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CRIME DE PERSEGUIÇÃO (“stalking”: O novo art. 147-A do Código Penal

Para começo de conversa, a inovação legislativa ganhou o nome nas mídias sociais do crime de stalking.

Daí, questiona-se: O que é Stalking?

Conforme a própria justificativa da proposta legislativa, a expressão “stalking” é uma importação da língua inglesa e refere-se à perseguição obsessiva e insidiosa.

No livro “Stalking e Cyberstalking: Obsessão, Internet, Amedrontamento” a autora Ana Lara Camargo de Castro aponta stalking como o comportamento doloso e habitual, consistente em mais de um ato de atenção indesejada, importunação ou perseguição, capaz de acarretar à vítima violação da intimidade, da privacidade ou temor por sua própria segurança”.

Este comportamento já era relevante para o direito penal? SIM. Tal comportamento consistia na contravenção penal de perturbação à tranquilidade (art. 65 da Lei de Contravenções Penais). Acontece que a pena da infração penal era de 15 dias a 2 meses e multa. Como se vê, o legislador tratava de forma deficiente a proteção a ser dada ao bem jurídico em discussão.

Superadas as linhas iniciais sobre a ideia de “stalking”, passa-se ao exame do crime previsto no artigo 147-A do Código Penal:

Art. 147-A. Perseguir alguém, reiteradamente e por qualquer meio, ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe a capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade. Pena – reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

§ 1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:

I – contra criança, adolescente ou idoso;

II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;

III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

§ 2º As penas deste artigo são aplicáveis sem prejuízo das correspondentes à violência.

§ 3º Somente se procede mediante representação.

O delito de “perseguição” – (art. 147-A do Código Penal), pode ser assim analisado:

BEM JURÍDICO PROTEGIDO: Tutela a liberdade do indivíduo, caracterizando-se, a priori, como delito de perigo, vez que se revela como um crime que se não repreendido pode levar para diversos outros delitos.

Não é a mera perseguição que caracterizará o crime, mas aquela capaz de atentar contra a liberdade individual, com o objetivo de ameaçar alguém da prática de um mal injusto e grave tem o condão de perturbar sua paz, de forma a reduzir a faculdade de determinar-se de forma livre.

CONDUTA: É a perseguição persistente, na qual o sujeito ativo pratica, reiteradamente, por qualquer meio, comportamentos ameaçadores sob o aspecto físico ou psicológico, contra alguém, ou ainda condutas invasivas e perturbadoras à esfera da liberdade ou privacidade da vítima. Um alerta deve ser dito no tocante ao “qualquer meio”, pois isso deixa claro que até mensagens virtuais, gestos, palavras e sinais podem ser utilizados com o fim de amedrontar, atentar contra s liberdade de locomoção ou violar a privacidade e intimidade.

SUJEITO ATIVO: Qualquer pessoa. O tipo penal não exige qualquer qualidade especial do agente.

SUJEITO PASSIVO: Qualquer pessoa com discernimento (que possua capacidade de compreensão e de decidir sobre seus próprios atos).

MEIOS DE EXECUÇAÕ:

Perseguir, no sentido do tipo penal, significa importunar, causar constrangimento. O tipo penal contempla três formas de caracterização do delito:

a) ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica: Nesta circunstância, há um tipo especial com relação ao crime de ameaça, previsto no art. 147 do Código Penal, (ameaça + perseguição = reiteração do comportamento) como meio de causar temor físico ou psicológico, sendo, portanto, delito complexo. Muito corriqueiro através de mensagens e redes sociais.

b) restringindo-lhe a liberdade de locomoção: a restrição da locomoção, prevista no tipo penal, não se confunde com a efetiva privação da liberdade da vítima, uma vez que tal comportamento caracteriza o crime de sequestro ou cárcere privado (art. 148 do CP). Somente a perseguição apta a causar restrições à capacidade de locomoção caracteriza o tipo penal.

c) ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade: Talvez essa seja a conduta de perseguição mais praticada nos dais atuais (stalking). Surge a situação daquele que persegue reiteradamente a vítima em seus vários momentos de privacidade (perseguindo em eventos públicos que essa comparece, abordagens perturbadoras. Uma crítica à ser feita está relacionada a expressão “qualquer forma”, pois deixa uma lacuna muito aberta, o que afronta ao princípio da taxatividade.

CRIME HABITUAL: A elementar “reiteradamente” denota ser crime habitual, pois exige a reiteração dos atos por parte do sujeito ativo. Assim, não se consuma o delito com a mera prática de um ato, havendo a necessidade de habitualidade no comportamento a ponto de criar o temor ou perturbação da vítima.

ELEMENTO SUBJETIVO: Crime doloso (dolo direto e eventual) Não há um dolo específico. Não admite a modalidade culposa.

CONSUMAÇÃO E TENTATIVA. O crime se consuma com a reiteração da conduta de perseguir capaz de (i) causar ameaça à integridade física ou psicológica, (ii) restrição à capacidade de locomoção ou, (iii) de qualquer forma, invadir ou perturbar sua esfera de liberdade ou privacidade da vítima.

