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ACREDITE EM MIM: Um convite à reflexão, ao acolhimento.

O abuso sexual contra crianças e adolescentes, hoje é preocupação em escala mundial. Ferir a infância e sua dignidade sexual é uma das mais graves violações aos direitos fundamentais, qual seja, a violação a dignidade da pessoa humana.
Trata-se de um crime que provoca mais que marcas físicas na vítima, pois sequelas psicológicas do ocorrido se perpetuam durante o restante de toda sua vida.
Tais abusos sexuais contra crianças, adolescentes, em grande parte, se repetem em razão da incredulidade e negação daqueles que deviam acreditar e acolher.
Por outro lado, a lei do silêncio é aliada dos abusos intrafamiliares, pois o segredo passa a tomar conta da vítima quando não recebe o que mais deseja: Respeito, dignidade, compreensão e solidariedade, além da conduta ética dos agentes envolvidos no caso.
Com se vê, o abuso sexual infantil é uma forma de violência que envolve poder, coação e/ou sedução. É uma violência que envolve duas desigualdades básicas: de gênero e geração.
O filme ACREDITE EM MIM, além de contar uma história real, alerta para o risco de nós, enquanto familiares, sociedade, amigos e até mesmo o sistema de investigação e justiça precisam se policiar para não serem revitimizadores no processo de violação da dignidade daquelas que buscam escuta, empatia e acolhimento.
Lançar dúvidas ou recusar peremptoriamente as declarações de crianças, adolescentes sobre notícias de abusos sexuais só aumentará os problemas e nos tornará cúmplices dos crimes sexuais que acontecem ao nosso redor, sobretudo quando clandestinos.
Se de um lado, tomar tudo como verdade é perigoso. Desacreditar de forma absoluta o que a vítima diz potencializa os problemas e estima a reiteração da conduta pelos criminais.
Cabe a nós, conduzirmos tais noticiantes aos órgãos e profissionais capacitados para que procedam a escuta individualizada e tratem a questão de forma profissional e científica.
É preciso refletir sobre isso,
É preciso escutar,
É preciso acolher,
É preciso ACREDITAR!
Estados ou Municípios podem obrigar os pais a vacinarem seus filhos?
Para começo de conversa, importante compreender que a criança e adolescente são sujeitos de direitos e não meros objetos.
Ao longo dos anos, a criança sequer tinha consideração de autonomia. Nas antigas sociedades (grega ou romana), a criança e o adolescente sequer eram considerados suscetíveis de proteção jurídica, pois eram meros objetos de propriedade estatal ou paternal, caracterizados por um estado de imperfeição que se perdia somente com o passar do tempo, e unicamente suavizado por um dever ético-religioso de piedade.
O conceito de infância e a própria proteção das crianças só começou a ganhar corpo a partir do século XIX. Até então eram consideradas como pequenos adultos sobre os quais os pais poderiam exercer poder praticamente ilimitado. Eram encaradas como uma espécie de propriedade parental, entendimento derivado da concepção absolutista de pátrio poder proveniente do Direito Romano.
Em Roma, o Pater podia castigar corporalmente seus filhos sem qualquer limitação, modificar seu status social, dar esposa ao filho, dar sua filha em casamento (recebendo dote), divorciar seus filhos, transferi-los a outra família, dá-los em adoção, e até mesmo vendê-los. As crianças eram menos que pessoas e se aproximavam muito da categoria de objetos, de coisas.
Como se percebe, a evolução histórica de superação e reconhecimento de direito das crianças coincide com a necessidade de reconhecimento de outros grupos vulneráveis (mulheres, estrangeiros, negros, prisioneiros, deficientes, pessoas de etnias minoritárias).
Nos últimos 200 (duzentos) anos, um fato marcante foi o caso “Mary Ellen Wilson” (EUA, 1874). Ellen era uma criança (9 anos de idade) que era violentada pela mãe e não tinha qualquer convívio com o mundo externo, comunitário. Um certo dia, os vizinhos perceberam que a criança tinha o corpo muito fraco (pequeno até para uma criança de 5 anos de idade) e apresentava diversos hematomas (“trajada com roupas rasgadas e sujas e tinha uma grande cicatriz que ia do seu olho esquerdo ao queixo, fruto de um golpe de tesoura desferido por sua mãe adotiva”). Ao noticiarem os fatos, as autoridades públicas, embora existente uma norma de negligência dos pais, disseram que não poderiam atuar, pois prevaleceria a autoridade da mãe.
Foi aí que surgiu a seguinte tese desenvolvida Herny Bergh, líder do movimento de proteção dos animais e fundador da “Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra Animais” (ASPCA): Mary Ellen é certamente um pequeno animal e se as crianças são parte do reino animal podem ser protegidas sob a égide das mesmas leis que protegem os animais contra a crueldade”.
E assim aconteceu: A mãe foi condenada pelos maus-tratos e a criança foi acolhida pela Sheltering Arms, uma entidade protetiva, e posteriormente adotada.
No Século XX, o quadro se aperfeiçoou, pois surgiu um olhar para a criança e o adolescente como uma pessoa no sentido pleno do termo, permitindo-lhe atingir direitos e liberdades de que são beneficiários como condição geral, mesmo no período de tempo durante o qual estão em processo de formação.
Na segunda metade do século XX, crianças e adolescentes deixam de ser vistos como meros sujeitos passivos, objeto de decisões de outrem (ou seu representante legal), sem qualquer capacidade para influenciarem a condução da sua vida, e passaram a ser vistos como sujeitos de direitos (pessoas dotadas de uma progressiva autonomia) no exercício de seus direitos em função da sua idade, maturidade e desenvolvimento das suas capacidades. Sim, crianças possuem “cidadania social”.
No nível internacional, a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989) são instrumentos que estabelecem a criança como sujeito destinatário de direitos e proteção física e mental, cuidado especial, devendo, ainda, ser amparado por uma legislação apropriada.
Atenta ao movimento mundial de proteção, a Constituição da República (art. 227) impôs o dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
No plano infraconstitucional, fora aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), um dos diplomas legais mais avançados do mundo em matéria de proteção infantil.
Nessa toada, cumpre observar que uma simples leitura do art. 1634 do Código Civil deixa claro que as atribuições dos pais em relação aos filhos é tratada com uma série de deveres, obrigações e responsabilidades (cuidar, sustento, educar, proteger), como manifestação do princípio da parentalidade responsável
Assim, os pais não são titulares, nem podem ser obstáculos para que crianças e adolescentes exerçam direitos. Ao contrário, Família, Estado e Sociedade possuem o DEVER (não mera faculdade) de efetivar direitos da criança e do adolescente.
Então, o Poder Público pode obrigar a vacinação?
É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no programa nacional de imunizações; (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei; (iii) seja objeto de determinação da união, estados e municípios, com base em consenso médico científico. (STF n. 6586 e 6587).
Especificamente quanto às crianças, é obrigatória a vacinação nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. (art. 14, §1º, do ECA – Lei n. 8069/90).
E no caso da COVID-19, a vacinação também poderá ser obrigatória?
SIM. Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas: d) vacinação e outras medidas profiláticas (art. 3º da Lei n. 13.979/2020).
