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A adoção pode ser revogada?

30/ abril / 2021 Deixe um comentário

A adoção é medida excepcional e irrevogável – Art. 29, § 1 o da Lei n. 8069/90. Daí, é preciso fazer uma compressão sobre a razão da irrevogabilidade da adoção. Tal regra existe para proteção do adotado, de forma a evitar que crianças e adolescentes adotados sejam “devolvidos” por mero arrependimento, sem motivos justos ou dissabores dos pais adotivos. Por oportuno, registra-se que o TJ/SP já reconheceu a possibilidade de indenização por danos morais, em razão da mãe adotiva ter “devolvido” a criança à mãe biológica (AP n. 0006658-72.2010.8.26.0266, julgado em 08.04.2014).

Todavia, embora a regra seja a IRREVOGABILIDADE DA ADOÇÃO, esta não é absoluta. Decerto, a adoção será revogada quando verificar-se que a manutenção da adoção não apresenta reais vantagens para o adotado, tampouco é apta a satisfazer os princípios da proteção integral e do melhor interesse da criança e do adolescente.

Importante consignar que a adoção é uma “via de mão dupla”, uma escolha recíproca entre adotando e adotado. OLHA SÓ! Isso não quer dizer que o consentimento mutuo é indispensável, pois pode ser suprimido quando provada a existência de longo período de convivência, relações já consolidadas por lapso fático-temporal.

Logo, é possível a rescisão de sentença concessiva de adoção quando o adotado, à época da adoção, não a desejava ser adotado e de que, após atingir a maioridade, manifestou-se nesse sentido. STJ. 3ª Turma. REsp 1.892.782/PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 06/04/2021 (Info 691).

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É EXIGÍVEL A OUTORGA DO COMPANHEIRO PARA ALIENAÇÃO DE BENS IMÓVEIS E RENÚNCIA DA HERANÇA?

26/ abril / 2021 Deixe um comentário

Em regra geral, a alienação de bens imóveis depende da autorização do cônjuge, salvo quando casados no regime da separação absoluta/total de bens (art. 1.647, I, do Código Civil/CC).

Vale dizer que o mesmo entendimento se estende a renúncia da herança. Isso porque, nos termos do artigo 80, II, do CC, o direito à sucessão aberta é considerado bem imóvel para efeitos legais. Decerto, é imprescindível a autorização do outro cônjuge para que o herdeiro renuncie à herança.

Compreendido que alienação de bens imóveis e renúncia de herança dependem de autorização do outro cônjuge (salvo no regime da separação total de bens), questiona-se: É necessária a outorga do companheiro para alienação de bens imóveis e renúncia da herança?

SE LIGA! O simples registro da união estável não torna necessário o consentimento – RESP n. 1.299.866/DF.

A necessidade de outorga uxória somente é necessária quando for de conhecimento notório ou do terceiro – RESP N. 1.424.275-MT.

DIREITO CIVIL. ALIENAÇÃO, SEM CONSENTIMENTO DO COMPANHEIRO, DE BEM IMÓVEL ADQUIRIDO NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO ESTÁVEL. A invalidação da alienação de imóvel comum, fundada na falta de consentimento do companheiro, dependerá da publicidade conferida à união estável, mediante a averbação de contrato de convivência ou da decisão declaratória da existência de união estável no Ofício do Registro de Imóveis em que cadastrados os bens comuns, ou da demonstração de má-fé do adquirente. REsp 1.424.275-MT, Rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, julgado em 4/12/2014, DJe 16/12/2014. (STJ – Informativo n. 554).

Como se vê, embora sejam arranjos familiares protegidos constitucionalmente no mesmo nível hierárquico, não se pode restringir a liberdade patrimonial privada sem previsão legal. A limitação de disposição dos bens imóveis só foi prevista ao cônjuge, de sorte que não se deve promover interpretação ampliativa de normas restritivas. Logo, o companheiro somente precisará da autorização do outro quando esta relação convivencial for de conhecimento notório ou do terceiro adquirente.

MEU PITACO: O companheiro que deseja autorizar a alienação dos bens imóveis deve averbar no registro de imóvel a existência da união estável. Assim, o adquirente não poderá alegar desconhecimento da união estável de quem alienou o bem imóvel.