Tendo em vista ser um crime de perigo, o resultado estará configurado com a efetiva caracterização da perseguição reiterada capaz de causar ameaça à integridade física ou psicológica, restrição à capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadir ou perturbar sua esfera de liberdade ou privacidade.

A tentativa não é possível, pois o tipo penal exige a habitualidade comportamental e consequente reiteração de atos

CAUSAS DE AUMENTO:

O §1º do art. 147-A prevê:

§1º A pena é aumentada de metade se o crime é cometido:

I – contra criança, adolescente ou idoso;

II – contra mulher por razões da condição de sexo feminino, nos termos do § 2º-A do art. 121 deste Código;

III – mediante concurso de 2 (duas) ou mais pessoas ou com o emprego de arma.

Como se vê, a presença de qualquer causa de aumento levará o crime para pena máxima em abstrato de 3 (três) anos, o que afasta a competência do Juizado Especial Criminal, pois deixa de ser infração de menor potencial ofensivo.

Se ocorrer lesões corporais como decorrência do comportamento do agente, o legislador previu o concurso de crimes (concurso material – art. 69 do CP) para fins de aplicação da pena – Art. 147-A, §2º, do CP.

AÇÃO PENAL: Ação Penal Pública condicionada à representação (Art. 147-A, §3º, do CP).

INSTITUTO DESPENALIZADORES – A pena cominada ao delito permite a aplicação de ambos os benefícios da Lei 9.099/95 (transação penal e suspensão condicional do processo).

E o Acordo de Não-Persecução Penal? Via de regra, cabível a transação penal não há que se falar em acordo de não persecução penal (ANPP) – Art. 28-A, § 2º, inc. I, do CPP. No entanto, incidente a causa de aumento do § 1º e o crime não seja praticado no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, nem consista em perseguição com ameaça direta à integridade da vítima, o ANPP será admissível.

REVOGAÇÃO DO ART. 65 da LCP (Pertubação à tranquilidade) – É possível falar em “abolitio criminis”? O art. 65 da LCP não exigia habitualidade, o que é requisito no novo crime de perseguição. Decerto, nas situações que a infração foi configurada por uma conduta instantânea, ou seja, apenas um ato de molestar alguém ou de perturbar sua tranquilidade deverá ser reconhecida a extinção da punibilidade (art. 107, inc. III, do CP) .

Perfis de stalkers apontados na doutrina (Ana Lara Camargo de Castro – Livro : “Stalking e Cyberstalking: Obsessão, Internet, Amedrontamento”):

REJEITADO –  vem do contexto de ruptura relacional, usualmente erótico-afetiva, mas também familiar ou de amizade. As motivações desse tipo são reconciliação ou retaliação, que se podem apresentar de forma ambivalente, alternando desejo de reatar o relacionamento e ira. É o tipo que se utiliza da maior variedade de práticas persecutórias e emprega todos os métodos de intrusão e assédio. Vale-se de ameaças em mais de 70% dos casos e escalona para agressão em mais de 50% deles. Em classificações de outros autores, podem ser denominados como obsessivos simples, escanteados ou exparceiros. Mas, de toda forma, são os tipos mais comuns, que representam a maioria absoluta dos casos de stalking identificados e nos quais, em regra, incluem-se os stalkers em contexto de violência doméstica e familiar contra a mulher.

RANCOROSO – Surge do sentimento de sentir-se maltratado, injustiçado ou humilhado. E a vítima pode ser completa estranha ou mera conhecida a quem ele atribui o distrato. A motivação inicial costuma ser vingança, posteriormente mantida pela sensação de controle que obtém em incutir medo na vítima. Pode também demonstrar ressentimento em relação à empresa, à autoridade ou ao sistema – forças poderosas e opressoras contra as quais acredita estar reagindo. Em classificações diversas, podem ser denominados como stalkers políticos ou de pauta específica.

CARENTE DE INTIMIDADE – surge de contexto de solidão e falta de autoconfiança. A vítima costuma ser estranha ou mera conhecida com quem o stalker deseja formar vínculo. É comum que sofra de transtorno delirante de erotomania e acredite estar sendo correspondido. Nessa categoria, encontramse aqueles que, em classificações propostas por outros autores, podem ser denominados como de fixação delusória, assediadores de celebridades ou erotomaníacos.

CONQUISTADOR INCOMPETNENTE – É aquele que aparece em contexto de solidão ou lascívia, com foco em vítima estranha ou mera conhecida. Diferencia-se daquele carente de intimidade porque sua motivação não é o estabelecimento de vínculo amoroso e, sim, encontro passageiro ou relação sexual. Costuma assediar por curto período de tempo e quando o comportamento é mantido isso se dá por cegueira ou indiferença ao incômodo causado.

PREDATÓRIO – Surge no contexto de transtorno de preferência sexual (perversão). A motivação costuma ser a gratificação sexual, muitas vezes pelo simples voyeurismo, mas geralmente escalona para estupro, servindo o stalking como instrumento de preparação ou prelúdio para o ataque. O stalker dessa natureza tem prazer na observação sub-reptícia, diferentemente do rancoroso que deseja impor desconforto e medo, o predador muitas vezes não tem qualquer interesse em perturbar a vítima ou alertá-la. Em outras classificações aparece como sádico.”

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