Se a União não determinou obrigatoriedade, o Estado ou Município pode obrigar a vacinação de crianças e adolescentes?
SIM. A efetivação do direito à saúde é concorrente entre os entes, razão pela qual deve ser observada a autonomia dos entes. Art 23, I c/c 198, I da Constituição da República.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, as medidas de proteção à saúde seguem a lógica do constitucionalismo horizontal. Desse modo, qualquer dos entes podem adotar medidas sanitárias nos seus limites, independente da União. (STF: ADIs n. 6341 & 756)
Os pais podem ser obrigados a vacinarem seus filhos?
SIM. Segundo o artigo 29 do Decreto n. 78231/76, “É dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha a guarda ou responsabilidade, à vacinação obrigatória“.
Todas as crianças estão obrigadas a serem vacinadas? Existem exceções para vacinação?
Só será dispensada da vacinação obrigatória, a pessoa que apresentar Atestado Médico de contraindicação explícita da aplicação da vacina. (Decreto n. 78231/76 Art. 29. Parágrafo Único).
Mas a vacina para crianças não é de caráter experimental?
NÃO. As vacinas pediátricas não são “experimento”. Não há que se falar em cobaia ou fase de testes, uso emergencial. Isso porque, as vacinas pediátricas da Pfizer (aplicada no Brasil), Coronavac e Astrazenica já possuem a autorização definitiva para utilização. A Janssen já é usada na Europa para crianças. Portanto, o tratamento vacinal disponível para crianças não é experimental.
Os pais podem deixar de vacinar seus filhos sob o argumento da consciência filosófica ou exercício da liberdade de consciência?
NÃO. A obrigatoriedade da vacina não caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar. STF – Tese 1103 – ARE 1267879. Logo, a escusa imotivada ou baseada em convicções filosóficas não prevalece.
Os pais podem ser multados pode deixarem de vacinar seus filhos?
SIM. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder, poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutela pode resultar em multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência (art. 249 do ECA).
A recusa dos pais pode configurar crime?
SIM. A recusa imotivada dos pais pode confirmar o crime de Infração de medida sanitária preventiva Código Penal: Art. 268. Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.
Portanto, qualquer ente público pode impor a vacinação obrigatória às crianças, pois inexiste o direito dos pais em contrariar à efetivação do direito à saudade dos filhos, pois estes são sujeitos de direitos.
MEU PITACO:
As escolas públicas podem condicionar à matricula das crianças ao passaporte vacinal?
Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei – Ar.t 5º, da CRFB.
A Portaria n. 597/2004 do Ministério da Saúde prevê no § 2º do art. 5º a obrigatoriedade de se apresentar o cartão de vacinação com as vacinas elencadas no Plano Nacional de Imunização para matricular em creches, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e universidade. Como a vacina contra o coronavírus não está elencada no PNI, em tese, não é possível que as escolas exijam, por conta própria, o cartão de vacinação contra a Covid-19.
Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal (ADI n. 6586) decidiu que a União, os Estados e Municípios podem adotar medidas indiretas para determinar a vacinação compulsória, desde que haja previsão diretamente na lei ou decorra da lei. Logo, o passaporte vacinal só poderá ser condicionante para matricula escolar nos Estados ou Municípios em que houver lei que autorize restringir o acesso de crianças e adolescentes às escolas.
ATOS INFRACIONAIS PODEM AFASTAR O TRÁFICO PRIVILEGIADO?
Nos termos do art. 33, § 4º da Lei n. 11.3434/06, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa.
Como se vê, há uma causa de diminuição de pena (3ª fase da dosimetria da pena) para aqueles condenados por tráfico de drogas, desde que: a) sejam primários; b) possuam bons antecedentes; c) não se dediquem a atividades criminosas; e d) não integrem organização criminosa.
Importante lembrar que para ter direito à causa de diminuição de pena, os 4 (quatro) requisitos citados anteriormente devem estar presentes. (STJ. 5ª Turma. HC 355.593/MS).
De mais a mais, importante lembrar que tal crime não pode ser equiparado aos crimes hediondos, conforme já discutimos em post anterior (STF – HC n. 118.533).
Agora, surge a pergunta: A existência de atos infracionais podem afastar o reconhecimento do tráfico privilegiado?
A resposta deve levar inicialmente em consideração que os menores de 18 (dezoito) anos são inimputáveis. Assim, são julgados pela legislação especial, nos termos do artigo 228 da Constituição da República.
Ora, sendo inimputáveis não praticam crimes, mas atos infracionais, de forma que tais registros não podem ser considerados como condenações ou antecedentes como desdobramento da proteção integral à criança e ao adolescente. (STJ – HC n. 354.300/SC e HC n. 224.037/MS).
Todavia, malgrado não sejam considerados maus antecedentes, o Superior Tribunal de Justiça compreende que os registros de atos infracionais podem denotar que a pessoa se dedica à atividade criminosa. (Informativo n. 712 – EREsp 1.916.596-SP)
OLHA SÓ!
A simples existência de registro de ato infracional NÃO impede o reconhecimento do tráfico privilegiado. O afastamento da causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei de Drogas somente ocorrerá, se preenchidos os seguintes requisitos:
1 – O(s) ato(s) infracional(is) foi(ram) grave(s);
2 – Se o(s) ato(s) infracional(is) está(ão) documentado(s) nos autos, de sorte a não pairar dúvidas sobre o reconhecimento judicial de sua ocorrência;
3 – A distância temporal entre o(s) ato(s) infracional(is) e o crime que deu origem ao processo no qual se está a decidir sobre a possibilidade de incidência ou não do redutor, ou seja, se o(s) ato(s) infracional(is) não está(ão) muito distante(s) no tempo (Direito ao Esquecimento – AgRg no REsp n. 1.875.382/MG).
SE LIGA!
1. Atos infracionais podem impedir o reconhecimento do trágico privilegiado e afastar a causa de diminuição prevista no artigo 33, §4º, da Lei de Drogas.
2. Todavia, o afastamento não decorre automaticamente do registro de ato infracional, mas deve levar em conta o caso concreto, pois somente o ato infracional GRAVE, RECONHECIDO JUDICIALMENTE sem qualquer dúvida e que guarde RAZOÁVEL DISTÂNCIA TEMPORAL entre os fatos (ato infracional e crime julgado) permitirá o afastamento do tráfico privilegiado.
É POSSÍVEL O RESTABELECIMENTO DO PODER FAMILIAR?
O poder familiar consiste no conjunto de atribuições (poderes e deveres) na relação entre pais e filhos.
Na atualidade, a doutrina adverte que a compreensão constitucional do Direito das Famílias indica que o termo mais adequado seria de “função parental”, uma vez que o exercício se manifesta em deveres, como se depreende do artigo 1634 do Código Civil.
Estão sujeitos ao poder familiar, os menores de 18 (dezoito) anos de idade – art. 1631 do Código Civil.
Todavia, caso os pais descumpram os deveres inerentes à criação e cuidado aos filhos, a perda do poder familiar se configurará, a qual ocorrerá, necessariamente, mediante decisão judicial. Confira a legislação atinente:
Art. 24 da Lei 8.069/90: A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.
