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Archive for the ‘Processo Penal’ Category

O JUDICIÁRIO PODE APLICAR MEDIDAS CAUTELARES (ART. 319 DO CPP) CONTRA PARLAMENTAR?

30/ março / 2022 Deixe um comentário

Sabemos que “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão – Art. 5, §2º, da CRFB.

Todavia, desde a Lei n. 12403/11, o processo penal superou a bipolaridade (prisão versus liberdade), pois foram criadas as medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP).

Daí, surge a questão: O Judiciário não pode decretar a prisão preventiva, mas poderia decretar medidas cautelares diversas da prisão?

A resposta exige um exame cuidadoso.

SE A MEDIDA CAUTELAR NÃO OBSTA O EXERCÍCIO DO MANDATO, o Judiciário, por autoridade própria (ou seja, sem qualquer necessidade de submissão à Casa Legislativa), pode determinar as medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP (STF: ADI n. 5526).

Isso porque, a proteção prevista na Constituição da República não é pessoal, mas serve para proteger o exercício do cargo, do mandato e evitar a intervenção da função jurisdicional na função legislativa. Decerto, segundo o Supremo, a aplicação de uma medida cautelar que não impede o exercício do mandato, não incidiria em intromissão do Judiciário no Legislativo.    

OLHA SÓ!

SE A MEDIDA CAUTELAR IMPLICAR NA IMPOSSIBILIDADE DO EXERCÍCIO DO MANDATO, as seguintes observações devem ser atendidas (STF – ADI n. 5526 – 11/10/2017):

a) Desde a expedição do diploma, não cabe falar-se em prisão preventiva ou, ainda, qualquer medida cautelar diversa da prisão que implique a impossibilidade o afastamento do exercício do mandato pelo parlamentar, seja ele componente do Legislativo Federal ou Estadual, sem que haja, para tanto, ratificação de decisões judiciais nesse sentido pela respectiva Casa no prazo de 24 horas.

b) Qualquer ato emanado do Poder Judiciário que houver aplicado medida cautelar que impossibilite direta ou indiretamente o exercício regular do mandato legislativo deve ser submetido ao controle político da Casa Legislativa respectiva, nos termos do art. 53, § 2º, da CF.

Nestes casos (quando a medida cautelar impossibilita o exercício do mandato), a Casa Legislativa poderá revogar as medidas impostas pelo Judiciário, conforme deixou assinalado o Supremo Tribunal Federal em recente oportunidade:

É constitucional resolução da Assembleia Legislativa que, com base na imunidade parlamentar formal (art. 53, § 2º c/c art. 27, § 1º da CF/88), revoga a prisão preventiva e as medidas cautelares penais que haviam sido impostas pelo Poder Judiciário contra Deputado Estadual, determinando o pleno retorno do parlamentar ao seu mandato. O Poder Legislativo estadual tem a prerrogativa de sustar decisões judiciais de natureza criminal, precárias e efêmeras, cujo teor resulte em afastamento ou limitação da função parlamentar. STF. Plenário. ADI 5823 MC/RN, ADI 5824 MC/RJ e ADI 5825 MC/MT, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgados em 8/5/2019 (Info 939).

CONCLUSÃO:

  • Se a medida cautelar (art. 319 do CPP) não impede o exercício do mandato, o Judiciário pode aplicar, sem qualquer necessidade de avaliação posterior pela Casa Legislativa.
  • Se a medida cautelar (art. 319 do CPP) impede o exercício do mandato (afastamento do cargo, por exemplo), o Judiciário pode impor, mas precisa comunicar em até 24 horas a respectiva Casa Legislativa, para que esta faça a avaliação (sustar ou manter a medida).

SE LIGA! O entendimento exposto acima é limitado a parlamentares federais e estaduais (por força do Art. 27, § 1º, da CRFB). Quanto aos vereadores, estes podem até ser afastados do cargo, sem qualquer necessidade de comunicação à casa Legislativa para deliberação  (STJ: Informativo n.

