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APLICAÇÃO DA TAXATIVIDADE NO DIREITO PENAL: O ARTIGO 96 DA LEI DE LICITAÇÕES
A legalidade é um dos princípios estruturantes do Direito Penal.
Sua importância está relacionada ao fato de oferecer segurança jurídica aos cidadãos, bem como exigir o fundamento político da legitimidade democrática para que um fato seja crime, uma vez que apenas o parlamento tem competência para estabelecer crimes. Daí, refina-se o estudo para compreender algo mais específico: A reserva legal.
A reserva legal (legalidade estrita) implica dizer que apenas a lei pode criar crimes e penas. Tal compreensão é extraída da Constituição da República e do Código Penal:
Constituição da República – Art. 5º, XXXIX – não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;
Código Penal – Art. 1º – Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.
Além do fundamento político, a reserva legal está baseada em um fundamento jurídico: A taxatividade.
Exigir que a taxatividade é dizer que a conduta criminosa deve ser expressa de maneira certa e determinada. Decerto, o legislador trazer o conteúdo mínimo de conduta, sanção e vinculação, de forma a afastar o máximo a subjetividade na aplicação do Direito Penal. Em suma, falar em taxatividade é dizer: A lei precisa ser clara e precisa quando estabelecer crimes e penas.
Examplo jurisprudencial da aplicação da taxatividade está relacionada ao crime previsto no artigo 96 da Lei n. 8.666/93:
Art. 96. Fraudar, em prejuízo da Fazenda Pública, licitação instaurada para aquisição ou venda de bens ou mercadorias, ou contrato dela decorrente:
I – elevando arbitrariamente os preços;
II – vendendo, como verdadeira ou perfeita, mercadoria falsificada ou deteriorada;
III – entregando uma mercadoria por outra;
IV – alterando substância, qualidade ou quantidade da mercadoria fornecida;
V – tornando, por qualquer modo, injustamente, mais onerosa a proposta ou a execução do contrato: Pena – detenção, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
Daí, a questão surge: E se houver fraude, em prejuízo da Fazenda Pública, em licitação para CONTRATAÇÃO DE SERVIÇOS, estará configurado o crime do artigo 96 da Lei de Licitações?
NÃO. A conduta não está tipificada, uma vez que o dispositivo se limitou a relacionar a tipicidade ao contrato de licitações que adquiram ou vendam bens e mercadorias, não podendo se ampliar analogicamente, para outra conduta prevista em lei, pois isso seria uma afronta a taxatividade, ou seja, a lei não foi clara e precisa, não podendo o agente ser responsabilizado por isso.
Este é o entendimento do Supremo Tribunal Federal:
STF – Em razão do princípio da taxatividade (art. 5º, XXXIX, da CR), a conduta de quem, em tese, frauda licitação ou contrato dela decorrente, cujo objeto é a contratação de obras e serviços, não se enquadra no art. 96, I, da Lei 8.666/93, pois esse tipo penal contempla apenas licitação ou contrato que tem por objeto aquisição ou venda de bens e mercadorias. (Inq 3331, Relator(a): Min. EDSON FACHIN, Primeira Turma, julgado em 01/12/2015)
De igual modo, decidiu o Superior Tribunal de Justiça:
STJ – O tipo penal deveria prever expressamente a conduta de contratação de serviços fraudulentos para que fosse possível a condenação do réu, uma vez que o Direito Penal deve obediência ao princípio da taxatividade, não podendo haver interpretação extensiva em prejuízo do réu. (REsp. 1571527/RS, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 06/10/2016).
Como se vê, a conduta de fraudar licitações relacionadas ao contrato de serviço não está tipificada no artigo 96 da Lei de Licitações, em respeito à reserva legal, mais especificamente a taxatividade, na medida em que a lei precisa ser clara e precisa.
Bom carnaval!
ATIPICIDADE DO ABORTO NO PRIMEIRO TRIMESTRE DA GESTAÇÃO (STF: HC N. 124.306)
Na ADPF n. 54, Carlos Ayres Britto afirmou “se os homens engravidassem, não tenho dúvida em dizer que seguramente o aborto seria descriminalizado de ponta a ponta”.
Sim, o tema é polêmico, sobretudo em um país místico chamado Brasil. A atipicidade do aborto é tema espinhoso em qualquer grupo social. Todavia, não nos furtaremos de enfrentar o tema.