Categorias:Famílias, Sucessões

A partir de quando deve ser paga a indenização do seguro de vida do ausente?

21/ abril / 2021 Deixe um comentário

O processo de ausência e morte presumida é trifásico e escalonado:

1) DECLARAÇÃO DE AUSÊNCIA – tão logo alguém desapareça sem nomear curador – art. 22 do Código Civil;

2) SUCESSÃO PROVISÓRIA – 1 ano após a sentença que declarou ausência – art. 26 do Código Civil;

3) SUCESSÃO DEFINITIVA – 10 anos após a sentença que determinou a sucessão provisória – art. 37 do Código Civil .  

Superada a compreensão do processo de declaração de ausência e morte presumida, percebe-se que a morte presumida só pode ser na abertura da sucessão definitiva, a qual é decretada (dez) 10 anos após o trânsito em julgado da sucessão provisória, que ocorre 1 (um) ano após a declaração de ausência (procedimento trifásico). 

Logo, alienação de bens do falecido, dissolução do casamento, tributação de causa mortis e indenização por seguro de vida só ocorre 10 anos após a sucessão provisória (na sentença de declaração de morte presumida e abertura da sucessão definitiva). Em suma, a declaração de ausência plena só ocorre na sucessão definitiva (no mínimo 11 (onze) anos após), ocasião em que surge o dever de indenização ao beneficiário decorrente morte do titular do seguro de vida.

OLHA SÓ 1! Embora a regra geral diga que a alienação de bens só possa ocorrer na sucessão definitiva (morte presumida), excepcionalmente é possível a alienação de bens de bens durante a sucessão provisória, para evitar a ruína, por exemplo. Todavia, neste momento é indispensável autorização judicial precedida dos interessados e do do Ministério Público – art. 29 a 31, 1750 e 1.774 do Código Civil.

OLHA SÓ 2! O cônjuge do ausente somente é declarado viúvo na sentença de abertura da sucessão definitiva (isso mesmo, no mínimo, 11 anos após o desaparecimento). O que fazer para casar antes desse prazo? Ação de Divórcio, com pedido de citação via edital, uma vez que o divórcio é direito potestativo.

A competência para declaração de ausência é da justiça estadual (vara de família ou sucessões), ainda que a finalidade seja previdenciária, até mesmo do INSS – CC n. 13229/RJ e CC n. 16067/RJ

SE LIGA! A indenização do seguro de vida não obedece a ordem de vocação hereditária prevista no artigo 1829 do Código Civil. Assim, a indenização pertence ao beneficiário previsto no contrato do seguro (apólice). Caso o beneficiário já tenha morrido no momento do falecimento do titular do seguro de vida (caducidade) ou não haja indicação de beneficiários, o valor do seguro será dividido entre metade para cônjuge/companheiro e a outra metade para os herdeiros – STJ: Resp n. 1.767.972/RJ, julgado em 24.11.2020. DICA TRIBUTÁRIA! A indenização decorrente do seguro de vida é direito próprio. Logo, não há transmissão patrimonial, nem incidência tributária, diferente do que há na sucessão de corrente da morte (inclusive nos casos de morte presumida) em que há transmissão patrimonial e incidência tributária (STF –  Súmula n. 331).

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A abertura de inventário implica em aceitação da herança?

20/ abril / 2021 Deixe um comentário

A herança é um direito fundamental (Art. 5º, XXX, da CRFB). Sendo direito, cabe ao herdeiro decidir se aceita ou não a herança.

Embora a herança seja transmitida no momento da abertura da sucessão (morte do autor da herança), é indispensável que o herdeiro tenha a oportunidade de aceitar ou renunciar a herança (“INVITO NON DATUR BENEFICIUM” = “A quem não quer, não se dar o benefício.”

A aceitação da herança é o ato jurídico unilateral pelo qual o herdeiro (legítimo ou testamentário) manifesta livremente, confirma a sua vontade de receber a herança (Art. 1804 do CC).