O silêncio parcial é possível?

3/ setembro / 2021 Deixe um comentário

O interrogatório é o momento ótimo do acusado, o seu ‘dia na Corte’ (day in Court) e possui duas partes.

A primeira parte é destinado a identificação do acusado. Em seguida, as perguntas estão relacionadas ao mérito.

Quanto ao direito ao silêncio, este pode ser mitigado em relação tão somente ao momento da identificação. “A primeira parte do interrogatório não se relaciona com o direito de não produzir prova contra si. Assim, o réu não pode atribuir a si identidade diversa, sob o risco de incorrer no crime de falsa identidade – Art. 307 do CP. Nesse sentido, “o direito a não se autoincriminar diz respeito ao mérito da pretensão punitiva, não à identificação do investigado/acusado’ (RHC 126.362/BA, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 29/09/2020, grifei).

Quanto às perguntas do mérito (segunda parte do interrogatório), esta é a única oportunidade, ao longo de todo o processo, em que o acusado tem voz ativa e livre para, se assim o desejar, apresentar sua versão dos fatos (rebater os argumentos, narrativas e provas do órgão acusador, apresentar álibis, indicar provas, justificar atitudes).

Destarte, o interrogatório é o momento do réu em que este pode silenciar ou afirmar tudo o que lhe pareça importante para a sua defesa, além, é claro, de responder às perguntas que quiser responder, de modo LIVRE, DESIMPEDIDO e VOLUNTÁRIO.

Categorias:Geral, Processo Penal

O RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO AUTORIZA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA?

2/ setembro / 2021 Deixe um comentário

O que é o reconhecimento?

É o ato de identificar o acusado como sendo o autor do fato criminoso apurado no processo penal.

O reconhecimento é um ato formal, no qual devem ser observadas as cautelas previstas no artigo 225 do Còdigo de Processo Penal:

CPP- Art. 226.  Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:

I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;

Il – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;

III – se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;

IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.

Parágrafo único.  O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.

Todavia, ainda na fase investigatória, nem sempre é possível que o autor do fato seja facilmente identificado pela vítima. Isso porque, geralmente nos crimes patrimoniais, por exemplo, não conhecemos o agente criminoso.

Diante dessa situação, e corroborando com a delinquência urbana que muitas vezes é marcada pela reincidência e habitualidade criminosa, as delegacias de polícia, diante da notícia de um crime somada ao modus operandi, localização do fato, oferecem fotografias com imagens de pessoas que já praticaram crimes naquela localidade e/ou daquela forma.

Contudo, é necessário deixar claro que tal forma de reconhecimento está em desconformidade com a previsão legal. Além disso, é grande a chance da indicação fotográfica apontar para alguém que não possui qualquer relação com o crime, haja vista a semelhança entre pessoas da mesma etnia, a emoção da vítima e, até mesmo, os preconceitos existentes na comunidade.

Nessa toada, registra-se que levantamento realizado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro revelou que entre junho de 2019 e março/2020, houve 58 erros no reconhecimento fotográfico no Rio de Janeiro, dos quais 70% dos acusados injustamente eram negros. Outros 17% eram brancos e 13% não tinham essa informação. As vítimas dos erros acabaram processadas e até presas sem nenhum envolvimento com o crime que lhes era imputado. (Mais detalhes confira: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2020/09/racismo-reconhecimento-criminal-foto/)

Daí, o reconhecimento fotográfico não pode ser fundamento para condenação criminal. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (HC 598.886):

1. O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime

2. À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo

3. Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento

4. O reconhecimento do suspeito por mera exibição de fotografia(s), ao reconhecer, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo

Como se vê, o reconhecimento é ato formal (art. 226 do CPP), de modo que o reconhecimento fotográfico não pode ser base para a condenação criminal

Agora, uma nova questão surge: O RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO PODE SERVIR DE FUNDAMENTO PARA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA?