Historicamente, o direito penal brasileiro protegeu o feto desde a sua fecundação, ao tipificar o aborto entre os artigos 124 a 128 do Código Penal de 1940.
Acontece que em 29 de novembro de 2016, a 1ª Turma do STF afirmou que a criminalização da interrupção da gestação no primeiro trimestre vulnera o núcleo essencial de um conjunto de direitos fundamentais da mulher e portanto, o aborto na fase inicial (primeiro trimestre) seria atípica (HC n. 124.306).
As próximas linhas serão dedicadas apenas a análise jurídica. Tentarei me despir de conceitos e valores religiosos e emocionais, embora estes sejam fundamentais para mim e comentarei os argumentos apresentados pelo Ministro Luis Roberto Barroso, os quais foram acolhidos pelo colegiado, resultando na interpretação conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre.
A CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NA FASE INICIAL COMO VIOLADORA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER
Os direitos fundamentais são interesses mínimos que devem ser reconhecidos e respeitados pelo Estado para que o ser humano venha gozar de autonomia e manifestar seu valor intrínseco.
Assim, a violação aos direitos fundamentais afronta o próprio reconhecimento ao cidadão de sua dignidade. Dessa forma, uma conduta afirmadora de direitos fundamentais não pode ser proibida e tampouco criminalizada pelo Estado.
No caso do aborto na fase inicial da gravidez, a 1ª turma do STF concluiu que a criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentai das mulheres:
Os direitos sexuais e reprodutivos. A autonomia da mulher
A autonomia é manifestação da autodeterminação de uma pessoa. A autonomia deve ser garantida em questões básicas, seja na escolha de como controlar seu corpo, como fazer suas decisões de vida.
Neste aspecto, cumpre notar que gravidez e maternidade são fases da vida que mais repercutem existência da mãe do que qualquer outro ser humano.
De mais a mais, cabe à mãe ordenar se sua vida sexual é pelo prazer ou para fins reprodutivos. Não se ignora a coexistência, mas no caso concreto, isso deve ser definido pela mãe, uma vez que ela viverá as maiores consequências.
Por essa razão, a mulher não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada, sob pena de ver afrontada a sua autonomia, uma vez que a gravidez e reprodução devem ser manifestação de sua dignidade e não um ônus imposto pela sociedade.
A integridade física e psíquica da gestante,
A gravidez resulta em mudanças físicas e psíquicas na mulher.
Em muitos casos, tais alterações físicas são motivo de alegria e orgulho para a mulher (confira aí sua rede social de pessoas grávidas e verá fotos expondo a barriga até então nunca vistas). Em outros casos , os riscos e até mesmos efeitos colaterais valem a pena na realização da maternidade. Todavia, se a gestação é inesperada ou decorrente de um acidente, isso tudo pode virar um tormento que repercutirá em consequências até após a gestação.
A integridade psíquica também é afetada. Isso porque a gestação não é uma implicação temporal de 9 meses. A gravidez repercute em uma mudança de vida que exigirá renúncia, dedicação e comprometimento profundo com outro ser para toda a vida. Tal sacerdócio quando desejado e querido é um dom divino. Todavia, se ocorrente em um momento inesperado ou inoportuno acarretará em um padecimento da vida da mãe durante toda a vida que prejudicará inclusive o crescimento saudável da criança.
A igualdade da mulher
A igualdade também é um direito fundamental (Art. 5º da CRFB). No caso em exame, a igualdade somente será observada se mulher e homem forem oportunizadas as mesmas opções de vida.
Se por questões biológicas, apenas a mulher suporta o ônus integral da gravidez, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não da gravidez.
Importante observar que o Código Penal já ancião, editado em uma geração autoritária e machista, considerava a mulher fora do mercado de trabalho, sem acesso à educação, distante de qualquer autodeterminação pelos tabus impostos pela sociedade.
A CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NA FASE INICIAL COMO VIOLADORA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Os estudos clássicos organizam a proporcionalidade em 3(três) subprincípios: (i) adequação; (ii) necessidade e (iii) proporcionalidade em sentido estrito.