No mesmo sentido, o artigo 1.638, V do Código Civil (CCB/02): Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: II – deixar o filho em abandono”.
Como se vê, afora o caso de decisão judicial, todas as hipóteses de extinção do poder familiar são ocorrências naturais do ciclo da vida e que não retornam por questões de lógica. Lado outro, a perda do poder familiar possui caráter sancionatório, pois decorre da violação dos deveres impostos pela legislação.
Registre-se, ainda, que que a destituição do poder familiar depende de procedimento específico para sua decretação, previsto no artigo 155 da Lei n. 8069/90.
Ocorre que é preciso enfrentar o seguinte questionamento: Uma vez destituído o poder familiar, é possível restabelecer o poder familiar?
Em prima facie, poder-se-ia afirmar que a perda do familiar seria permanente, definitiva. No entanto, como já diferenciado acima, a extinção é modalidade natural de encerramento do poder familiar, como se extrai das hipóteses do artigo 1635 do Código Civil (dos pais ou do filho; pela emancipação; pela maioridade; pela adoção; por decisão judicial).
No entanto, repise-se, a perda do poder familiar possui caráter sancionatório, decorrente do descumprimento do dever inerente à função parental. Por ser pena, por analogia, deve se atentar à vedação constitucional das penas de caráter perpétuo (artigo 5º, XLVIII, “b”, da CRFB). Logo, cessado o motivo ensejador da perda, é possível o seu restabelecimento.
Cumpre notar que a reversão da decisão que destituiu o poder familiar, permite a reinserção da criança em sua família natural, de forma a efetivar o direito fundamental à convivência familiar – art. 227 da CRFB.
Ora, se à época da destituição haviam causas para sua decretação, cessado o fundamento autorizador, é possível a reintegração da criança no seio familiar, e consequentemente, o restabelecimento do poder familiar, conforme entendimento jurisprudencial:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ECAE PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REESTABELECIMENTO DE PODER FAMILIAR. COISA JULGADA. OFENSA. – INTERLOCUTÓRIO DE AFASTAMENTO NA ORIGEM. RECUSO DO MP. (1) DESTITUIÇÃO PASSADA EM JULGADO. REESTABELECIMENTO DO PODER FAMILIAR. AJUIZAMENTO POSSÍVEL. AÇÕES DISTINTAS. CAUSAS DE PEDIR DISTINTAS. – É possível o ajuizamento de ação de reestabelecimento do poder familiar após sentença definitiva de destituição poder familiar após sentença definitiva de destituição porque seus elementos identificadores são distintos, notadamente as causas de pedir: a retomada funda-se na ausência de adoção, na melhora do quadro social, e na manutenção dos vínculos; já na destituição, o contexto era diemetralmente opostos. (2) DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. REVERSIBILIDADE. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. MELHOR INTERESSE. PRIORIZAÇÃO DA REINTEGRAÇÃO À FAMÍLIA NATURAL (EXEGESE DO §1º DO ART. 39 DO ECA). AFETIVIDADE POSSIVELMENTE RESTAURADA ENTRE PAI E FILHOS. SEGUIMENTO DA MARCHA PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO – A interpretação conjugada dos dispositivos contidos no Estatuto da Criança e do Adolescenteinduz à compreensão de que a única medida irreversível é a adoção, consoante disciplina o seu §1º do artigo 39ao preceituar: “A adoção é medida excepcional e irrevogável,à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo únicodo art. 25desta Lei”. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJ/RS: AI 2015049497 Turvo 2015.044949-7. Quinta câmara de Direito Civil. Desembargador Relator Henry Petry Junior. Julgado em 18 de Abril de 2016).
Percebe-se que a única sentença capaz de fazer romper os laços de parentesco definitivamente é aquela que permite a colocação da prole, por meio de adoção, em família substituta.
Importante, neste momento, diferenciar os conceitos de averbação e cancelamento de registros: “Averbar é fazer constar na folha de um registro todas as ocorrências que, por qualquer modo, o alterem”. Já o cancelamento, torna sem efeito jurídico o registro anterior. Nos termos do Estatuto, com a adoção, não só há o cancelamento do registro original, como a confecção de novo, estabelecendo assim novos vínculos de parentesco, agora em relação aos adotantes e adotados. (VIEIRA JUNIOR; MELOTTO, 2011, p. 34).
Na doutrina, Luiz Carlos de Azevedo, citado por Vieira Júnior e Melotto, trata que:
“Ao declarar a suspensão do poder familiar, a sentença deverá estabelecer o tempo de sua duração, pois se trata de medida de caráter temporário, a qual cessará após o termo de sua vigência, retornando a situação ao estado anterior. O mesmo não acontece com a destituição do poder familiar, a qual é determinada em caráter permanente. Tanto no primeiro caso como no segundo, todavia, tais sentenças referem-se à relação jurídica continuativa, de sorte que, se sobrevier modificação no estado de fato ou de direito, poderão as partes requerer a revisão do que ficou estatuído no julgado. Em tais condições, poderão requerer a cessação da suspensão, antes do término do prazo fixado na sentença, ou a restituição do direito ao poder familiar, assim fixado na sentença, ou a restituição do direito ao poder familiar, assim procedendo por meio de ação própria, na qual deverão demonstrar que os motivos que autorizam a suspensão ou a perda já não mais subsistem. (…) Em um caso, no entanto, esta revisão ou modificação da situação, com fundamento da cláusula rebus sic stantibus, já não mais poderá ocorrer: isto é, quando, após a perda do poder familiar, seguiu-se a adoção da criança ou do adolescente, por meio da qual se transferiu aquele direito em caráter definitivo aos pais adotivos. No momento em que consumada a adoção, ingressou o menor na família do adotante, fez parentesco com os demais membros da família, desfez-se, por completo, o vínculo que existia com a família natural. A irrevogabilidade do decreto de adoção (art. 48 do Estatuto) e o atributo e condição de filho do adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive os sucessórios, desligando-se por completo de qualquer vínculo que possuía com os pais naturais (art. 41 do Estatuto), tornando impossível o retorno à situação anterior. (CURY, Munir et al (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, 11.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 767)”. (VIEIRA JUNIOR; MELOTTO, 2011, p. 35) [grifou-se].
No mesmo sentido, Silvio Rodrigues afirma sobre a possibilidade de restituição do poder familiar: “Tanto assim é que, cessadas as causas que conduziram à suspensão ou destituição do poder familiar e transcorrido um período mais ou menos longo de consolidação, pode o poder paternal ser devolvido aos antigos titulares”. (Direito Civil: Direito de Família, 28ª edição, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 369, v.6).
Como se vê. a restituição do poder familiar atende aos fins sociais da norma (artigo 6º da Lei n. 8069/90), na medida em que resgata o direito fundamental à convivência familiar, o que materializa o melhor interesse da criança.