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, embora seja necessário o reconhecimento formal (art. 226 do CP), além do cotejo com outras provas, para a condenação criminal, a decretação da prisão preventiva depende dos requisitos e pressupostos do artigo 312 do CPP, dos quais, quanto à autoria exige apenas.

Assim, o reconhecimento fotográfico, embora não seja considerado para fins de juízo de certeza (condenação criminal), pode servir de lastro para a prisão preventiva, pois é um reconhecimento preparatório e antecedente, não definitivo (HC n. 651.595).

No caso examinado, o Superior Tribunal de Justiça recomendou a realização da confirmação do reconhecimento do paciente perante o juízo, nos moldes do artigo 226 do Código de Processo Penal, no prazo de 60 dias. CONCLUSÃO: O reconhecimento é ato formal (art. 226 do CPP). O reconhecimento fotográfico pode até autorizar a decretação da prisão preventiva, pois é um indício de autoria. De outro lado, jamais servirá de fundamento para a condenação criminal, pois o reconhecimento fotográfico é uma medida antecedente, não o ato em si, pois o reconhecimento só terá validade jurídica quando observadas todas as formalidades que servem para dar certeza ao Estado-Juiz para a condenação criminal.

Categorias:Processo Penal

JUSTIÇA – O sistema de justiça & a desumanização

“Justiça” evidencia a rotina do sistema de justiça que burocratiza os envolvidos em uma rotina que tenta nos tirar o principal: A humanidade.

Atuar no sistema de justiça brasileiro tem sido cada vez mais superficial e despreocupado das reais necessidades do indivíduo.

Ledo engano é pensar que o processo de indignidade é exclusivo do processo penal. Isso já superou os muros da justiça criminal, alcança muitas vezes, processos indenizatórios por abalo a direitos da personalidade, conflitos familiares, até mesmo as salas de aula dos cursos de Direito.

É preciso refletir e compreender que a exclusão da sujeira dos humanos depende da inclusão e reconhecimento que a realidade faz parte de nós.

A exclusão, o preconceito e o sentimento de superioridade são formas de aumentar a marginalidade social, jamais promoverão inclusão e ressocialização.

“Justiça” é um alerta para que nós, personagens do sistema de justiça, compreendamos que desumanizar o outro sujeito processual, rotinizar friamente o nosso papel, atenta contra a nossa própria dignidade, pois nos arranca a empatia, a sensibilidade e outros atributos exclusivos do ser humano.

A desumanização no sistema de justiça não ocorre somente de forma dolosa, mas imperceptível, espontânea.

Permitir que isso aconteça é violar a própria dignidade da pessoa humana de todos envolvidos, é abdicar de ser humano, é deixar de ser gente.

Disponível no NETFLIX

O Presidente da República pode determinar instauração de Inquérito Policial ou o indiciamento de alguém?

24/ junho / 2021 Deixe um comentário

A Constituição Federal, dispõe que a apuração de infrações penais e o desempenho das funções de polícia judiciária competem à Polícia Federal e às Polícias Civis.

Nessa vereda, qualquer ato atribuído à autoridade policial que venha a ser praticado por outro agente estatal diverso do delegado de polícia configura, em tese, crimes de usurpação de função pública e abuso de autoridade, dependendo do ato praticado.

Não há na legislação norma que permita a conclusão de que a autoridade policial possa ser qualquer outro agente estatal além do delegado de polícia. Ao contrário, cabe privativamente ao delegado de polícia indicar os indícios de autoria, materialidade e demais elementos circunstanciais no inquérito policial (art. 2º, §1º, da Lei 12.830/2013).