A vantagem da aceitação para confirmar a aceitação da herança protege o patrimônio do herdeiro, para que este não seja obrigado a pagar dívidas. Assim, o credor do falecido deverá buscar o inventário, o espólio para receber seus créditos, conforme dispõe o art. 1792 do Código Civil (O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.

A ACEITAÇÃO DA HERANÇA pode ser expressa, tácita ou presumida:

A aceitação será EXPRESSA quando manifesta por um ato escrito do interessado, por instrumento público ou particular – Art. 1805, 1ª parte, do Còdigo Civil.

Por sua vez, a aceitação é PRESUMIDA diante do silêncio do interessado, após a citação em uma actio interrogatoria (ou mera interpelação judicial) – após 30 dias de ser notificado se aceita ou não a herança (geralmente quem notifica é o credor ou outro herdeiro) – art. 1807 do CC.

Por fim, a aceitação é TÁCITA quando o herdeiro pratica algum comportamento a subentender a aceitação – “atos próprios de herdeiro”. A doutrina já cita como aceitação tácita, a cessão de direitos hereditários feita pelo herdeiro.

SE LIGA! Nem todo ato do herdeiro relacionado ao falecido ou ao patrimônio deixado caracteriza ato próprio de herdeiro (aceitação tácita). O artigo 1805,§1º e §2º, do Código Civil: Não exprimem aceitação de herança os atos oficiosos, como o funeral do finado, os meramente conservatórios, ou os de administração e guarda provisória;  Não importa igualmente aceitação a cessão gratuita, pura e simples, da herança, aos demais co-herdeiros.

A abertura de inventário implica em aceitação tácita da herança?

Questão curiosa é a abertura do inventário feita pelo herdeiro. A doutrina clássica (Maria Helena Dniz, Silvio Rodrigues, Washinton Monteiro de Barros, entre outros) afirmavam que a contratação de advogado, a abertura do inventário não seria um ato próprio de herdeiro.

Contudo, o Superior Tribunal de Justiça entende que a abertura de inventário pelo advogado com poderes outorgados pelo herdeiro já implica em aceitação tácita da herança (portanto, impossível renúncia após o início do inventário pelo herdeiro que procedeu a abertura).

Confira  o julgado: STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 1.622.331 – SP – DIREITO CIVIL. SUCESSÕES. HERANÇA. ACEITAÇÃO TÁCITA. ART. 1.804 DO CÓDIGO CIVIL. ABERTURA DE INVENTÁRIO. ARROLAMENTO DE BENS. RENÚNCIA POSTERIOR. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 1.809 E 1.812 DO CÓDIGO CIVIL. ATO IRRETRATÁVEL E IRREVOGÁVEL. 1. A aceitação da herança, expressa ou tácita, torna definitiva a qualidade de herdeiro, constituindo ato irrevogável e irretratável. 2. Não há falar em renúncia à herança pelos herdeiros quando o falecido, titular do direito, a aceita em vida, especialmente quando se tratar de ato praticado depois da morte do autor da herança. 3. O pedido de abertura de inventário e o arrolamento de bens, com a regularização processual por meio de nomeação de advogado, implicam a aceitação tácita da herança.  08/11/2016 (Data do Julgamento)

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Em alguma situação, o herdeiro é obrigado a aceitar a herança?

18/ abril / 2021 Deixe um comentário

A herança é um direito fundamental (Art. 5º, XXX, da CRFB). Sendo direito, cabe ao herdeiro decidir se aceita ou não a herança.

Embora a herança seja transmitida no momento da abertura da sucessão (morte do autor da herança), é indispensável que o herdeiro tenha a oportunidade de aceitar ou renunciar a herança (“INVITO NON DATUR BENEFICIUM” = A quem não quer, não se dar o benefício.”

A aceitação da herança é o ato jurídico unilateral pelo qual o herdeiro (legítimo ou testamentário) manifesta livremente, confirma a sua vontade de receber a herança (Art. 1804 do CC).