Veremos a relação entre os subprincípios da proporcionalidade e a (des)criminalização do aborto na fase inicial:
Adequação – A criminalização do aborto não é capaz de evitar a interrupção da gestação e, logo, é medida de duvidosa adequação para a tutela da vida do feto. Prova disso é que Estudo do Guttmacher Institute e da Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstra que a criminalização não produz impacto relevante sobre o número de abortos (Gilda Sedgh et al., Abortion incidence between 1990 and 2014: global, regional, and subregional levels and trends, The Lancet, vol. 388, iss. 10041, 2016 citado no Voto-Vista do Ministro Barroso no Habeas Corpus em comento).
Ao contrário, enquanto a taxa anual de abortos em países onde o procedimento pode ser realizado legalmente é de 34 a cada 1 mil mulheres em idade reprodutiva, nos países em que o aborto é criminalizado, a taxa sobe para 37 a cada 1 mil mulheres E estima-se que 56 milhões de abortos voluntários tenham ocorrido por ano no mundo apenas entre 2010 e 2014.
Logo, é ledo engano imaginar que o aborto é impedido pela tipificação penal.
Necessidade – Quanto à necessidade, é imperioso relembrar o caráter subsidiário do Direito Penal, uma vez que este somente atua quando todos os outros ramos fracassaram no sentido de evitar tal conduta violadora do bem jurídico.
Ora, o Direito Penal somente deve ser aplicado para criminalizar a conduta do aborto nesta fase inicial da gravidez, quando outros meios fracassaram ou são ineficazes.
No caso brasileiro, observa-se que o comportamento abortivo surge porque: (i) as mães não possuem informação adequada acerca dos meios contraceptivos; (ii) as mães não possuem condições de exercer a maternidade pela mudança imediata e brusca de vida.
Como resolver isso?
Com o objetivo de evitar o primeiro problema, a educação sexual e sobre a gravidez deve ser democratizada. Isso consiste em distribuição de meios contraceptivos e instituição de programas de planejamento familiar.
Em relação aos “medos” da maternidade, o caminho passa pelo fortalecimento de uma rede de apoio com creches, educação emocional sobre a maternidade, apoio psicológico e assistência social.
Como se observa, o Estado é silente e omisso em todas essas políticas, apenas apresentando como resposta para o problema o Direito Penal, o qual deveria ser utilizado apenas se tais meios fracassassem, em razão da intervenção mínima.
Em suma, na realidade atual criminalizar a conduta abortiva no primeiro trimestre é desnecessária.
Proporcionalidade em sentido estrito – Inicialmente, o direito à vida do nascituro varia de acordo com o estágio de seu desenvolvimento na gestação. Decerto, o grau de proteção constitucional ao feto é, assim, ampliado na medida em que a gestação avança e que o feto adquire viabilidade extrauterina, adquirindo progressivamente maior peso concreto.
Todavia, é necessário entender que estamos diante de 02 (dois) interesses. A proteção da mulher e a proteção do feto. As razões pelas quais a mulher deve ser protegidas já foram consignadas anteriormente (proteção à autonomia e diversos direitos fundamentais) e assim, percebeu-se que a criminalização contraria toda a proteção feminina.
Por sua vez, na ponderação entre o direito da mulher e o direito do feto, é imperiosa a análise se a tipificação penal protege o feto.
A criminalização do aborto na fase inicial repercute em vários custos sociais. Isso porque, a conduta possuindo caráter criminal será mantida de forma clandestina. Assim, o Estado e a sociedade não terão condições de oferecer os cuidados e oportunidades para que a decisão seja livre de qualquer coação ou ignorante, marcada pelo desespero e desequilíbrio/abalo emocional do momento.
Como se vê, a criminalização prejudica ainda mais a proteção que deveria ser dada ao feto, na medida em que as mulheres pobres recorrem a procedimentos abortivos mais traumáticos e sem qualquer amparo estatal, se expondo diante de “medicamentos” e clínicas abortivas (verdadeiros açougues) que violam sua dignidade. .