Na persecução penal, o indiciamento é ato administrativo, de competência privativa da autoridade policial, por meio de análise técnico-jurídica do fato delituoso. Vale lembrar que o indiciamento de alguém, por suposta prática delituosa, somente se justificará, se e quando houver indícios mínimos, que, apoiados em base empírica idônea, possibilitem atribuir-se ao mero suspeito a autoria do fato criminoso. Isso porque, é inquestionável que o ato de indiciamento, embora não pressupondo a necessária existência de um juízo de certeza quanto à autoria do fato delituoso, há de resultar, para legitimar-se, de um mínimo probatório que torne possível reconhecer que determinada pessoa teria praticado o ilícito penal, pois externamente, indica à sociedade o provável sujeito ativo do crime.

Entre as funções privativas do delegado de polícia está o indiciamento, a ser realizado através de ato fundamentado, “mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias” (art. 2º, § 6º).

Os tribunais superiores possuem entendimento firmes no sentido de que o indiciamento é ato privativo do delegado de polícia, razão pela qual não pode ser a ele requisitado

STF – HC 115.015, Min. Rel.. Teori Zavascki, j. em 27/08/2013 – Sendo o ato de indiciamento de atribuição exclusiva da autoridade policial, não existe fundamento jurídico que autorize o magistrado, após receber a denúncia, requisitar ao Delegado de Polícia o indiciamento de determinada pessoa.

STJ –  STJ. RHC 47.984, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 04/11/2014 – É por meio do indiciamento que a autoridade policial aponta determinada pessoa como a autora do ilícito em apuração. Por se tratar de medida ínsita à fase investigatória, por meio da qual o Delegado de Polícia externa o seu convencimento sobre a autoria dos fatos apurados, não se admite que seja requerida ou determinada pelo magistrado, já que tal procedimento obrigaria o presidente do inquérito à conclusão de que determinado indivíduo seria o responsável pela prática criminosa, em nítida violação ao sistema acusatório adotado pelo ordenamento jurídico pátrio.

Há alguma peculiaridade em relação ao indiciamento de membros do Congresso Nacional?

Senadores da República e Deputados Federais podem ser indiciados. No entanto, a autoridade policial não pode indiciar parlamentares sem prévia autorização do ministro-relator do inquérito, ficando a abertura do próprio procedimento investigatório (inquérito penal originário) condicionada à autorização do Relator. Nos casos de competência originária dos Tribunais, a atividade de supervisão judicial deve ser desempenhada durante toda a tramitação das investigações, desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo titular da ação (STF – QO no Inq. 2.411).

SE LIGA!

O Presidente da República NÃO pode determinar instauração de Inquérito Policial ou o indiciamento de alguém, pois a instauração e presidência de inquérito policial, bem como indiciamento são atos privativos do Delegado de Polícia. Quanto os membros do Congresso Nacional, o indiciamento somente poderá ser feito após prévia autorização do Supremo Tribunal Federal (Ministro-relator).

É POSSÍVEL PRONÚNCIA FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS COLHIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL?

17/ junho / 2021 Deixe um comentário

Para começo de conversa, lembremos que o Procedimento do júri é bifásico (ou escalonado)

Na primeira fase, há o recebimento da denúncia e se estende até a decisão de pronúncia

Na segunda fase, após a pronúncia o processo atinge seu termo no julgamento em plenário.

Encerrada a primeira fase do procedimento do Júri – denominada instrução preliminar –, se convencido da materialidade do crime e da existência de indícios de autoria, o juiz pronuncia o réu (art. 413 do CPP).

Vale dizer que outras 3 (três) decisões podem ser tomadas ao fim da primeira fase do júri.

Impronúncia – Quando o juiz não se convencer da materialidade do fato ou da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação (art. 415 do CPP).

Absolvição Sumária – O juiz, fundamentadamente, absolverá desde logo o acusado, quando provada a inexistência do fato; provado não ser ele autor ou partícipe do fato; O fato não constituir infração penal; demonstrada causa de isenção de pena ou de exclusão do crime. (art. 416 do CPP).