A vantagem da aceitação para confirmar a aceitação da herança protege o patrimônio do herdeiro, para que este não seja obrigado a pagar dívidas. Assim, o credor do falecido deverá buscar o inventário, o espólio para receber seus créditos, conforme dispõe o art. 1792 do Código Civil (O herdeiro não responde por encargos superiores às forças da herança; incumbe-lhe, porém, a prova do excesso, salvo se houver inventário que a escuse, demostrando o valor dos bens herdados.

Um detalhe tributário prático: Nos termos da Súmula 590 do STF, “calcula-se o imposto de transmissão causa mortis sobre o saldo credor da promessa de compra e venda de imóvel, no momento da abertura da sucessão do promitente vendedor”. Em outras palavras, o valor da causa no inventário e dos tributos não terá como referência todo o patrimônio deixado pelo falecido, mas apenas o valor resultante do saldo do patrimônio deixado subtraídas as dívidas.

A ACEITAÇÃO DA HERANÇA pode ser expressa, tácita ou presumida:

EXPRESSA – Ato escrito do interessado, por instrumento público ou particular – Art. 1805, 1ª parte

TÁCITA – Comportamento do interessado, fazendo subentender a aceitação – “benefício do inventário” (mais comum) – conduta, atos próprios de herdeiro. (contratação de advogado para promover abertura de inventário, por exemplo; cessão de direitos hereditários).

PRESUMIDA – Silêncio do interessado, após a citação em uma actio interrogatoria (ou mera interpelação judicial) – após 30 dias de ser notificado se aceita ou não a herança (geralmente quem notifica é o credor ou outro herdeiro) – art. 1807 do CC.

Se o herdeiro morrer antes de aceitar? O direito passa aos sucessores por direito da transmissão – art. 1809 do CC.

Em alguma situação, o herdeiro é obrigado a aceitar a herança? Já está compreendido entre nós que a herança é um direito, portanto pode ser aceita ou renunciada.

Todavia, em um caso específico, a aceitação da herança será obrigatória.

Isso acontece quando um ascendente doa determinado bem para um descendente. O pai pode doar um bem para apenas um dos filhos? SIM, mas tal doação importa em adiantamento da herança (art. 544 do CC).

Como consequência, o descendente que concorre à sucessão do ascendente comum é obrigado, para igualar as legítimas, a conferir o valor das doações que dele em vida recebeu (colação), sob pena de sonegação (art. 2002 do Código Civil).

A colação sempre será obrigatória? NÃO. Quando a doação é da parte disponível (não supera metade dos bens do doador no momento da liberalidade – art. 1789 do CC) e houver dispensa de colação (art. 2002 do CC), não haverá obrigatoriedade de colação.  

Entretanto, é possível que a doação feita pelo falecido supere a parte disponível. Daí, o herdeiro pode querer renunciar a herança, para ficar livre do dever de colacionar, pois não seria herdeiro, sujeito do inventário.

Diante disso, os demais herdeiros sofreriam prejuízo patrimonial, por ausência da colação do bem recebido.

Por tal razão, o Superior Tribunal de Justiça compreende que, malgrado a herança seja um direito fundamental (art. 5º, XXX, da CRFB), nos casos em que o herdeiro tenha recebido bens do falecido sem a dispensa do dever de colação, o herdeiro será obrigado a aceitar a herança e colacionar os bens doados pelo falecido. Confira:

“(…) Direito da autora de ver conferido o valor das doações recebidas pelos seus irmãos que permanece hígido, ainda que se considere prescrita a pretensão de anulação da doação impugnada, uma vez que a colação constitui dever legal imposto ao descendente donatário que se protrai para o momento da abertura da sucessão, nos termos do art. 1.786 e seguintes do Código Civil.” (STJ, Ac. 3ª T., REsp 1605483 / MG, rel. Min. Paulo de Tarso Sanseverino, j. 23.2.21).

SE LIGA! O donatário que não foi dispensado do dever de colação não pode renunciar a herança, pois se assim o fosse, o bem que foi dado não constaria do inventário e o donatário não cumpriria o dever de colação. Malgrado seja um direito fundamental, o herdeiro é obrigado a aceitar a herança quando receber bens doados pelo falecido, pois neste caso é obrigado a colacionar no inventário. Logo, a aceitação da herança será obrigatória.