Por oportuno, as filas de mulheres que buscam diariamente as Defensorias Públicas com o objetivo de buscar o cumprimento do dever alimentar por parte dos pais, homens em sua maioria que, quando não recusam qualquer diálogo para cumprir o sustento das crianças, oferecem misérias para os filhos e orgulhosamente se declaram cumpridores de suas obrigações, enquanto as mulheres abdicam de suas vidas para custearem o crescimento básico de seus filhos, tudo porque foram emocionalmente envolvidas em uma momento de prazer que as castigará por toda a vida. O Estado que criminaliza tais mulheres é o mesmo que nega a efetivação do direito das crianças diariamente a um desenvolvimento saudável, que nega emprego, creche, saúde e educação de qualidade para que as mães e crianças possam “vencer na vida”. Não há absurdo em dizer que tal quadro repercute em maior desigualdade social e criminalidade.
POR QUE “3 MESES”?
A interrupção voluntária da gestação não deve ser criminalizada , pelo menos, durante o primeiro trimestre da gestação. A fixação trimestral decorre da situação física/biológica do feto. Até o terceiro mês, o córtex cerebral – que permite que o feto desenvolva sentimentos e racionalidade – ainda não foi formado, nem há qualquer potencialidade de vida fora do útero materno.
Logo, se o bem jurídico pelo aborto é a vida, esta ainda não existe tecnicamente. A existência física de uma formação, o envolvimento afetivo não é suficiente para que nesta fase o feto seja protegido.
ATIPIDICIDADE DO ABORTO NO MUNDO
A maioria dos países democráticos e desenvolvidos do mundo afasta o caráter criminal da interrupção da gestação durante a fase inicial da gestação como crime (Exemplos: Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália).
Nos EUA, no caso Roe v. Wade (1973), a Suprema Corte afirmou: “o interesse do Estado na proteção da vida pré-natal não supera o direito fundamental da mulher realizar um aborto”. No caso, os EUA consideraram atípica a conduta abortiva até os 6 meses iniciais da gravidez.
Por sua vez, a Corte Suprema de Justiça do Canadá afirmou: “ao impedir que a mulher tome a decisão de interromper a gravidez em todas as suas etapas, o Legislativo teria falhado em estabelecer um standard capaz de equilibrar, de forma justa, os interesses do feto e os direitos da mulher”. (Caso R. v. Morgentaler, 1988).
Em outros países, busca-se equilibrar os direitos da mulher e do feto, tipificando a conduta abortiva apenas quando o feto já esteja mais desenvolvido. Na Alemanha, Bélgica, França, Uruguai e Cidade do México, a interrupção voluntária da gestação não deve ser criminalizada , pelo menos, durante o primeiro trimestre da gestação.
MEU PITACO:
A descriminalização da interrupção da gravidez na fase inicial não se demonstra como incentivo à pratica abortiva, mas reafirmação que o Direito Penal não se presta a promoção da transformação social e que devem existir outros mecanismos para a proteção do feto, da mulher e de uma decisão mais refletida.
É importante esclarecer que os valores cristãos não foram analisados em razão do Direito Penal constitucional se resumir a proteção exclusiva de bens jurídicos, portanto, dissociado de qualquer tarefa de proteger os valores religiosos e morais, malgrado tais princípios serem relevantes na construção de uma sociedade civilizada.
Portanto, não se trata de apologia ou incentivo à disseminação abortiva, mas que os valores oriundos de outros controles sociais (saúde, assistência social e psicológica, fé, igreja, educação e afeto), os quais são mais efetivos devem preceder o controle social formal e opressor do Estado e não esquecidos, lançando-se na conta do direito penal.
Aplica-se o artigo 244-B do ECA no caso de concurso de agentes envolvendo menor de 18 anos na prática dos crimes tipificados nos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas? (STJ: Informativo n. 595)
Inicialmente, lembremos de que se trata o crime de corrupção de menores (Art. 244-B): “Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la”
Como se vê, a norma busca evitar com que crianças e adolescentes sejam envolvidas nas práticas de crimes (que sejam utilizadas como “bodes expiatórios”, especialmente em razão da inimputabilidade).
Daí, surge a questão: E se a criança ou adolescente já tiver tido um envolvimento anterior na prática de outros infracionais? Haverá a responsabilização pela prática do crime de corrupção de menores (art. 244-B)?
SIM. Segundo o Superior Tribunal de Justiça, “a condenação do artigo 244-B do ECA independe da prova da efetiva corrupção do menor, por se tratar de delito formal.”