Desclassificação – Quando o juiz se convencer que o crime não é doloso contra a vida, remeterá os autos ao juiz competente (art. 419 do CPP). 

De volta à pronúncia, a materialidade é comprovada por meio do respectivo exame de corpo de delito, desde que, nos termos do art. 158 do CPP, deixe vestígios a infração penal.

Lado outro, indícios de autoriasão suficientes para que o juízo de admissibilidade seja preenchido. Todavia.  Indícios são fatos conhecidos que, por sua força e precisão, são capazes de determinar uma só conclusão: a de que não foi outro se não o indiciado o autor ou cúmplice do fato criminoso”

Na primeira fase do júri, ocorre o recebimento da denúncia, apresentação da resposta à acusação e uma audiência de instrução(art. 411 do CPP: “proceder-se-á à tomada de declarações do ofendido, se possível, à inquirição das testemunhas arroladas pela acusação e pela defesa, nesta ordem, bem como aos esclarecimentos dos peritos, às acareações e ao reconhecimento de pessoas e coisas, interrogando-se, em seguida, o acusado e procedendo-se o debate”. 

Como se vê, a audiência é a oportunidade para reafirmar, agora em juízo, indícios de autoria que fundamentaram a própria denúncia. Decerto, a primeira fase do júri é um filtro para que qualquer pessoa, sem mínimo lastro probatório, verificado em contraditório, seja levada ao júri popular.

Nessa toada, os tribunais superiores afirmam que os indícios que compõem a pronúncia não podem ser exclusivamente originados do inquérito policial, na medida em que anularia a relevância da instrução preliminar e igualaria a pronúncia à decisão que recebe a denúncia.

Confira a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:

“A atual posição do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema admite a pronúncia do acusado com base em indícios derivados do inquérito policial, sem que isso represente afronta ao art. 155 do Código de Processo Penal (HC 547.442/MT, Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe 15/4/2020).

Assim, na linha dos precedentes desta Corte e do Supremo Tribunal Federal, embora não seja possível sustentar uma condenação com base em prova produzida exclusivamente na fase inquisitorial, não ratificada em juízo, tal entendimento não se aplica à sentença de pronúncia (HC 314.454/SC, Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, DJe 17/2/2017).

E o Supremo Tribunal Federal?

O Supremo Tribunal Federal (HC 180.144/GO, Ministro Celso de Mello, DJe 22/10/2020) enfrentou a questão e decidiu pela impossibilidade do juízo de pronúncia baseada de forma exclusiva em elementos informativos, na medida em que o processo penal se estrutura sobre as garantias e objetiva resguardar do arbítrio estatal o status libertatis do acusado:

“O sistema jurídico-constitucional brasileiro não admite nem tolera a possibilidade de prolação de decisão de pronúncia com apoio exclusivo em elementos de informação produzidos, única e unilateralmente, na fase de inquérito policial ou de procedimento de investigação criminal instaurado pelo Ministério Público, sob pena de frontal violação aos postulados fundamentais que asseguram a qualquer acusado o direito ao contraditório e à plenitude de defesa. Doutrina. Precedentes. Os subsídios ministrados pelos procedimentos inquisitivos estatais não bastam, enquanto isoladamente considerados, para legitimar a decisão de pronúncia e a consequente submissão do acusado ao Plenário do Tribunal do Júri. O processo penal qualifica-se como instrumento de salvaguarda da liberdade jurídica das pessoas sob persecução criminal. Doutrina. Precedentes. A regra “in dubio pro societate” – repelida pelo modelo constitucional que consagra o processo penal de perfil democrático – revela-se incompatível com a presunção de inocência, que, ao longo de seu virtuoso itinerário histórico, tem prevalecido no contexto das sociedades civilizadas como valor fundamental e exigência básica de respeito à dignidade da pessoa humana” (HC 180.144/GO, j. 10/10/2020).