Categorias:Sucessões

O Senador Jorge Kajuru violou a Constituição e praticou crime ao divulgar gravação telefônica com o Presidente Bolsonaro?

14/ abril / 2021 Deixe um comentário

Em entrevista ao programa Direto ao Ponto (Rádio Jovem Pan), o Deputado Federal Eduardo Bolsonaro (bacharel em Direito) afirmou que o Senador Jorge Kajuru violou o artigo 5º da Constituição e teria praticado crime ao divulgar a conversa ocorrida com o Presidente Jair Bolsonaro, pois o direito à privacidade proíbe divulgação de conversas telefônicas sem autorização judicial.

O deputado Eduardo Bolsonaro tem razão?

Para começo de conversa, precisamos lembrar o que consta no artigo 5º, XII, da CRFB: “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”; (Grifei).

Percebe-se que a Constituição estabelece a inviolabilidade das comunicações. Todavia, como os direitos fundamentais não são absolutos, é possível relativizar tal inviolabilidade.

Porém, SE LIGA! Quanto às comunicações telefônicas, estas podem ser acessadas, mas dependem de autorização judicial (clausula de reserva de jurisdição).

Um parêntese: Clausula de Reserva de Jurisdição equivale a dizer que são situações em que o Judiciário não dá apenas a “ultima palavra”, mas também, a “primeira palavra”. È o que acontece na busca domiciliar (CF, art. 5º, XI), na interceptação telefônica (CF, art. 5º, XII) e na decretação da prisão de qualquer pessoa, salvo prisão em flagrante (CF, art. 5º, LXI).

Daí, ao que parece uma conversa telefônica depende de autorização judicial para acesso e divulgação.

Ocorre que é indispensável compreender o que é a interceptação telefônica. Tal instituto se dá quando todos os envolvidos na conversa telefônica ignoram que um terceiro esteja acompanhando o diálogo. Apenas neste caso, há necessidade de autorização judicial.

E o que ocorre nos outros casos quando alguém envolvido na conversa tem conhecimento da gravação? Neste caso, não há interceptação, pois a gravação é feita por um dos envolvidos (direta ou indiretamente). Nestas circunstâncias, via de regra, não há que se falar em violação à proteção da privacidade, pois quem está gravando sem o conhecimento do outro ou permitindo a gravação é um dos interlocutores que escolheu dispor da sua privacidade. Logo, malgrado o desvio ético, não há que se falar em violação à Constituição nas gravações clandestinas.

Para melhor ilustrar, segue o quadro abaixo:

GRAVAÇÃO PESSOAL:Alguém realiza a gravação com um gravador no bolso ou celular, mas sem o conhecimento do outro. NÃO PRECISA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.  
GRAVAÇÃO CLANDESTINA TELEFÔNICA:A captação se dá em relação à conversa telefônica ou via Skype, WhatsApp etc. NÃO PRECISA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.  
GRAVAÇÃO CLANDESTINA AMBIENTAL:    A conversa é realizada em um ambiente que não o telefone (espaço aberto, repartição pública), sendo captada e gravada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro. NÃO PRECISA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL.  
INTERCEPTAÇÃO TELEFÔNICA:A captação e a gravação da conversa são feitas sem que os interlocutores, nenhum deles, tenha conhecimento. Neste caso, A CONSTITUIÇÃO EXIGE ORDEM JUDICIAL, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer, para fins de investigação criminal ou instrução (art. 5º, XII, da CRFB).  

Cumpre esclarecer que as gravações clandestinas (feita por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro) já foi analisada pelo Supremo Tribunal Federal:

“a gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, quando ausente causa legal de sigilo ou de reserva da conversação não é considerada prova ilícita”. (- AI 578.858-AgR, Rel. Min. Ellen Gracie, j. 04.08.2009, 2.ª T., DJE de 28.08.2009).

“A gravação de conversa telefônica feita por um dos interlocutores, sem conhecimento do outro, quando ausente causa legal de sigilo ou de reserva da conversação não é considerada prova ilícita” (RE 630.944 AgR/ BA, rel. Min. Ayres Britto, 2ª Turma, j. 25-10-2011).