APELAÇÃO CÍVEL. ECA. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. PROTEÇÃO INTEGRAL E PRIORITÁRIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA EXTINTIVA. 1. A atenta e sistemática leitura dos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente permite concluir que apenas a adoção tem caráter irrevogável, porque expressamente consignado no § 1º do art. 39. Diante do silêncio da lei acerca do restabelecimento do poder familiar, também se pode concluir, a contrário senso, pela possibilidade da reversão da destituição do poder familiar, desde que seja proposta ação própria para tanto, devendo restar comprovada a modificação da situação fática que ensejou o decreto de perda do poder familiar. Desse modo, impõe-se a desconstituição da sentença que extinguiu o processo por impossibilidade jurídica do pedido. 2. À luz da doutrina da proteção integral e prioritária dos direitos da criança e do adolescente preconizada pelo ECA, a intervenção do Estado deve atender prioritariamente aos superiores interesses dos menores, nos termos do art. 100, inc. II e IV, do ECA, de modo que, caso o retorno dos menores ao convívio materno se mostre a medida que melhor atenda aos seus interesses, não há motivos para que se obste tal retorno, com a restituição do poder familiar pela genitora, mormente porque os menores não foram encaminhados à adoção. 3. Trata-se, no caso, de uma relação jurídica continuativa, sujeita, portanto, à ação do tempo sobre seus integrantes (tal qual ocorre com as relações jurídicas que envolvem o direito a alimentos). Logo, a coisa julgada, formal e material, que antes se tenha produzido, fica preservada desde que as condições objetivas permaneçam as mesmas (cláusula rebus sic stantibus). No entanto, modificadas estas, outra poderá ser a decisão, sem que haja ofensa à coisa julgada. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70058335076, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 22/05/2014). Conforme se depreende das decisões, o restabelecimento do poder familiar é medida plenamente possível e adequada, sobretudo quando a criança ainda não foi adotada, pois prestigia o melhor interesse da criança o direito fundamental à convivência familiar.
A diferença mínima de idade entre adotante e adotado (16 anos) é uma exigência absoluta?
O artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n. 8069/90 informa duas regras sobre idade para adoção.
1. A idade mínima do adotante é de 18 (dezoito) anos, independente do estado civil. (caput)
2. A diferença etária mínima de 16 (dezesseis) anos entre adotante e adotado. (parágrafo 3º).
O objetivo dos requisitos relacionados à idade mínima e diferença de idade entre adotante e adotado é evitar confusão de papéis ou a imaturidade emocional indispensável para a criação e educação de um ser humano e o cumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. Assim, busca-se reproduzir – tanto quanto possível – os contornos da família biológica padrão, de forma a evitar que a adoção camuflasse motivos escusos, onde a demonstração de amor paternal para com o adotando mascarasse/escondesse interesse impróprio. Contudo, registre-se que nos casos de adoção bilateral, basta que um dos adotantes preencha os requisitos de idade mínima e diferença de idade.
Esclarecida a regra, surge uma questão surge: A diferença de idade entre adotante e adotado é uma exigência absoluta?
NÃO. A diferença mínima de idade de 16 (dezesseis) anos pode ser flexibilizada. Isso porque, à luz do princípio da socioafetividade, a adoção é sempre regida pela premissa do amor.
Dessa forma, incumbe ao magistrado estudar as particularidades de cada caso concreto a fim de apreciar se a idade entre as partes realiza a proteção do adotando, sendo o limite mínimo legal um norte a ser seguido, mas que permite interpretações à luz do princípio da socioafetividade, nem sempre atrelado às diferenças de idade entre os interessados no processo de adoção. STJ – REsp 1.785.754-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019 (Informativo n. 658).
Outra situação que permite superar a exigência mínima de 16 (dezesseis) anos de diferença de idade entre adotante e adotado ocorre quando se constata que a adoção visa apenas formalizar situação fática estabelecida de forma pública, contínua, estável, concreta e duradoura.
O Superior Tribunal de Justiça afastou a exigência da diferença mínima de idade entre adotante e adotado em um cenário em que o adotante já era casado há vários anos com a mãe do adotado e tinha, inclusive, 02 (dois fihos), os quais possuíam com o adotado, efetiva relação de afeto já consolidada no tempo. Como se vê, a relação de afeito já vivida somada ao fato de ser guarda unilateral afastou a exigência de diferença da idade entre adotante e adotado, pois a finalidade da norma (melhor interesse da criança) foi homenageado – STJ – informativo n. 701 – REsp 1.338.616-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 15/06/2021.
SE LIGA!
O Estatuto da Criança e Adolescente estabelece diferença mínima de idade de 16 anos entre adotante e adotado (Art. 42, §3º, do ECA).
Todavia, tal regra pode ser mitigada, quando ponderada com os interesses envolvidos favorecerem o melhor interesse do adotado, bem como a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
A criança e o adolescente “sob guarda” podem ser considerados dependentes no Regime Geral da Previdência social?
A Lei 8.213/1990 informa que são beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado, entre outros, o enteado e o menor sob tutela, pois estes são equiparados a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica, na forma estabelecida no Regulamento (“Art. 16, §2º).
Como se vê, a legislação deixou de fora as crianças e adolescentes que estiverem sob a guarda, modalidade de colocação em família substituta diversa da tutela.
Daí, questiona-se: É possível interpretar de forma a incluir a criança e o adolescente sob como guarda como dependentes do segurado no Regime Geral da Previdência Social (RGPS)?
A doutrina da proteção integral, consagrada no art. 227 da Constituição Federal (CF) e nos tratados internacionais vigentes sobre o tema, dos quais sobressai a Convenção dos Direitos das Crianças (Decreto 99.710/1990), estabelece o estatuto protetivo de crianças e adolescentes, conferindo-lhes status de sujeitos de direito.
Os direitos e garantias dos infantes devem ser universalmente reconhecidos, diante de sua especial condição de pessoas em desenvolvimento. Decerto, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, seus direitos fundamentais é dever que se impõe não apenas à família e à sociedade, mas também ao Estado.
Além disso, o art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao tratar do “menor sob guarda”, confere a ele condição de dependente, para todos os efeitos jurídicos, abrangendo, também, a esfera previdenciária:
Lei 8.069/1990: “Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. (…) § 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários
Nesse sentido, a interpretação que assegura ao “menor sob guarda” o direito à proteção previdenciária deve prevalecer, não apenas porque assim dispõem a CRFB e o ECA, mas porque direitos fundamentais devem observar o princípio da máxima eficácia.
Portanto, as crianças e adolescentes “sob guarda” devem ser incluídos dependentes do Regime Geral de Previdência Social, tudo em atenção ao princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, desde que comprovada a dependência econômica, nos termos da legislação previdenciária.
Obs.: A expressão “menor” foi utilizada no texto, pois foi usada no julgado do STF. Todavia, é preciso alertar que tal expressão deve superada, na medida em que significantes possuem valor no direito. A expressão foi substituída desde o texto constitucional de 1988 para “criança e adolescente”.
STF: ADI n. 4878/DF & ADI 5083/DF
Uma pessoa pode ser adotada por seus avós biológicos?
A questão é curiosa.
Imagine que a mãe biológica não esteja em situação psicológica para cuidar da criança, ou, até mesmo, não desenvolva cuidados básicos e, diante disso, desde o nascimento a criança passe a ser cuidada pelos seus avós.
