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A assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) impede o ação penal?

Inicialmente, precisamos esclarecer em que consiste o Termo de Ajustamento de Conduta.

Previsto nos artigos 211 da Lei n, 8069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) e depois no artigo 5°,  § 6°, da Lei n. 7347/85 (Lei da Ação Civil Pública, o Termo de Ajustamento de Conduta consiste na possibilidade dos órgãos públicos legitimados celebrar acordos com interessados, como forma de atender às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.

Quem são os “órgãos públicos legitimados“?

Segundo a doutrina, a expressão “órgãos públicos” deve ser compreendida como “entes públicos”, na medida em que é mais abrangente pois alcança tanto aqueles que possuem personalidade jurídica, assim como Instituições e pessoas jurídicas de direito público. Assim, O Estado do Amazonas, a Defensoria Pública, o Ministério Público, uma determinada autarquia possui legitimidade para celebrar o ajustamento de conduta.

SE LIGA! Associações, sindicatos e fundações privadas não podem celebrar TAC, por possuírem personalidade jurídica de direito privado.

Agora, vamos enfrentar uma questão polêmica: As sociedades de economia mista e as empresas públicas (possuidoras de personalidade jurídica de direito privado) podem celebrar Termo de Ajustamento de Conduta?

A resposta encontra em duas correntes:

A primeira posição afirma que não são legitimadas, pois não possuem personalidade jurídica de direito público (José dos Santos Carvalho Filho);

Por sua vez, a segunda posição entende que as sociedades de economia mista e empresas públicas podem ser ou não legitimadas. Isso vai depender se sua finalidade é a prestação de serviços públicos, pois aí atuam como órgãos públicos, portanto, legitimadas. Toda via, se o objeto é a objeto é a exploração de atividades econômicas, atuam como entes privados. Logo, não seriam legitimadas para celebrar TAC.

Superada a questão da legitimidade, é necessário deixar claro que o termo de ajustamento possui natureza jurídica de título executivo extrajudicial.

 Eventuais polêmicas acerca da im(possibilidade) de transação de direitos coletivos na doutrina, são afastadas pelo Superior Tribunal de Justiça, pois o Tribunal da Cidadania entende ser possível que a regra da impossibilidade de transação de direitos difusos seja mitigada quando o ajustamento de conduta for a melhor estratégia e a situação não permitir o retorno ao estado anterior (status quo). Neste sentido:

PROCESSO CIVIL – AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR DANO AMBIENTAL – AJUSTAMENTO DE CONDUTA – TRANSAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO –  POSSIBILIDADE.

1. A regra geral é de não serem passíveis de transação os direitos difusos

2. Quando se tratar de direitos difusos que importem obrigação de fazer ou não fazer deve-se dar tratamento distinto, possibilitando dar à controvérsia a melhor solução na composição do dano, quando impossível o retorno ao status quo ante

3. A admissibilidade de transação de direitos difusos é exceção à regra

4. Recurso especial improvido.

(STJ – REsp: 299400 RJ 2001/0003094-7, Relator: Ministro FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, Data de Julgamento: 01/06/2006, T2 – SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJ 02/08/2006 p. 229)

Agora, passemos a enfrentar o noticiado no Informativo n. 625 do STJ: A assinatura do Termo de Ajustamento de Conduta impede a ação penal?

Como cediço, a celebração do TAC afasta a propositura da Ação Civil Pública. No entanto, não se pode confundir em relação à seara criminal.

Isso porque, prevalece no sistema jurídico brasileiro a independência entre as instâncias – art. 935 do Código Civil – A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal). Destarte, a regra só é excepcionada quando o juízo criminela reconhecer a inexistência do fato ou negativa de autoria. Afora tais situações, a regra é a independência.

Este é o entendimento do STJ noticiado no informativo n. 625 (Corte Especial – APn 888-DF, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 02/05/2018, DJe 10/05/2018):

As Turmas especializadas em matéria penal do STJ adotam a orientação de que, em razão da independência das instâncias penal e administrativa, a celebração de termo de ajustamento de conduta é incapaz de impedir a persecução penal, repercutindo apenas, em hipótese de condenação, na dosimetria da pena. Nesse sentido: AgRg no AREsp 984.920-BA, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, DJe 31/08/2017 e HC 160.525-RJ, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14/03/2013.