Diante disso, somos tentados a imaginar que haverá a incidência do artigo 244-B do ECA sempre que houver concurso de agentes com um menor de 18 anos. Todavia, nem sempre isso ocorrerá. Vejamos o caso da Lei de Drogas:
O artigo 40, VI, da Lei n. 11.343/06 prevê causa de aumento de um sexto a dois terços se na pratica dos crimes 33 a 37 da respectiva lei envolver ou visar a atingir criança ou adolescente ou a quem tenha, por qualquer motivo, diminuída ou suprimida a capacidade de entendimento e determinação;
Sendo assim, quando houver concurso de agentes envolvendo menor de 18 anos, não haverá a condenação do artigo 244-B do ECA, mas será aplicada a majorante do artigo 40, VI, da Lei de Drogas. Ora, a aplicação simultaneamente caracterizaria bis in idem, dupla imputação pelo mesmo fato, o que é vedado no ordenamento brasileiro. Este foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça veiculado no Informativo 595:
DIREITO PENAL. Tráfico de drogas e corrupção de menores. Causa de aumento de pena do art. 40, VI, da Lei de Drogas e crime de corrupção de menores. Princípio da especialidade. Na hipótese de o delito praticado pelo agente e pelo menor de 18 anos não estar previsto nos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas, o réu poderá ser condenado pelo crime de corrupção de menores, porém, se a conduta estiver tipificada em um desses artigos (33 a 37), não será possível a condenação por aquele delito, mas apenas a majoração da sua pena com base no art. 40, VI, da Lei n. 11.343/2006. O debate consistiu no enquadramento da conduta de adulto que pratica tráfico em concurso eventual com criança ou adolescente. Para configuração do crime previsto no art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), basta a participação de menor de 18 anos no cometimento do delito, pois, de acordo com a jurisprudência do STJ, o crime é formal e, por isso, independe da prova da efetiva corrupção do menor (Súmula 500/STJ). Por sua vez, para incidir a majorante do art. 40, VI, da Lei de Drogas, faz-se necessário que, ao praticar os delitos previstos nos arts. 33 a 37, o réu envolva ou vise atingir criança, adolescente ou quem tenha capacidade de entendimento e determinação diminuída. Não se compartilha do entendimento no sentido de que, se a criança ou adolescente já estiverem corrompidos, não há falar em corrupção de menores e de que responde o agente apenas pelo crime de tráfico majorado, pois, de acordo com o entendimento do STJ, é irrelevante a prova da efetiva corrupção do menor para que o acusado seja condenado pelo crime do ECA. A solução deve ser encontrada no princípio da especialidade. Assim, se a hipótese versar sobre concurso de agentes envolvendo menor de dezoito anos com a prática de qualquer dos crimes tipificados nos arts. 33 a 37 da Lei de Drogas, afigura-se juridicamente correta a imputação do delito em questão, com a causa de aumento do art. 40, VI. Para os demais casos, aplica-se o art. 244-B, do Estatuto da Criança e do Adolescente, conforme entendimento doutrinário. RESP 1.622.781-MT (julgado em 22/11/2016).
O QUE É PRECISO MEMORIZAR?
O agente que envolve menor de 18 anos na prática delitiva responde pelo crime de corrupção de menores (art. 244-B do ECA), independente da prova de efetiva corrupção, pois se trata de delito formal, salvo nos crimes previstos nos artigos 33 a 37 da Lei de Drogas, uma vez que nestes casos será aplicada a causa de aumento prevista no artigo 40, VI, da Lei n. 11343/2006.
ATOS INFRACIONAIS: Relevância na dosimetria da pena e na decretação da prisão preventiva.
Os atos infracionais são as condutas descritas como crime, praticadas por adolescentes em conflito. A seguir, veremos se tais condutas repercutem na vida adulta, caso o agente se envolva com a criminalidade.
ATOS INFRACIONAIS PODEM SER CONSIDERADOS MAUS ANTECEDENTES, PARA FINS DE CIRCUNSTÂNCIA DESFAVORÁVEL NA PENA BASE ?
Na análise da pena-base, primeira fase da dosimetria da pena, uma das circunstâncias valoradas são os antecedentes.
Nesse aspecto, não devem ser considerados como antecedentes, os processos e inquéritos em andamento, (Enunciado n. 444 do STJ). Daí, restam apenas processos em que houve a condenação com trânsito em julgado.