Com o passar do tempo, os avós biológicos (que se comportam como verdadeiros pais) querem adotar a criança e registrá-la como filha. Isso é possível?
A literalidade da lei proíbe. Nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente, uma criança não pode ser adotada pelos seus avós, uma vez que “Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando” – Ar.t 42, §1º, da Lei n. 8069/90.
A vedação visa impedir possível confusão na estrutura familiar; problemas decorrentes de questões hereditárias; fraudes previdenciárias, entre outros.
Ocorre que o Superior Tribunal de Justiça tem entendimento diverso. Isso porque, o princípio do melhor interesse da criança no caso concreto não pode ser obstaculizado pela legislação. Confira o recente julgado do STJ neste sentido:
CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FAMÍLIA. ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. ADOÇÃO POR AVÓS. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR. PADRÃO HERMENÊUTICO DO ECA.
01 – Pedido de adoção deduzido por avós que criaram o neto desde o seu nascimento, por impossibilidade psicológica da mãe biológica, vítima de agressão sexual. 02 – O princípio do melhor interesse da criança é o critério primário para a interpretação de toda a legislação atinente a menores, sendo capaz, inclusive, de retirar a peremptoriedade de qualquer texto legal atinente aos interesses da criança ou do adolescente, submetendo-o a um crivo objetivo de apreciação judicial da situação específica que é analisada. 3. Os elementos usualmente elencados como justificadores da vedação à adoção por ascendentes são: i) a possível confusão na estrutura familiar; ii) problemas decorrentes de questões hereditárias; iii) fraudes previdenciárias e, iv) a inocuidade da medida em termos de transferência de amor/afeto para o adotando. […]. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1635649/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 27/02/2018, DJe 02/03/2018).
Um julgamento mais antigo já demonstrava o posicionamento do STJ:
DIREITO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. HIPÓTESE DE ADOÇÃO DE DESCENDENTE POR ASCENDENTES. Admitiu-se, excepcionalmente, a adoção de neto por avós, tendo em vista as seguintes particularidades do caso analisado: os avós haviam adotado a mãe biológica de seu neto aos oito anos de idade, a qual já estava grávida do adotado em razão de abuso sexual; os avós já exerciam, com exclusividade, as funções de pai e mãe do neto desde o seu nascimento; havia filiação socioafetiva entre neto e avós; o adotado, mesmo sabendo de sua origem biológica, reconhece os adotantes como pais e trata a sua mãe biológica como irmã mais velha; tanto adotado quanto sua mãe biológica concordaram expressamente com a adoção; não há perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; e não havia predominância de interesse econômico na pretensão de adoção. De fato, a adoção de descendentes por ascendentes passou a ser censurada sob o fundamento de que, nessa modalidade, havia a predominância do interesse econômico, pois as referidas adoções visavam, principalmente, à possibilidade de se deixar uma pensão em caso de falecimento, até como ato de gratidão, quando se adotava quem havia prestado ajuda durante períodos difíceis. Ademais, fundamentou-se a inconveniência dessa modalidade de adoção no argumento de que haveria quebra da harmonia familiar e confusão entre os graus de parentesco, inobservando-se a ordem natural existente entre parentes. Atento a essas críticas, o legislador editou o § 1º do art. 42do ECA, segundo o qual “Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando”, visando evitar que o instituto fosse indevidamente utilizado com intuitos meramente patrimoniais ou assistenciais, bem como buscando proteger o adotando em relação a eventual confusão mental e patrimonial decorrente da transformaçãodos avós em pais e, ainda, com a justificativa de proteger, essencialmente, o interesse da criança e do adolescente, de modo que não fossem verificados apenas os fatores econômicos, mas principalmente o lado psicológico que tal modalidade geraria no adotado. No caso em análise, todavia, é inquestionável a possibilidade da mitigação do § 1º do art. 42 do ECA, haja vista que esse dispositivo visa atingir situação distinta da aqui analisada. Diante da leitura do art. 1º do ECA (“Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente”) e do art. 6º desse mesmo diploma legal (“Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”), deve-se conferir prevalência aos princípios da proteção integral e da garantia do melhor interesse do menor. Ademais, o § 7º do art. 226 da CF deu ênfase à família, como forma de garantir a dignidade da pessoa humana, de modo que o direito das famílias está ligado ao princípio da dignidade da pessoa humana de forma molecular. É também com base em tal princípio que se deve solucionar o caso analisado, tendo em vista se tratar de supraprincípio constitucional. Nesse contexto, não se pode descuidar, no direito familiar, de que as estruturas familiares estão em mutação e, para se lidar com elas, não bastam somente as leis. É necessário buscar subsídios em diversas áreas, levando-se em conta aspectos individuais de cada situação e os direitos de 3ª Geração. Dessa maneira, não cabe mais ao Judiciário fechar os olhos à realidade e fazer da letra do § 1º do art. 42 do ECA tábula rasa à realidade, de modo a perpetuar interpretação restrita do referido dispositivo, aplicando-o, por consequência, de forma estrábica e, dessa forma, pactuando com a injustiça. No caso analisado, não se trata de mero caso de adoção de neto por avós, mas sim de regularização de filiação socioafetiva. Deixar de permitir a adoção em apreço implicaria inobservância aos interesses básicos do menor e ao princípio da dignidade da pessoa humana.REsp 1.448.969-SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/10/2014.
Neste caso, admitiu-se, excepcionalmente, a adoção de neto por avós, tendo em vista as seguintes particularidades do caso analisado: os avós haviam adotado a mãe biológica de seu neto aos oito anos de idade, a qual já estava grávida do adotado em razão de abuso sexual; os avós já exerciam, com exclusividade, as funções de pai e mãe do neto desde o seu nascimento; havia filiação socioafetiva entre neto e avós; o adotado, mesmo sabendo de sua origem biológica, reconhece os adotantes como pais e trata a sua mãe biológica como irmã mais velha; tanto adotado quanto sua mãe biológica concordaram expressamente com a adoção; não há perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; e não havia predominância de interesse econômico na pretensão de adoção. STJ. 3ª Turma. REsp 1.448.969-SC, Rel. Min. Moura Ribeiro, julgado em 21/10/2014 (Info 551).
Decerto, embora exista vedação legal, a 3ª Turma do STJ já permite há alguns anos a adoção dos netos por seus avós.
Agora, a novidade: A 4ª Turma do STJ também passou a admitir a possibilidade. Confira:
RECURSO ESPECIAL. ADOÇÃO DE MENOR PLEITEADA PELA AVÓ PATERNA E SEU COMPANHEIRO (AVÔ POR AFINIDADE). MITIGAÇÃO DA VEDAÇÃO PREVISTA NO § 1º DO ARTIGO 42 DO ECA. POSSIBILIDADE. (STJ – 4ª Turma – REsp 1587477 / SC – 10/03/2020).
Na oportunidade, o Ministro Luiz Felipe Salomão reconheceu a importância da vedação legal prevista no artigo 42, §1º, do ECA (Lei n. 8.069/90). Porém, lembrou na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” (art. 5º da LINDB – Decreto-Lei n. 4.657/42 e art. 6º do ECA – Lei n. 8.069/90).