O entendimento do Suprema Corte parte da ausência de amparo constitucional e legal do princípio do in dubio pro societate no sistema processual penal brasileiro pós constituição de 1988.

De outro giro, o princípio da presunção de inocência, art. 5º, LVII, da Constituição Federal, em todo seu alcance, como norma de tratamento, norma probatória e norma de juízo, incumbe ao órgão acusador comprovar o alegado em todas as fases e procedimentos.

Assim, o contraditório e a ampla defesa (e no caso do júri de plenitude de defesa) concretizam o contraditório e a ampla defesa, de forma que impedem a pronúncia com base exclusiva em elementos produzidos no inquérito policial, nos termos do art. 155 do Código de Processo Penal.

De fato, admitir que a pronúncia se baseie em provas produzidas no inquérito igualaria em densidade à decisão de recebimento de uma denúncia.

O procedimento do jus accusationis – arts. 406 e 421 do Código de Processo Penal – disciplina toda a produção probatória destinada a embasar o deslinde da primeira fase do procedimento. Assim, evita-se submissão dos acusados ao Conselho de Sentença de forma temerária, não havendo razão de ser em tais exigências legais, fosse admissível a atividade inquisitorial como suficiente.

Como se vê, é incompatível com os postulados do Estado Democrático de Direito admitir que os jurados possam condenar alguém, com base em íntima convicção, em julgamento que sequer deveria ter sido admitido. Os julgamentos proferidos pelo Tribunal do Júri possuem peculiaridades em permanente discussão, até mesmo nos Tribunais Superiores, a respeito da possibilidade de revisão dos julgamentos de mérito, da extensão dessa revisão, o que torna, mais acertado exigir maior rigor na fase de pronúncia” (HC 589.270, j. 23/02/2021).

Portanto, É INADMISSÍVEL A PRONÚNCIA FUNDAMENTADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS COLHIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL.

Categorias:Processo Penal

O acesso a conversas do Whatasapp depende de autorização judicial?

14/ fevereiro / 2021 Deixe um comentário

As conversas realizadas via whatsapp estão protegidas pelo direito fundamental ao sigilo das comunicações. Assim, o acesso às informações está incluído na cláusula de reserva jurisdição, uma vez que DEPENDEM de autorização judicial e só devem ser permitidos para investigação criminal ou instrução processual penal – Art. 5º, XII, da CRFB.

“O acesso por policiais a celular do réu, com verificação de conversas em aplicativo Whatsapp, sem autorização judicial, viola o sigilo das comunicações e da proteção de dados.” STF, HC 168.052, 20.10.2020

Categorias:Processo Penal

O réu pode mentir?

4/ outubro / 2020 Deixe um comentário

A ampla defesa é direito fundamental constitucionalmente garantido (art. 5º, LV, da CRFB), e, por sua vez, abrange a defesa técnica e a autodefesa.

O direito ao silêncio, como autodefesa e decorrente do direto a não autoincriminação – nemo tenetur se detegere – (art. 5º, LXIII, da CRFB), é igualmente assegurado, inclusive previsto pelo Pacto de São José da Costa Rica (Convenção Americana de Direitos Humanos) – art. 8º, II, “g”.

Por curiosidade, registro que o Brasil é o único pais da América Latina em que a Convenção Americana de Direitos Humanos não possui status constitucional.

Na legislação brasileira, não há tipificação para a conduta de o acusado mentir perante autoridade policial ou em juízo. Situação diferente ocorre nos Estados Unidos, onde tal ato configura o crime de perjúrio.

Ocorre que o direito de não autoincriminação NÃO É absoluto, ilimitado.

Assim, malgrado seja tolerado que o acusado possa mentir de forma defensiva – negação da prática do delito – entendimento diverso existe diante das “mentiras agressivas”.

As “mentiras agressivas” são aquelas em que o agente imputa, falsamente, a terceiro inocente a prática do crime. Neste cenário, responderá pelo crime de denunciação caluniosa (art. 339 CP).