Sobre o assunto, surge uma questão: Se a condenação foi por ato infracional, ou seja, se diz respeito ao tempo em que o agente era menor de 18 (dezoito) anos, este ato infracional poderá ser utilizado para valorar desfavoravelmente a pena-base?
A resposta é negativa. Atos infracionais não podem ser considerados na pena-base. Este é o entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça. Vejamos os julgados mais recentes das 5ª e 6ª Turmas:
5ª Turma – Nos termos da pacífica jurisprudência desta Corte, a prática de ato infracional não justifica a exasperação da pena base, por não configurar infração penal, não podendo ser valorada negativamente na apuração da vida pregressa do réu a título de antecedentes, personalidade ou conduta social.(HC 354.300/SC, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 20/10/2016, DJe 09/11/2016).
6ª Turma – A jurisprudência desta Corte Superior é uníssona no sentido de que “atos infracionais não podem ser considerados maus antecedentes para a elevação da pena-base, tampouco para a reincidência” (HC n. 289.098/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, 5ª T., DJe 23/5/2014).(HC 224.037/MS, Rel. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, SEXTA TURMA, julgado em 16/04/2015, DJe 27/04/2015).
ATOS INFRACIONAIS & PRISÃO PREVENTIVA
CUIDADO! Embora os atos infracionais não autorizem a valoração negativa na primeira fase da pena (pena-base), em algumas situações eles podem ser considerados na decretação da prisão preventiva, conforme consolidado pela 3ª Seção do STJ:
A prática de atos infracionais anteriores serve para justificar a decretação ou manutenção da prisão preventiva como garantia da ordem pública, considerando que indicam que a personalidade do agente é voltada à criminalidade, havendo fundado receio de reiteração. STJ. 3ª Seção. RHC 63.855-MG, Rel. para acórdão Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 11/05/2016.
Todavia, não é qualquer ato infracionais que poderá servir de fundamento para prisão preventiva. Segundo o STJ, para justificar a prisão preventiva, deverão ser observados:
a) A gravidade específica do ato infracional cometido (independentemente de equivaler a crime considerado em abstrato como grave);
b) O tempo decorrido entre o ato infracional e o crime em razão do qual é decretada a preventiva; e
c) A comprovação efetiva da ocorrência do ato infracional.
CONCLUSÃO:
Atos infracionais não autorizam valoração negativa da pena-base na dosimetria da pena, mas podem ser considerados para decretação da prisão preventiva, desde que o ato infracional praticado seja concretamente grave, tenha sido devidamente comprovado e não exista distância temporal desarrazoada entre a data do ato infracional e a data do crime pelo qual está sendo decretada a prisão preventiva.
DOLO EVENTUAL & QUALIFICADORAS NO HOMICÍDICO
Inicialmente, havia divergência sobre a possibilidade da coexistência do dolo eventual com as qualificadoras do crime de homicídio. Todavia, o cenário jurisprudencial vem se consolidando no sentido da possibilidade.
O Supremo Tribunal Federal concluiu a possibilidade de coexistência do dolo eventual com as qualificadoras do motivo torpe ou do motivo fútil no crime de homicídio:
Concluiu-se pela mencionada compossibilidade, porquanto nada impediria que o paciente – médico –, embora prevendo o resultado e assumindo o risco de levar os seus pacientes à morte, praticasse a conduta motivado por outras razões, tais como torpeza ou futilidade. (RHC 92571/DF, rel. Min. Celso de Mello, 30.6.2009. (RHC-92571))
De igual modo, o Superior Tribunal de Justiça também decidiu pela compatibilidade, no crime de homicídio, entre o dolo eventual e o motivo fútil
“o fato de o Paciente ter assumido o risco de produzir o resultado morte, aspecto caracterizador do dolo eventual, não exclui a possibilidade de o crime ter sido praticado por motivo fútil, uma vez que o dolo do agente, direto ou indireto, não se confunde com o motivo que ensejou a conduta, não se afigurando, em princípio, a apontada incompatibilidade” (STJ, HC n8071, j. 07/12/2010).
No AgRg no REsp 1349051/SP (j. 20/08/2013), o STJ consolidou entendimento no sentido de que “são com patíveis, em princípio, o dolo eventual e as qualificadoras do homicídio”.