Baseado nisso, de forma excepcional, é possível a adoção de netos pelos seus avós, desde que observados os seguintes requisitos:
i) o pretenso adotando seja menor de 18 anos; ii) os avós (pretensos adotantes) exerçam, com exclusividade, as funções de mãe e pai do neto desde o seu nascimento; iii) parentalidade socioafetiva tenha sido devidamente atestada por estudo psicossocial; iv) o adotando reconheça os – adotantes como seus genitores e seu pai biológico (ou sua mãe biológico) como irmão;v) inexista conflito familiar a respeito da adoção; vi) não se constate perigo de confusão mental e emocional a ser gerada no adotando; vii) não se funde a pretensão de adoção em motivos ilegítimos, a exemplo da predominância de interesses econômicos; e viii) a adoção apresente reais vantagens para o adotando.
CONCLUSÃO: A vedação legal da adoção avoenga (netos por avós) é mitigada quando, no caso concreto, a situação excepcional evidenciar que a proteção integral e o melhor interesse da criança e do adolescente estão garantidos, pois esta foi a finalidade da norma. Para tanto, devem ser observados se os requisitos estão presentes. Este é o entendimento dominante nas 3ª e 4ª Turmas do Superior Tribunal de Justiça.
ATIPICIDADE DO ABORTO NO PRIMEIRO TRIMESTRE DA GESTAÇÃO (STF: HC N. 124.306)
Na ADPF n. 54, Carlos Ayres Britto afirmou “se os homens engravidassem, não tenho dúvida em dizer que seguramente o aborto seria descriminalizado de ponta a ponta”.
Sim, o tema é polêmico, sobretudo em um país místico chamado Brasil. A atipicidade do aborto é tema espinhoso em qualquer grupo social. Todavia, não nos furtaremos de enfrentar o tema.
Historicamente, o direito penal brasileiro protegeu o feto desde a sua fecundação, ao tipificar o aborto entre os artigos 124 a 128 do Código Penal de 1940.
Acontece que em 29 de novembro de 2016, a 1ª Turma do STF afirmou que a criminalização da interrupção da gestação no primeiro trimestre vulnera o núcleo essencial de um conjunto de direitos fundamentais da mulher e portanto, o aborto na fase inicial (primeiro trimestre) seria atípica (HC n. 124.306).
As próximas linhas serão dedicadas apenas a análise jurídica. Tentarei me despir de conceitos e valores religiosos e emocionais, embora estes sejam fundamentais para mim e comentarei os argumentos apresentados pelo Ministro Luis Roberto Barroso, os quais foram acolhidos pelo colegiado, resultando na interpretação conforme a Constituição aos próprios arts. 124 a 126 do Código Penal – que tipificam o crime de aborto – para excluir do seu âmbito de incidência a interrupção voluntária da gestação efetivada no primeiro trimestre.
A CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NA FASE INICIAL COMO VIOLADORA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA MULHER
Os direitos fundamentais são interesses mínimos que devem ser reconhecidos e respeitados pelo Estado para que o ser humano venha gozar de autonomia e manifestar seu valor intrínseco.
Assim, a violação aos direitos fundamentais afronta o próprio reconhecimento ao cidadão de sua dignidade. Dessa forma, uma conduta afirmadora de direitos fundamentais não pode ser proibida e tampouco criminalizada pelo Estado.
No caso do aborto na fase inicial da gravidez, a 1ª turma do STF concluiu que a criminalização é incompatível com os seguintes direitos fundamentai das mulheres:
Os direitos sexuais e reprodutivos. A autonomia da mulher
A autonomia é manifestação da autodeterminação de uma pessoa. A autonomia deve ser garantida em questões básicas, seja na escolha de como controlar seu corpo, como fazer suas decisões de vida.
Neste aspecto, cumpre notar que gravidez e maternidade são fases da vida que mais repercutem existência da mãe do que qualquer outro ser humano.
De mais a mais, cabe à mãe ordenar se sua vida sexual é pelo prazer ou para fins reprodutivos. Não se ignora a coexistência, mas no caso concreto, isso deve ser definido pela mãe, uma vez que ela viverá as maiores consequências.
Por essa razão, a mulher não pode ser obrigada pelo Estado a manter uma gestação indesejada, sob pena de ver afrontada a sua autonomia, uma vez que a gravidez e reprodução devem ser manifestação de sua dignidade e não um ônus imposto pela sociedade.
A integridade física e psíquica da gestante,
A gravidez resulta em mudanças físicas e psíquicas na mulher.
Em muitos casos, tais alterações físicas são motivo de alegria e orgulho para a mulher (confira aí sua rede social de pessoas grávidas e verá fotos expondo a barriga até então nunca vistas). Em outros casos , os riscos e até mesmos efeitos colaterais valem a pena na realização da maternidade. Todavia, se a gestação é inesperada ou decorrente de um acidente, isso tudo pode virar um tormento que repercutirá em consequências até após a gestação.
A integridade psíquica também é afetada. Isso porque a gestação não é uma implicação temporal de 9 meses. A gravidez repercute em uma mudança de vida que exigirá renúncia, dedicação e comprometimento profundo com outro ser para toda a vida. Tal sacerdócio quando desejado e querido é um dom divino. Todavia, se ocorrente em um momento inesperado ou inoportuno acarretará em um padecimento da vida da mãe durante toda a vida que prejudicará inclusive o crescimento saudável da criança.
A igualdade da mulher
A igualdade também é um direito fundamental (Art. 5º da CRFB). No caso em exame, a igualdade somente será observada se mulher e homem forem oportunizadas as mesmas opções de vida.
Se por questões biológicas, apenas a mulher suporta o ônus integral da gravidez, somente haverá igualdade plena se a ela for reconhecido o direito de decidir acerca da sua manutenção ou não da gravidez.
Importante observar que o Código Penal já ancião, editado em uma geração autoritária e machista, considerava a mulher fora do mercado de trabalho, sem acesso à educação, distante de qualquer autodeterminação pelos tabus impostos pela sociedade.
A CRIMINALIZAÇÃO DO ABORTO NA FASE INICIAL COMO VIOLADORA DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
Os estudos clássicos organizam a proporcionalidade em 3(três) subprincípios: (i) adequação; (ii) necessidade e (iii) proporcionalidade em sentido estrito.
Veremos a relação entre os subprincípios da proporcionalidade e a (des)criminalização do aborto na fase inicial:
Adequação – A criminalização do aborto não é capaz de evitar a interrupção da gestação e, logo, é medida de duvidosa adequação para a tutela da vida do feto. Prova disso é que Estudo do Guttmacher Institute e da Organização Mundial da Saúde (OMS) demonstra que a criminalização não produz impacto relevante sobre o número de abortos (Gilda Sedgh et al., Abortion incidence between 1990 and 2014: global, regional, and subregional levels and trends, The Lancet, vol. 388, iss. 10041, 2016 citado no Voto-Vista do Ministro Barroso no Habeas Corpus em comento).
Ao contrário, enquanto a taxa anual de abortos em países onde o procedimento pode ser realizado legalmente é de 34 a cada 1 mil mulheres em idade reprodutiva, nos países em que o aborto é criminalizado, a taxa sobe para 37 a cada 1 mil mulheres E estima-se que 56 milhões de abortos voluntários tenham ocorrido por ano no mundo apenas entre 2010 e 2014.