De mais a mais, STF e STJ afirmam que o nemo tenetur se detegere também não abrange a conduta de falsear a identidade. Neste caso, o agente, a depender do contexto fático, tanto pelo crime de falsa identidade (art. 307 CP), quanto pelo de uso de documento falso (art. 304 CP).

Neste sentido, confira o entendimento do Supremo Tribunal Federal firmado em tese de repercussão geral, bem como o entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça:

STF: O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). (RE 640139 RG, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 22/09/2011, DJe-198 DIVULG 13-10-2011 PUBLIC 14-10-2011 EMENT VOL-02607-05 PP-00885 RT v. 101, n. 916, 2012, p. 668-674 ), 

Súmula 522 – STJ: A conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa.

SE LIGA! No Brasil, o réu poder até mentir em juízo, sem que isso tenha qualquer repercussões penais/criminais. Todavia, há limite!  O réu não poderá imputar o crime a terceiro inocente, tampouco se utilizar de falsa identidade ou uso de documento falso, pois se assim agir, praticará os crimes previstos nos artigos 339, 307 e 304 do Código Penal.

Categorias:Processo Penal

O QUE É A TEORIA DOS CAMPOS ABERTOS DA PROVA (PLAIN VIEW DOCTRINE)?

13/ setembro / 2020 Deixe um comentário

A teoria dos campos abertos (teoria da primeira vista), consiste na hipótese de uma prova se encontrar à vista da autoridade competente para a sua colheita, tendo em vista um dos cinco sentidos humanos, dispensando, assim, um específico mandado judicial.

Exemplo: Uma busca e apreensão domiciliar para colher elementos de informação sobre um crime de homicídio, sobretudo para tentar apreender uma arma. Contudo, no meio da busca, encontramos 10kg de maconha dentro da casa do cidadão que a busca foi deferida.

Baseado no princípio da razoabilidade, uma vez que a droga estava à vista dos policiais, é totalmente possível aceitação da prova colhida. Ainda que o mandado não se refira a busca de drogas, é possível apreender a droga e instaurar investigação competente!

Esta teoria justifica a apreensão e apuração do crime de tráfico de drogas. No Brasil, tal caso se resolve pela Teoria da Serendipidade.

Você já viveu a situação de estar procurando determinado objeto e, de repente, achar algo diferente que tinha perdido a tempos ou, quem sabe, um dinheiro que nem sabia que tinha? Pois é… Tal situação retrata bem a serendipidade, a qual é o ato de fazer descobertas relevantes ao acaso, em forma de aparentes coincidências (vem do inglês serendipity: “descobrir coisas por acaso”).

Acontece que, no processo penal, as provas são colhidas conforme o fato apurado, sobretudo para garantir as regras de jurisdição, competência, contraditório, ampla defesa (princípio da especialidade da prova: a investigação não pode ser aberta e indeterminada em respeito aso direitos fundamentais). Tanto que na Lei de Interceptação telefônica (Lei n. 9296/96), o parágrafo único do artigo 2º diz: “..deve ser descrita com clareza a situação objeto da investigação, inclusive com a indicação e qualificação dos investigados, salvo impossibilidade manifesta, devidamente justificada”.

Acontece que é bem possível que na investigação de um fato, descubra-se, coincidentemente, a participação de outra pessoa ou, até mesmo, a ocorrência detalhada de outro crime. Ora, não poucas vezes, em uma conversa telefônica interrompemos um assunto para tratar de outro.

Como ficaria a notícia de um fato que não estava sendo investigado? Ela serviria como prova?

Antes de responder o questionamento, é importante conhecer os GRAUS DA SEREPENDIPIDADE. A   Serendipidade de 1º Grau é a descoberta fortuita de provas quando houver conexão ou continência. Quanto à Serendipidade de 2ª Grau, os fatos descobertos não guardam relação de conexão ou continência.

