenadas ou estão presas porque faltou assistência jurídica. Uma das medidas em Pedrinhas/MA, foi a implementação de mutirão com a presença de 30 defensores públicos. Na cidade de Manaus/AM, até o início de janeiro, apenas 1 defensor público atuava na execução penal, com diminuta estrutura de trabalho

O Caos chegou no Amazonas, mas existem soluções.  O que você pensa sobre isso?

A VIRTUALIZAÇÃO PROCESSUAL NA CONTRAMÃO DO ACESSO À JUSTIÇA NO AMAZONAS

24/ janeiro / 2014 Deixe um comentário

Quando se fala em virtualização processual, logo se imagina que haverá maior aproximação entre a Justiça e o cidadão. Começa-se a pensar que as partes terão maior facilidade em consultar os processos, que haverá economia de material de expediente e, além disso, os atores do sistema de justiça terão maior facilidade para efetivar o acesso à justiça.

Todavia, é necessário compreender que esta teoria depende de vários fatores para virar realidade.

Inicialmente, há que se falar em equipamentos e programas, capazes de transformar “toda aquela papelada” em imagens na tela do computador. Também deve ser considerada uma rede de comunicação veloz, segura e disponível.

Além disso, profissionais qualificados e conhecedores dos sistemas para o pleno uso e pronto suporte, uma vez que justiça tardia não é justiça.

Pois bem, superadas essas considerações, passemos ao cenário existente do Estado do Amazonas:

Os equipamentos (hardware) são aqueles conhecidos no mercado, mas é necessário entender que para gerar um certificado digital, o interessado precisa marcar/agendar dias e horários, independente da urgência de sua demanda, salvo se algum colega o ajudar. E aquela aula em que o professor dizia que o Habeas Corpus poderia ser feito em um papel de pão? Não existe mais, o paciente precisa do token.

Os programas/aplicativos são péssimos, Na capital, eu já passei 3 horas tentando protocolizar uma contrarrazão recursal, No interior, colegas defensores públicos já passaram mais de 8 horas para inserir no sistema PROJUDI, uma petição elaborada em menos de 2 horas. Diga-se, de passagem, na maioria das comarcas, os defensores públicos não conseguiram sequer acessar (“logar”) o sistema.

Os usuários e equipe de suporte fazem o que podem, se esforçam, são solícitos, muitos atendem telefonemas aos sábados e domingos na tentativa de ajudar, mas sem sucesso. Tudo em vão.

O Amazonas é um Estado peculiar, Aqui, apenas a cidade de Manaus possui internet banda larga de razoável velocidade. Grande número de cidades do interior sequer possuem um cyber-café, pois as raras conexões são via satélite, em velocidades lentíssimas. As pessoas ficam dias e dias sem acessar a caixa de entrada de e-mail.

Diante de tudo isso, é preciso refletir sobre a virtualização processual e sua influência no acesso à justiça.

Ora, as peculiaridades das comarcas localizadas na floresta amazônica obrigam um tratamento diferenciado. É impossível comparar o região do alto Rio Negro com a região sul e sudeste do país. Lá, um juiz toma a louvável estratégia de atender advogados via Skype. Aqui, o cidadão do interior amazonense não conecta vídeo no youtube, não acessa site de informações, não consulta diariamente sua caixa de e-mails.

Diante de tudo isso, como sustentar a virtualização processual, se esta não favorece o principal destinatário: o cidadão, o jurisdicionado, o assistido?

Não se quer fugir das mudanças, da necessidade de adaptação, do enfrentamento dos desafios, mas é indispensável uma nova atitude para que a virtualização não seja um fim, mas meio para promover o acesso à justiça. Hoje, existem comarcas 100% (cem por cento) virtualizadas, mas cheias de “processos físicos”.  Enfim, a virtualização é uma utopia.

Acredite, não bastasse a falta de internet que faz com que juízes, promotores e defensores venham à capital para sentenciar e peticionar, os sistemas PROJUDI/SAJ são lentos, recheados de “bugs”, dependentes de versões específicas de navegadores, isto é, há um mapa da mina para execução de uma tarefa simples.

A indisponibilidade rotineira do sistema é um dos problemas mais sérios. É rotineiro ver o sistema “fora do ar”…Poderíamos até pensar “mas o prazo processual foi suspenso”. Por sua vez, no dia seguinte, o operário do direito já tinha um atendimento agendado, audiência designada, entre outros compromissos. Não adianta se programar, estamos a mercê da funcionalidade e horário dos SAJ/PROJUDI

Fora das salas e fóruns, a fila cresce com cidadãos em uma gigante demanda reprimida, o judiciário se distancia, os autos ficam inacessíveis e a justiça demora, frustrando o cidadão, Assim, a crise se instala.

Esta é a reflexão: No Amazonas, a virtualização processual caminha na contramão do Acesso à Justiça.

É preciso cooperação imediata no sentido de reconhecer e ajustar a tecnologia empregada nos sistemas judiciários. Não envidar tal esforço, é arrebatar o direito de ter direito.