Logo, é ledo engano imaginar que o aborto é impedido pela tipificação penal.
Necessidade – Quanto à necessidade, é imperioso relembrar o caráter subsidiário do Direito Penal, uma vez que este somente atua quando todos os outros ramos fracassaram no sentido de evitar tal conduta violadora do bem jurídico.
Ora, o Direito Penal somente deve ser aplicado para criminalizar a conduta do aborto nesta fase inicial da gravidez, quando outros meios fracassaram ou são ineficazes.
No caso brasileiro, observa-se que o comportamento abortivo surge porque: (i) as mães não possuem informação adequada acerca dos meios contraceptivos; (ii) as mães não possuem condições de exercer a maternidade pela mudança imediata e brusca de vida.
Como resolver isso?
Com o objetivo de evitar o primeiro problema, a educação sexual e sobre a gravidez deve ser democratizada. Isso consiste em distribuição de meios contraceptivos e instituição de programas de planejamento familiar.
Em relação aos “medos” da maternidade, o caminho passa pelo fortalecimento de uma rede de apoio com creches, educação emocional sobre a maternidade, apoio psicológico e assistência social.
Como se observa, o Estado é silente e omisso em todas essas políticas, apenas apresentando como resposta para o problema o Direito Penal, o qual deveria ser utilizado apenas se tais meios fracassassem, em razão da intervenção mínima.
Em suma, na realidade atual criminalizar a conduta abortiva no primeiro trimestre é desnecessária.
Proporcionalidade em sentido estrito – Inicialmente, o direito à vida do nascituro varia de acordo com o estágio de seu desenvolvimento na gestação. Decerto, o grau de proteção constitucional ao feto é, assim, ampliado na medida em que a gestação avança e que o feto adquire viabilidade extrauterina, adquirindo progressivamente maior peso concreto.
Todavia, é necessário entender que estamos diante de 02 (dois) interesses. A proteção da mulher e a proteção do feto. As razões pelas quais a mulher deve ser protegidas já foram consignadas anteriormente (proteção à autonomia e diversos direitos fundamentais) e assim, percebeu-se que a criminalização contraria toda a proteção feminina.
Por sua vez, na ponderação entre o direito da mulher e o direito do feto, é imperiosa a análise se a tipificação penal protege o feto.
A criminalização do aborto na fase inicial repercute em vários custos sociais. Isso porque, a conduta possuindo caráter criminal será mantida de forma clandestina. Assim, o Estado e a sociedade não terão condições de oferecer os cuidados e oportunidades para que a decisão seja livre de qualquer coação ou ignorante, marcada pelo desespero e desequilíbrio/abalo emocional do momento.
Como se vê, a criminalização prejudica ainda mais a proteção que deveria ser dada ao feto, na medida em que as mulheres pobres recorrem a procedimentos abortivos mais traumáticos e sem qualquer amparo estatal, se expondo diante de “medicamentos” e clínicas abortivas (verdadeiros açougues) que violam sua dignidade. .
Por oportuno, as filas de mulheres que buscam diariamente as Defensorias Públicas com o objetivo de buscar o cumprimento do dever alimentar por parte dos pais, homens em sua maioria que, quando não recusam qualquer diálogo para cumprir o sustento das crianças, oferecem misérias para os filhos e orgulhosamente se declaram cumpridores de suas obrigações, enquanto as mulheres abdicam de suas vidas para custearem o crescimento básico de seus filhos, tudo porque foram emocionalmente envolvidas em uma momento de prazer que as castigará por toda a vida. O Estado que criminaliza tais mulheres é o mesmo que nega a efetivação do direito das crianças diariamente a um desenvolvimento saudável, que nega emprego, creche, saúde e educação de qualidade para que as mães e crianças possam “vencer na vida”. Não há absurdo em dizer que tal quadro repercute em maior desigualdade social e criminalidade.
POR QUE “3 MESES”?
A interrupção voluntária da gestação não deve ser criminalizada , pelo menos, durante o primeiro trimestre da gestação. A fixação trimestral decorre da situação física/biológica do feto. Até o terceiro mês, o córtex cerebral – que permite que o feto desenvolva sentimentos e racionalidade – ainda não foi formado, nem há qualquer potencialidade de vida fora do útero materno.
Logo, se o bem jurídico pelo aborto é a vida, esta ainda não existe tecnicamente. A existência física de uma formação, o envolvimento afetivo não é suficiente para que nesta fase o feto seja protegido.
ATIPIDICIDADE DO ABORTO NO MUNDO
A maioria dos países democráticos e desenvolvidos do mundo afasta o caráter criminal da interrupção da gestação durante a fase inicial da gestação como crime (Exemplos: Estados Unidos, Alemanha, Reino Unido, Canadá, França, Itália, Espanha, Portugal, Holanda e Austrália).
Nos EUA, no caso Roe v. Wade (1973), a Suprema Corte afirmou: “o interesse do Estado na proteção da vida pré-natal não supera o direito fundamental da mulher realizar um aborto”. No caso, os EUA consideraram atípica a conduta abortiva até os 6 meses iniciais da gravidez.
Por sua vez, a Corte Suprema de Justiça do Canadá afirmou: “ao impedir que a mulher tome a decisão de interromper a gravidez em todas as suas etapas, o Legislativo teria falhado em estabelecer um standard capaz de equilibrar, de forma justa, os interesses do feto e os direitos da mulher”. (Caso R. v. Morgentaler, 1988).
Em outros países, busca-se equilibrar os direitos da mulher e do feto, tipificando a conduta abortiva apenas quando o feto já esteja mais desenvolvido. Na Alemanha, Bélgica, França, Uruguai e Cidade do México, a interrupção voluntária da gestação não deve ser criminalizada , pelo menos, durante o primeiro trimestre da gestação.
MEU PITACO:
A descriminalização da interrupção da gravidez na fase inicial não se demonstra como incentivo à pratica abortiva, mas reafirmação que o Direito Penal não se presta a promoção da transformação social e que devem existir outros mecanismos para a proteção do feto, da mulher e de uma decisão mais refletida.
É importante esclarecer que os valores cristãos não foram analisados em razão do Direito Penal constitucional se resumir a proteção exclusiva de bens jurídicos, portanto, dissociado de qualquer tarefa de proteger os valores religiosos e morais, malgrado tais princípios serem relevantes na construção de uma sociedade civilizada.
Portanto, não se trata de apologia ou incentivo à disseminação abortiva, mas que os valores oriundos de outros controles sociais (saúde, assistência social e psicológica, fé, igreja, educação e afeto), os quais são mais efetivos devem preceder o controle social formal e opressor do Estado e não esquecidos, lançando-se na conta do direito penal.
ECA: O JUIZ PODE MODIFICAR OS TERMOS DE PROPOSTA DE REMISSÃO PRÉ-PROCESSUAL? (STJ – INFORMATIVO N. 587).
Antes de respondermos a questão respondida no informativo n. 587 do Superior Tribunal de Justiça, vamos revisar algumas noções sobre Remissão.
O Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90 – estabeleceu a figura da REMISSÃO sob duas modalidades
REMISSÃO EXCLUSÃO – Art. 126 do ECA – Concedida pelo Ministério Público. Só é cabível quando ainda não iniciado o procedimento judicial para apuração do ato infracional. A remissão funciona como abdicação do direito-dever de representação. Uma espécie de perdão concedido pelo Ministério Público.
REMISSÃO-SUSPENSÃO ou EXTINÇÃO – Art. 127 do ECA – Competência exclusiva do Poder Judiciário implica, necessariamente, no início do procedimento e tem o condão de suspender ou extinguir o processo, podendo neste caso, aí sim, incluir, eventualmente, a aplicação de medida prevista em lei, com as exceções cogitadas pelo próprio art. 127 do ECA, ou seja, exceto a colocação em regime de semiliberdade e internação.
Note-se, por oportuno, que Luciano Rossato, em sua obra Estatuto da Criança e Adolescente Comentado, classifica a remissão em própria e imprópria. A remissão seria
- Própria quando importa em perdão puro e simples e
- Imprópria quando é acrescentada de medida socioeducativa permitida.
A problemática da aplicabilidade cumulativa de remissão e medida socioeducativa se encontra no fato de o artigo 127, do ECA tratar a remissão de forma genérica, não distinguindo remissão processual de pré-processual. Diz o artigo mencionado que é possível a cumulação de remissão com medida socioeducativa, exceto as privativas de liberdade, quais sejam a colocação em regime de semi-liberdade e a internação.
Parte da doutrina entende ser impossível a cumulação devido ao fato de a súmula nº 108 do Superior Tribunal de Justiça determinar que “a aplicação de medidas socioeducativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é de competência exclusiva do juiz”. Além disso, sustentam que tal prática vai em confronto com princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
A doutrina majoritária, no entanto, é favorável à cumulação de remissão processual com medida socioeducativa, exceto se privativas de liberdade. É dada interpretação distinta à súmula em análise, entendendo que serviu para encerrar discussão anteriormente existente sobre a possibilidade de órgão diverso do Poder Judiciário praticar ato decisório; discussão esta que teve como base a redação do artigo 126 no qual se utiliza o verbo conceder.
A cumulação não ofende os princípios constitucionais acima citados, uma vez que a própria lei faz previsão da exceção à regra da cumulação. Vale lembrar, ainda, que a remissão deve ser aceita pelo adolescente e a proposta deve ser aceita pelo juiz, nos termos do artigo 128 do ECA.
Na jurisprudência, a possibilidade de cumulação de medidas na remissão pre processual é aceita:
SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL – RE 248018/SP: “…A remissão pré-processual concedida pelo Ministério Público, antes mesmo de se iniciar o procedimento no qual seria apurada a responsabilidade, não é incompatível com a imposição de medida socioeducativa de advertência, porquanto não possui este caráter de penalidade. Ademais, a imposição de tal medida não prevalece para fins de antecedentes e não pressupõe a apuração de responsabilidade. Precedente.”
O juiz pode modificar os termos de proposta de remissão pré-processual?
Se o representante do Ministério Público ofereceu a adolescente remissão pré-processual (art. 126, caput, do ECA) cumulada com medida socioeducativa não privativa de liberdade, o juiz, discordando dessa cumulação, não pode excluir do acordo a aplicação da medida socioeducativa e homologar apenas a remissão.
Dispõe o art. 126, caput, da Lei n. 8.069/1990 (ECA) que, antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do MP poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendente às circunstâncias e às consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional. Essa remissão pré-processual é, portanto, atribuição legítima do MP, como titular da representação por ato infracional e diverge daquela prevista no art. 126, parágrafo único, do ECA, dispositivo legal que prevê a concessão da remissão pelo juiz, depois de iniciado o procedimento, como forma de suspensão ou de extinção do processo. Ora, o juiz, que não é parte do acordo, não pode oferecer ou alterar a remissão pré-processual, tendo em vista que é prerrogativa do MP, como titular da representação por ato infracional, a iniciativa de propor a remissão pré-processual como forma de exclusão do processo, a qual, por expressa previsão do art. 127 do ECA, já declarado constitucional pelo STF (RE 248.018, Segunda Turma, DJe 19/6/2008), pode ser cumulada com medidas socioeducativas em meio aberto, as quais não pressupõem a apuração de responsabilidade e não prevalecem para fins de antecedentes, possuindo apenas caráter pedagógico.
A medida aplicada por força da remissão pré-processual pode ser revista, a qualquer tempo, mediante pedido do adolescente, do seu representante legal ou do MP.
Ultrapassado o entendimento que o juiz não pode alterar as clausulas da remissão, o que o juiz pode fazer?
Discordando o juiz dos termos da remissão submetida meramente à homologação, não pode modificar suas condições para decotar condição proposta sem seguir o rito do art. 181, § 2°, do ECA, o qual determina que,
“Discordando, a autoridade judiciária fará remessa dos autos ao Procurador-Geral de Justiça, mediante despacho fundamentado, e este oferecerá representação, designará outro membro do Ministério Público para apresentá-la, ou ratificará o arquivamento ou a remissão, que só então estará a autoridade judiciária obrigada a homologar”.
Como se vê, as medidas socioeducativas em meio aberto, portanto, são passíveis de ser impostas ao adolescente em remissão pré-processual e não pode a autoridade judiciária, no ato da homologação, deixar de seguir o rito do art. 181, § 2°, do ECA e excluí-las do acordo por não concordar integralmente com a proposta do MP.
Havendo discordância, total ou parcial, da remissão, deve ser observado o rito do art. 181, § 2° do ECA, sob pena de suprimir do órgão ministerial, titular da representação por ato infracional, a atribuição de conceder o perdão administrativo como forma de exclusão do processo, faculdade a ele conferida legitimamente pelo art. 126 do ECA.
Baseado no REsp 1.392.888-MS, Rel. Min. Rogerio Schietti, julgado em 30/6/2016, DJe 1/8/2016. (STJ – Informativo n. 587)
REGISTRO DE ATOS INFRACIONAIS NÃO JUSTIFICA PRISÃO PREVENTIVA.
No processo penal, o fato de o suposto autor do crime já ter se envolvido em ato infracional não constitui fundamento idôneo à decretação de prisão preventiva. Isso porque a vida na época da menoridade não pode ser levada em consideração pelo Direito Penal para nenhum fim. Atos infracionais não configuram crimes e, por isso, não é possível considerá-los como maus antecedentes nem como reincidência, até porque fatos ocorridos ainda na adolescência estão acobertados por sigilo e estão sujeitos a medidas judiciais exclusivamente voltadas à proteção do jovem. Por conseguinte, a prática de atos infracionais não serve de lastro para a análise de uma pretensa personalidade voltada à prática de crimes hábil a justificar ameaça a garantia da ordem pública. Portanto, o cometimento de atos infracionais somente terão efeito na apuração de outros atos infracionais, amparando, v.g., a internação (art. 122, II, do ECA), e não a prisão preventiva em processo criminal. HC 338.936-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 17/12/2015, DJe 5/2/2016. (Informativo n. 576)