Aliás, em outra oportunidade, o STF admitiu como prova a conversa gravada por um dos interlocutores, ainda que com a ajuda de um repórter (cf. RE 453.562-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 23.09.2008, 2.ª T., DJE de 28.11.2008).

Então, o que seria crime?

Nos termos do artigo 8º da Lei n. 9296/96, o crime ocorre quando há interceptação telefônica ou captação ambiental (sem conhecimento dos envolvidos) sem autorização judicial. Por oportuno, esclareça-se que o artigo 8º-A, parágrafo primeiro dispõe que “ Não há crime se a captação é realizada por um dos interlocutores”

Como se vê, não há que falar em violação à Constituição (art. 5º, XII, da CRFB), tampouco crime quando ocorre a gravação por um dos interlocutores, pois não se encaixa no conceito de interceptação telefônica (realizada por terceiro sem conhecimento dos envolvidos).  Também não é crime, pois não há qualquer tipo penal que considere infração penal tal conduta. Apenas a interceptação telefônica sem autorização judicial é crime (art. 10 da Lei n. 9.296/96).b

NOVIDADE LEGISLATIVA:

Importante lembrar que o Pacote Anticrime (Lei n. 13964/19) incluiu o artigo 8-A na Lei n. 9.296/96 (Lei das Interceptações telefônicas) para também permitir a captação ambiental de sinais eletrogmanéticos (energia), ópticos (imagens) e acústicos (sons).  

Art. 8º-A. Para investigação ou instrução criminal, poderá ser autorizada pelo juiz, a requerimento da autoridade policial ou do Ministério Público, a captação ambiental de sinais eletromagnéticos, ópticos ou acústicos, quando:

I – a prova não puder ser feita por outros meios disponíveis e igualmente eficazes; e   

II – houver elementos probatórios razoáveis de autoria e participação em infrações criminais cujas penas máximas sejam superiores a 4 (quatro) anos ou em infrações penais conexas.

§ 1º O requerimento deverá descrever circunstanciadamente o local e a forma de instalação do dispositivo de captação ambiental.

§ 2º (VETADO).    

§ 3º A captação ambiental não poderá exceder o prazo de 15 (quinze) dias, renovável por decisão judicial por iguais períodos, se comprovada a indispensabilidade do meio de prova e quando presente atividade criminal permanente, habitual ou continuada.        (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

§ 4º (VETADO).

§ 5º Aplicam-se subsidiariamente à captação ambiental as regras previstas na legislação específica para a interceptação telefônica e telemática.

Categorias:Constitucional, Penal

CRIME DE PERSEGUIÇÃO (“stalking”: O novo art. 147-A do Código Penal

Para começo de conversa, a inovação legislativa ganhou o nome nas mídias sociais do crime de stalking.

Daí, questiona-se: O que é Stalking?

Conforme a própria justificativa da proposta legislativa, a expressão “stalking” é uma importação da língua inglesa e refere-se à perseguição obsessiva e insidiosa.

No livro “Stalking e Cyberstalking: Obsessão, Internet, Amedrontamento” a autora Ana Lara Camargo de Castro aponta stalking como o comportamento doloso e habitual, consistente em mais de um ato de atenção indesejada, importunação ou perseguição, capaz de acarretar à vítima violação da intimidade, da privacidade ou temor por sua própria segurança”.

Este comportamento já era relevante para o direito penal? SIM. Tal comportamento consistia na contravenção penal de perturbação à tranquilidade (art. 65 da Lei de Contravenções Penais). Acontece que a pena da infração penal era de 15 dias a 2 meses e multa. Como se vê, o legislador tratava de forma deficiente a proteção a ser dada ao bem jurídico em discussão.

Superadas as linhas iniciais sobre a ideia de “stalking”, passa-se ao exame do crime previsto no artigo 147-A do Código Penal:

Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:

I – contra criança, adolescente ou idoso;

II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;

III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

§ 3º Somente se procede mediante representação.

O delito de “perseguição” – (art. 147-A do Código Penal), pode ser assim analisado:

BEM JURÍDICO PROTEGIDO: Tutela a liberdade do indivíduo, caracterizando-se, a priori, como delito de perigo, vez que se revela como um crime que se não repreendido pode levar para diversos outros delitos.