Ultrapassados os graus da serendipidade, vamos à resposta.

A doutrina tem seu posicionamento controverso. Luiz Flávio Gomes compreende que a prova só terá validade se o crime diverso for conexo e a responsabilidade for do mesmo investigado (primeiro graus). Lado outro, Fernando Capez afirma que se a interceptação telefônica foi autorizada, dispensa-se qualquer conexão, uma vez que deve prevalecer a eficácia objetiva da autorização (segundo grau). Por sua vez, Ada Pellegrini Grinover e Geraldo Prado compreendem que o crime descoberto fortuitamente não precisa ser conexo, mas deve ser punido com reclusão. Os filiados à primeira corrente afirmam que os elementos não serão “prova”, mas, segundo Aury Lopes Júnior, valeriam como “fonte de prova”, isto é, dariam o starter para a investigação, serviriam como notitia criminis para a apuração do novo crime.

Na jurisprudência, o STF (HC n. 83.515/R) permitiu a prova descoberta fortuitamente, embora o crime fosse punido com detenção, desde que conexo ao crime inicialmente investigado (serendipidade de primeiro grau).

Por sua vez, o STJ já entendeu (STJ – HC n. 69.552/PR) pela validade da prova, independente de conexão (serendipidade de segundo grau), para fundamentar decreto condenatório.

Recentemente, o STJ considerou válida a prova encontrada para apurar crime em que não havia identidade de réus com o crime em que foi determinada a medida de busca – sem qualquer conexão ou continência e este não cumpra os requisitos autorizadores da medida probatória, desde que não exista desvio de finalidade na execução do meio de obtenção de prova – HC n. 376.927, julgado em 17/10/2017.

Categorias:Processo Penal

Marshall: igualdade e Justiça

6/ setembro / 2020 Deixe um comentário

Está é mais uma história daquelas que ouvimos reiteradas vezes: A discriminação.

Mas, deixe eu dar uns pitacos sobre a relação do filme com o processo penal e a democracia.

O prazer pelo processo criminal injusto que nos seduz a vê-lo como um evento esportivo quando, na verdade, vidas estão em jogo.

Um processo penal justo não aceita a confissão como algo suficiente para a condenação.

Um processo penal justo sabe dos perigos do “consenso” quando estamos diante de vulneráveis.

Sim! Todo réu em um processo penal é vulnerável, pois tem contra a si a necessidades do Estado em “dar uma resposta”.

Um processo penal justo rejeita “consensos”, especialmente em um período em que condenações geram mais êxtase que indagações sobre se houve respeito às regras do processo, um período em que “assumir um crime” é melhor que aguardar a demora do processo, pois a medida cautelar é mais severa que a própria pena.

Marshall pode até nos revoltar quando vemos que um advogado não pode usar sua voz simplesmente pelo fato de ser negro, mas não custa lembrar que a sociedade via como normal brancos e negros estudaram em salas apartadas até 1953 nos EUA (o país que o brasileiro idolatrara) é que cotas são motivos de raivas para muitos, quando delas não fazem jus.

Hoje, não é diferente. Simplesmente julgamos e apartamos pessoas pelo simples fato de pensarem diferente de nós, de terem origens e hábitos sociais que não cultivamos. A “cor” ainda afasta, mas, juntamente com ela, a sexualidade, a religião, a origem, a nacionalidade, a posição politica.

O “crime” do outro? O mais vil, ate que não seja feito por alguém próximo a mim. É aquele que eu faço? Plenamente justificável, embora não existam crimes perfeitos.

Vigiemos!

A humanidade continua tendo prazer em se dividir, excluir e hierarquizar pessoas, continuamos a ver as desigualdades sociais como simples resultado de um jogo, quando neste game, vidas estão em jogo. pois é melhor viver a arte do conflito e sempre ter um adversário, um inimigo, do que buscar a solução que começa em admitir uma verdade: SOMOS TODOS IGUAIS!