Como se vê, a jurisprudência caminha no sentido da possibilidade da coexistência entre dolo eventual e qualificadoras, inclusive do motivo torpe e motivo fútil.
O tema “Dolo eventual & Qualificadoras” já foi objeto de concursos:
QUESTÕES
1- (CESPE – 2011 – Defensor Público-MA) – Segundo a jurisprudência do STJ, são absolutamente incompatíveis o dolo eventual e as qualificadoras do homicídio, não sendo, portanto, penalmente admissível que, por motivo torpe ou fútil, se assuma o risco de produzir o resultado.
2 – (Delegado de Polícia-MG – 2011) – O homicídio praticado com dolo eventual afasta a incidência das circunstâncias qualificadoras, uma vez que o agente não quer diretamente o resultado, apenas assume o risco de produzi-lo..
3 – (CESPE – 2009 – Defensor Público-PI) – São compatíveis, em princípio, o dolo eventual e as qualificadoras do homicídio. É penalmente aceitável que, por motivo torpe, fútil etc., assuma-se o risco de produzir o resultado.
GABARITO
1. F
2; F
3. V
O decurso do tempo autoriza a antecipação da produção da prova? (STF: Informativo n. 851)
O referencial para produção antecipada da prova é o artigo 366 do Código de Processo Penal:
Art. 366. Se o acusado, citado por edital, não comparecer, nem constituir advogado, ficarão suspensos o processo e o curso do prazo prescricional, podendo o juiz determinar a produção antecipada das provas consideradas urgentes e, se for o caso, decretar prisão preventiva, nos termos do disposto no art. 312.
Para melhor compreensão do tema, vamos estudar todos os aspectos do dispositivo citado.
1. A CITAÇÃO POR EDITAL.
No processo penal, a regra é que o acusado seja citado pessoalmente, via mandado (art. 351 do CPP). Todavia, caso ele não seja encontrado, a citação será feita via edital (art. 363 do CPP). Importante lembrar que se o réu não for econtrado porque está se ocultando, a citação por hora certa deverá ser instrumentalizada (art. 362 do CPP), observando o procedimento previsto no Código de Processo Civil.
2. SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL
Aqui, cabe uma importante advertência: A citação por edital não é suficiente para que o processo e o prazo prescricional sejam suspensos.
O artigo 366 exige 03 (três) requisitos para que ocorra a suspensão do processo e do prazo prescricional:
a) que o acusado tenha sido citado por edital;
b) que o acusado não tenha comparecido para o interrogatório;
c) que o acusado não tenha constituído defensor
3. POR QUANTO TEMPO HAVERÁ A SUSPENSÃO DO PROCESSO E DO PRAZO PRESCRICIONAL?
Diante da omissão legislativa, surgiram (02) duas correntes sobre o tema:
Corrente 1 – A suspensão seria por tempo indeterminado, até que o acusado retornasse ou constituísse defesa técnica, uma vez que não há qualquer imprescritibilidade, pois estamos apenas diante de prazo da suspensão. (STF – 460.971/RS).
Corrente 2 – A suspensão seria pelo tempo da prescrição da pena máxima do crime imputado ao réu. Neste sentido, a Súmula n. 415 do STJ: “O período de suspensão do prazo prescricional é regulado pelo máximo da pena cominada”.
4. PRISÃO PREVENTIVA
O mero desparecimento do réu não autoriza a decretação da prisão preventiva, uma vez que não existe prisão preventiva obrigatória. A medida cautelar extrema somente será decretada se presentes os requisitos previstos no artigo 312, e desde que as medidas cautelares diversas da prisão sejam insuficientes (STF: 84.619/SP).
5. PRODUÇÃO ANTECIPADA DE PROVAS
A produção de provas poderá ser antecipada, desde que urgentes.
Daí, surge a questão: O decurso do tempo autorizaria a antecipação da produção da prova?