Não é a mera perseguição que caracterizará o crime, mas aquela capaz de atentar contra a liberdade individual, com o objetivo de ameaçar alguém da prática de um mal injusto e grave tem o condão de perturbar sua paz, de forma a reduzir a faculdade de determinar-se de forma livre.

CONDUTA: É a perseguição persistente, na qual o sujeito ativo pratica, reiteradamente, por qualquer meio, comportamentos ameaçadores sob o aspecto físico ou psicológico, contra alguém, ou ainda condutas invasivas e perturbadoras à esfera da liberdade ou privacidade da vítima. Um alerta deve ser dito no tocante ao “qualquer meio”, pois isso deixa claro que até mensagens virtuais, gestos, palavras e sinais podem ser utilizados com o fim de amedrontar, atentar contra s liberdade de locomoção ou violar a privacidade e intimidade.

SUJEITO ATIVO: Qualquer pessoa. O tipo penal não exige qualquer qualidade especial do agente.

SUJEITO PASSIVO: Qualquer pessoa com discernimento (que possua capacidade de compreensão e de decidir sobre seus próprios atos).

MEIOS DE EXECUÇAÕ:

Perseguir, no sentido do tipo penal, significa importunar, causar constrangimento. O tipo penal contempla três formas de caracterização do delito:

a) ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica: Nesta circunstância, há um tipo especial com relação ao crime de ameaça, previsto no art. 147 do Código Penal, (ameaça + perseguição = reiteração do comportamento) como meio de causar temor físico ou psicológico, sendo, portanto, delito complexo. Muito corriqueiro através de mensagens e redes sociais.

b) restringindo-lhe a liberdade de locomoção: a restrição da locomoção, prevista no tipo penal, não se confunde com a efetiva privação da liberdade da vítima, uma vez que tal comportamento caracteriza o crime de sequestro ou cárcere privado (art. 148 do CP). Somente a perseguição apta a causar restrições à capacidade de locomoção caracteriza o tipo penal.

c) ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade: Talvez essa seja a conduta de perseguição mais praticada nos dais atuais (stalking). Surge a situação daquele que persegue reiteradamente a vítima em seus vários momentos de privacidade (perseguindo em eventos públicos que essa comparece, abordagens perturbadoras. Uma crítica à ser feita está relacionada a expressão “qualquer forma”, pois deixa uma lacuna muito aberta, o que afronta ao princípio da taxatividade.

CRIME HABITUAL: A elementar “reiteradamente” denota ser crime habitual, pois exige a reiteração dos atos por parte do sujeito ativo. Assim, não se consuma o delito com a mera prática de um ato, havendo a necessidade de habitualidade no comportamento a ponto de criar o temor ou perturbação da vítima.

ELEMENTO SUBJETIVO: Crime doloso (dolo direto e eventual) Não há um dolo específico. Não admite a modalidade culposa.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA. O crime se consuma com a reiteração da conduta de perseguir capaz de (i) causar ameaça à integridade física ou psicológica, (ii) restrição à capacidade de locomoção ou, (iii) de qualquer forma, invadir ou perturbar sua esfera de liberdade ou privacidade da vítima.

Tendo em vista ser um crime de perigo, o resultado estará configurado com a efetiva caracterização da perseguição reiterada capaz de causar ameaça à integridade física ou psicológica, restrição à capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadir ou perturbar sua esfera de liberdade ou privacidade.

A tentativa não é possível, pois o tipo penal exige a habitualidade comportamental e consequente reiteração de atos

CAUSAS DE AUMENTO:

O §1º do art. 147-A prevê:

§1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:

I – contra criança, adolescente ou idoso;

II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;

III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

Como se vê, a presença de qualquer causa de aumento levará o crime para pena máxima em abstrato de 3 (três) anos, o que afasta a competência do Juizado Especial Criminal, pois deixa de ser infração de menor potencial ofensivo.

Se ocorrer lesões corporais como decorrência do comportamento do agente, o legislador previu o concurso de crimes (concurso material – art. 69 do CP) para fins de aplicação da pena – Art. 147-A, §2º, do CP.