Assim, “mostra-se irrelevante o fato de o recorrente haver celebrado termo de ajustamento de conduta, […] razão pela qual o Parquet, dispondo de elementos mínimos para oferecer a denúncia, pode fazê-lo, ainda que as condutas tenham sido objeto de acordo extrajudicial ” (RHC 41.003-PI, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 03/02/2014).

Desse modo, a assinatura do termo de ajustamento de conduta, firmado entre denunciado e o Estado, representado pela Secretaria de Estado do Meio Ambiente, não impede a instauração da ação penal, pois não elide a tipicidade formal das condutas imputadas ao acusado.

Por unanimidade, STJ reconhece legitimidade coletiva ampla da Defensoria Pública

22/ outubro / 2015 Deixe um comentário

Como disse meu amigo Arlindo Gonçalves, “os idosos não poderiam ficar órfãos da Defensoria Pública”

IDOSOS

Por tal razão, o STJ reconheceu ontem (21/10/2015) que a Defensoria Pública tem legitimidade para ajuizar ação civil pública de consumo, devendo a comprovação individualizada sobre a insuficiência de recursos ficar postergada para o momento da liquidação ou execução.

O entendimento foi firmado ontem, à unanimidade, pela Corte Especial do STJ. Em voto-vista, o ministro Salomão acompanhou a relatora, ministra Laurita Vaz, observando que “ao que se depreende desta decisão [STF], realmente deve ser conferida à expressão ´NECESSITADOS´, da Constituição, art. 134, uma interpretação ampla no campo da ação civil pública, para fins de atuação inicial da Defensoria, de modo a incluir, para além do necessitado econômico, em sentido estrito, o necessitado organizacional, o indivíduo ou grupo em situação especial de vulnerabilidade existencial“. Neste sentido, os ministros deram provimento aos embargos de divergência. (EREsp 1.192.577).

FONTE: http://www.migalhas.com.br/informativo/3726

Um grito amazonês pelo fim do Apartheid linguístico

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Por Maurilio Casas Maia – Defensor Público Estadual (DP-AM) e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Estado do Amazonas

Sérgio Freire – doutor em Linguística pela Unicamp-SP –, lançou há alguns anos o livro “Amazonês: expressões e termos usados no Amazonas”. O livro é um resgate da linguagem popular amazonense, conhecida como “amazonês”. Foi um trabalho árduo para a coleta de cerca de 1.110 verbetes.

Nessa mesma toada, sobreveio em 28 de novembro de 2012, o projeto de Lei Ordinária nº. 341/2012*, de autoria do deputado Wanderley Dallas (AM), projeto esse hoje causador de polêmica por conta da exposição, enquanto patrimônio cultural de natureza imaterial, de cerca de 1.000 verbetes populares tipicamente amazonenses – dentre os quais alguns termos que, na linguagem do cotidiano amazônico, podem designar sexo, partes íntimas e outras palavras reveladoras de intimidades. Foi o bastante para que algumas alas da sociedade criticasse o projeto por oficializar linguagem “chula”.

Nesse ponto, pede-se a licença para iniciar uma breve analogia entre a missão do polêmico projeto de lei e o atuar defensorial. Isso porque a Defensoria Pública é instituição, assim como o projeto ora comentado, muitas vezes mal compreendida pela sociedade (sem sentido amplo) por suas atuações em prol da população vulnerável e necessitada.

A Defensoria Pública, cuja origem remota pode ser vista Tribuna da Plebe da República Romana – como bem recordou Anderson Silva da Costa, professor e analista (TJ-AM) –, é hoje por alguns estudiosos chamada de “amicus communitas” (Daniel Gerhard – UFAM) e “custos vulnerabilis” (Maia) “et plebis” (Camilo  Zufelato – USP). A missão defensorial é, antes de tudo, garantir que a “voz” dos excluídos seja ouvida, valorizada e dignificada. Trata-se de inclusão democrática.