A pergunta encontra duas respostas na jurisprudência:
CORRENTE 1 – O mero decurso do tempo não autoriza a produção antecipada de provas. A mera referência aos limites da memória humana não é suficiente para determinar a medida excepcional. Súmula nº 455 do STJ que “a decisão que determina a produção antecipada de provas com base no art. 366 do CPP deve ser concretamente fundamentada, não a justificando unicamente o mero decurso do tempo”. Assim, para que a antecipação da produção da prova ocorra, deverá fundamentar em situações concretas, como por exemplo, idade da testemunha, padecimento de alguma doença grave, mudança de domicílio para outro país. A primeira turma do STF tem o mesmo entendimento que foi sumulado pelo STJ (STF, 1ª Turma, HC 108.064)
CORRENTE 2 – O decurso do tempo é suficiente para a produção antecipada da prova. A antecipação da prova testemunhal seria necessária em virtude da possibilidade concreta de perecimento do saber das testemunhas. A limitação da memória humana e o comprometimento da busca da verdade seriam argumentos idôneos a justificar a determinação da antecipação da prova testemunhal (STF, 2ª Turma, HC 110.280/MG,).
No ultimo informativo do STF (n. 851), a Segunda Turma reiterou seu entendimento: A Turma entendeu que a antecipação da prova testemunhal configura medida necessária, pela gravidade do crime praticado e possibilidade concreta de perecimento, haja vista que as testemunhas poderiam se esquecer de detalhes importantes dos fatos em decorrência do decurso do tempo. (HC n. 135.386).
Como se vê, o quadro jurisprudencial atual sobre o tema é o seguinte:
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STF, 2ª Turma, HC 110.280/MG e HC n. 135.386/DF.
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A potencial consciência da ilicitute autoriza a valoração negativa da circunstância judicial culpabilidade na pena-base (art. 59 do CP)?
A resposta é negativa.
Ora, a potencial consciência da ilicitude (art. 21 do CP), assim como a imputabilidade e a exigência de conduta diversa são elementos da culpabilidade. Portanto, a existência de tais elementos é pressuposto para que se fale na existência da culpabilidade.
Assim, uma vez que a culpabildiade já exige a potencial consciência da ilicitude para sua existência, tal elemento não pode ser considerado para negativar a circunstância judicial da culpabilidade na pena-base.
Pensemos! Se assim o fosse, todas as vezes a culpabilidade seria considerada negativamente, uma vez que a potencial está sempre presente quando existente a culpabilidade.
Isso foi o que decidiu o STF. Vejamos:
A Turma decidiu que a consciência da ilicitude seria pressuposto da culpabilidade (CP/1940, art. 21) e, portanto, circunstância inidônea à exasperação da pena. Ressaltou que a circunstância “rompimento de obstáculo” já teria sido considerada qualificadora e não poderia ser novamente adotada para aumentar a pena-base, sem especial demonstração de sua gravidade. (STF: Informativo n. 851 – HC 122940/PI, julgamento em 13.12.2016.
Helom, então, o que deve ser avaliado para que a culpabilidade seja considerada favorável ou desfavorável na pena-base?
Aqui, a culpabilidade nada tem a ver com o substrato do crime, mas com o juízo de reprovabilidade, como o juízo de censura que recai sobre o responsável por um crime ou contravenção penal, no intuito de desempenhar o papel de pressuposto de aplicação da pena. Em suma, o “grau de reprovabilidade” para que o princípio da individualização da pena seja respeitado. Assim, o juiz levará em consideração o grau de censura da conduta criminosa que pode variar em maior ou menor grau de reprovabilidade (pré-meditação em um furto na empresa em que trabalha planejado há tempos, policiais que montam blitz para solicitar vantagem econômica dos motoristas, por exemplo).
É legítima a incidência da causa de aumento de pena por crime cometido durante o repouso noturno no furto qualificado? (STF: Inf. 851)
É LEGÍTIMA a incidência da causa de aumento de pena por crime cometido durante o repouso noturno (CP/1940, art. 155, § 1º) no caso de furto praticado na forma qualificada (CP/1940, art. 155, § 4º).
Além disso, sustentou que a inserção pelo legislador do dispositivo da majorante antes das qualificadoras não inviabilizaria a aplicação da majorante do repouso noturno à forma qualificada de furto.
Ademais, ressaltou que se deve interpretar cada um dos parágrafos constantes do tipo de acordo com a sua natureza jurídica, jamais pela sua singela posição ocupada topograficamente.
Vale lembrar que no julgado, o STF, de passagem, reiterou o entendimento da compatibilidade das causas privilegiadas de furto (CP, art. 155, § 2º) com a sua modalidade qualificada.
Fonte: HC 130952/MG, rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 13.12.2016. (HC-130952) – Informativo n. 851