AÇÃO PENAL: Ação Penal Pública condicionada à representação (Art. 147-A, §3º, do CP).

INSTITUTO DESPENALIZADORES – A pena cominada ao delito permite a aplicação de ambos os benefícios da Lei 9.099/95 (transação penal e suspensão condicional do processo).

E o Acordo de Não-Persecução Penal? Via de regra, cabível a transação penal não há que se falar em acordo de não persecução penal (ANPP) – Art. 28-A, § 2º, inc. I, do CPP. No entanto, incidente a causa de aumento do § 1º e o crime não seja praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, nem consista em perseguição com ameaça direta à integridade da vítima, o ANPP será admissível.

REVOGAÇÃO DO ART. 65 da LCP (Pertubação à tranquilidade) – É possível falar em “abolitio criminis”? O art. 65 da LCP não exigia habitualidade, o que é requisito no novo crime de perseguição. Decerto, nas situações que a infração foi configurada por uma conduta instantânea, ou seja, apenas um ato de molestar alguém ou de perturbar sua tranquilidade deverá ser reconhecida a extinção da punibilidade (art. 107, inc. III, do CP) .

Perfis de stalkers apontados na doutrina (Ana Lara Camargo de Castro – Livro : “Stalking e Cyberstalking: Obsessão, Internet, Amedrontamento”):

REJEITADO –  vem do contexto de ruptura relacional, usualmente erótico-afetiva, mas também familiar ou de amizade. As motivações desse tipo são reconciliação ou retaliação, que se podem apresentar de forma ambivalente, alternando desejo de reatar o relacionamento e ira. É o tipo que se utiliza da maior variedade de práticas persecutórias e emprega todos os métodos de intrusão e assédio. Vale-se de ameaças em mais de 70% dos casos e escalona para agressão em mais de 50% deles. Em classificações de outros autores, podem ser denominados como obsessivos simples, escanteados ou exparceiros. Mas, de toda forma, são os tipos mais comuns, que representam a maioria absoluta dos casos de stalking identificados e nos quais, em regra, incluem-se os stalkers em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher.

RANCOROSO – Surge do sentimento de sentir-se maltratado, injustiçado ou humilhado. E a vítima pode ser completa estranha ou mera conhecida a quem ele atribui o distrato. A motivação inicial costuma ser vingança, posteriormente mantida pela sensação de controle que obtém em incutir medo na vítima. Pode também demonstrar ressentimento em relação à empresa, à autoridade ou ao sistema – forças poderosas e opressoras contra as quais acredita estar reagindo. Em classificações diversas, podem ser denominados como stalkers políticos ou de pauta específica.

CARENTE DE INTIMIDADE – surge de contexto de solidão e falta de autoconfiança. A vítima costuma ser estranha ou mera conhecida com quem o stalker deseja formar vínculo. É comum que sofra de transtorno delirante de erotomania e acredite estar sendo correspondido. Nessa categoria, encontramse aqueles que, em classificações propostas por outros autores, podem ser denominados como de fixação delusória, assediadores de celebridades ou erotomaníacos.

CONQUISTADOR INCOMPETNENTE – É aquele que aparece em contexto de solidão ou lascívia, com foco em vítima estranha ou mera conhecida. Diferencia-se daquele carente de intimidade porque sua motivação não é o estabelecimento de vínculo amoroso e, sim, encontro passageiro ou relação sexual. Costuma assediar por curto período de tempo e quando o comportamento é mantido isso se dá por cegueira ou indiferença ao incômodo causado.

PREDATÓRIO – Surge no contexto de transtorno de preferência sexual (perversão). A motivação costuma ser a gratificação sexual, muitas vezes pelo simples voyeurismo, mas geralmente escalona para estupro, servindo o stalking como instrumento de preparação ou prelúdio para o ataque. O stalker dessa natureza tem prazer na observação sub-reptícia, diferentemente do rancoroso que deseja impor desconforto e medo, o predador muitas vezes não tem qualquer interesse em perturbar a vítima ou alertá-la. Em outras classificações aparece como sádico.”

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