Nesse sentido, destaca-se que o projeto de lei n. 341/2012 (ALEAM) – afinado com a Lei Federal n. 12.343/2010 (“Institui o Plano Nacional de Cultura – PNC”) –, tem por finalidade proporcionar o reconhecimento da linguagem popular amazonense, representando isso uma medida de inclusão social (e cultural), desafiadora do preconceito e do “Apartheid linguístico” que sofrem camadas não prestigiadas da sociedade, mais vulneráveis à exclusão do jogo democrático. Portanto, o projeto de lei está à altura dos antigos tribunos da plebe, cujo atuar incomodava as elites da época, mas tudo no afã de garantir inclusão social aos plebeus. O PL é digno da visão dos guardiões dos vulneráveis e do povo necessitado de igualdade cultural. Repudiar o projeto é, assim, menosprezar as raízes da população amazonense, principalmente os pobres.

O projeto comentado é oportunidade e estopim para a oficialização dos estudos sobre as peculiaridades linguísticas do povo amazonense e deve servir de exemplo. É também um pedido de atenção dirigido ao povo brasileiro para a cultura rústica, rica e peculiar do homem amazônico – não os que rodeiam a alta sociedade, mas sim o cidadão em meio à massa populacional, pois este também quer “ter voz, ter vez e lugar”.

Na verdade, longe de ser obsceno – como alguns cogitaram –, o referido projeto de lei (PL) é visibilidade para a cultura de uma população, antes invisível. É o reconhecimento da cultura do diferente; é um pouco de Paulo Freire e também Boaventura de Sousa Santos; é “amicus communitas”. Sim. É um PL “amigo” da comunidade popular, propondo inclusão e visibilidade à cultura do legítimo caboclo.

Restaurar a dignidade de todas as populações é missão de todas as funções e poderes do Estado. O que para os privilegiados da cultura dominante é um ato de desprestígio à atividade legislativa, será para outros tantos o início da caminhada pelo reconhecimento da identidade popular e pela redução das marginalizações. O status quo odeia ser (re)movido e isso explica muito da pressão social contrária ao o Projeto de Lei.

É preciso lembrar: “Porto de Lenha, tu nunca serás Liverpool”. É necessário orgulhar-se das raízes, da memória cultural, dos costumes, da cultura plural e da(s) identidade(s). É o mínimo que se pode esperar de cada cultura única dos infindáveis rincões brasileiros, de norte a sul. Um país de dimensões continentais, como o Brasil, jamais poderia prestigiar uma só cultura.

Sou caboclo. Também sou um pouco índio, um pouco negro e um pouco branco – e você?

O Brasil de muitas “raças” é o mesmo Brasil de muitas culturas e também de muitas variantes vocabulares. E viva a Democracia!

*Dispõe o artigo 1º do referido projeto: “Art. 1.º Fica reconhecida como patrimônio cultural de natureza imaterial para o Estado, a linguagem regional, nos termos do art. 206, da Constituição do Estado do Amazonas.”

ACP – Desnecessidade de descrição pormenorizada das situações individuais de todos os substituídos

Na hipótese em que sindicato atue como substituto processual em ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos, não é necessário que a causa de pedir, na primeira fase cognitiva, contemple descrição pormenorizada das situações individuais de todos os substituídos. De fato, é clássica a concepção de que o interesse de agir é identificado pela análise do binômio necessidade-utilidade. Em outras palavras, a referida condição da ação se faz presente quando a tutela jurisdicional mostrar-se necessária à obtenção do bem da vida pretendido e o provimento postulado for efetivamente útil ao demandante, proporcionando-lhe melhora em sua situação jurídica. Tem prevalecido no STJ o entendimento de que a aferição das condições da ação deve ocorrerin status assertionis, ou seja, à luz das afirmações do demandante (teoria da asserção). Assim, em ações coletivas, é suficiente para a caracterização do interesse de agir a descrição exemplificativa de situações litigiosas de origem comum (art. 81, III, do CDC), que precisam ser solucionadas por decisão judicial; sendo desnecessário, portanto, que a causa de pedir contemple descrição pormenorizada das situações individuais de cada substituído. Isso porque, no microssistema do processo coletivo, prevalece a repartição da atividade cognitiva em duas fases: num primeiro momento, há uma limitação da cognição às questões fáticas e jurídicas comuns às situações dos envolvidos; apenas em momento posterior, em caso de procedência do pedido, é que a atividade cognitiva é integrada pela identificação das posições individuais de cada um dos substituídos. REsp 1.395.875-PE, Rel. Min. Herman Benjamin, julgado em 20/2/2014.