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O contrato de convivência entre companheiros pode ter efeitos retroativos?

31/ agosto / 2021 Deixe um comentário

O contrato de convivência (ou simplesmente “contrato”) é o documento firmado pelos companheiros para regulamentar as questões patrimoniais da união estável.

Cumpre notar que o contrato não é indispensável para reconhecimento da união estável, pois a essência deste arranjo familiar é a informalidade. Para saber mais sobre o contato de convivência da união estável, clique aqui

Feitas as linhas essenciais sobre o contrato celebrado na união estável, surge a pergunta: O contrato de convivência entre companheiros pode ter efeitos retroativos?

Em 2015, o STJ afirmou que não é lícito aos conviventes atribuírem por contrato efeitos retroativos à união estável elegendo regime de bens para a sociedade de fato  – STJ – Recurso Especial n. 1.383.624 – MG (02/06/2015).

No entanto, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina chegou a reconhecer a possibilidade de efeitos retroativos ao contrato de união estável. Confira:

(…) O contrato de convivência pode ser celebrado antes e durante a união estável. Iniciada essa sem convenção do regime patrimonial, o regime de bens incidente, de forma imediata, é o da comunhão parcial (art. 1.725, CC). Realizado pacto intercorrente, esse tem a capacidade de produzir efeitos de ordem patrimonial tanto a partir da sua celebração quanto em relação a momento pretérito à sua assinatura, dependendo de exame o caso concreto. A cláusula que prevê a retroatividade dos efeitos patrimoniais do pacto só deve ser declarada nula quando houver elemento incontestável que demonstre vício de consentimento, quando viole disposição expressa e absoluta de lei ou quando esteja em desconformidade com os princípios e preceitos básicos do direito, gerando enriquecimento sem causa, ensejando fraude contra credores ou trazendo prejuízo diverso a terceiros e outras irregularidades. (Apelação Cível n. 2015.026497-8, Relatora: Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, data da decisão: 18/05/2015, TJ-SC).

Todavia, em Agosto/2021, o Superior Tribunal de Justiça repisou o entendimento:

(…) Conquanto não haja a exigência legal de formalização da união estável como pressuposto de sua existência, é certo que a ausência dessa formalidade poderá gerar consequências aos efeitos patrimoniais da relação mantida pelas partes, sobretudo quanto às matérias que o legislador, subtraindo parte dessa autonomia, entendeu por bem disciplinar. 5- A regra do art. 1.725 do CC/2002 concretiza essa premissa, uma vez que o legislador, como forma de estimular a formalização das relações convivenciais, previu que, embora seja dado aos companheiros o poder de livremente dispor sobre o regime de bens que regerá a união estável, haverá a intervenção estatal impositiva na definição do regime de bens se porventura não houver a disposição, expressa e escrita, dos conviventes acerca da matéria. 6- Em razão da interpretação do art. 1.725 do CC/2002, decorre a conclusão de que não é possível a celebração de escritura pública modificativa do regime de bens da união estável com eficácia retroativa, especialmente porque a ausência de contrato escrito convivencial não pode ser equiparada à ausência de regime de bens na união estável não formalizada, inexistindo lacuna normativa suscetível de ulterior declaração com eficácia retroativa. 7- Em suma, às uniões estáveis não contratualizadas ou contratualizadas sem dispor sobre o regime de bens, aplica-se o regime legal da comunhão parcial de bens do art. 1.725 do CC/2002, não se admitindo que uma escritura pública de reconhecimento de união estável e declaração de incomunicabilidade de patrimônio seja considerada mera declaração de fato pré-existente, a saber, que a incomunicabilidade era algo existente desde o princípio da união estável, porque se trata, em verdade, de inadmissível alteração de regime de bens com eficácia ex tunc. 8- Na hipótese, a união estável mantida entre as partes entre os anos de 1980 e 2015 sempre esteve submetida ao regime normativamente instituído durante sua vigência, seja sob a perspectiva da partilha igualitária mediante comprovação do esforço comum (Súmula 380/STF), seja sob a perspectiva da partilha igualitária com presunção legal de esforço comum (art. 5º, caput, da Lei nº 9.278/96), seja ainda sob a perspectiva de um verdadeiro regime de comunhão parcial de bens semelhante ao adotado no casamento (art. 1.725 do CC/2002). 9- Recurso especial conhecido e parcialmente provido.  (STJ – REsp: 1845416 MS 2019/0150046-0, Relator: Ministra Nancy Andrighi , Data do julgamento:17/08/2021)

Como se vê, segundo o STJ, é impossível reconhecer retroatividade ao contrato de convivência da união estável no tocante à alteração de regime de bens, pois no período anterior vigorou regime de bens diverso, ainda que inexistente contrato, pois no silêncio dos envolvidos, a relação convivencial é regulamentada pelo regime da comunhão parcial de bens, nos termos do artigo 1725 do Código Civil.

Categorias:Famílias

DOUTOR GAMA: É possível aprender no cativeiro

29/ agosto / 2021 Deixe um comentário

É possível aprender no cativeiro.

Luiz Gama viveu há menos de 200 anos. Vendido, escravizado e com todas as situações propícias para que fosse mais uma vítima da sociedade preconceituosa é acostumada a negar direitos.

No entanto, Gama descobriu no conhecimento a oportunidade de mudar sua história. Contrariando regras, aprendeu a ler e a escrever, encontrou Antônio – alguém que decidiu o ajudar, mesmo sabendo que nada receberia em troca (a verdadeira solidariedade).

Daí, Luiz Gama percebeu que aquilo tinha aprendido não serviria apenas para si, mas só faria sentido se fosse utilizado para trazer transformação social, mudança na vida dos outras pessoas.

Ao assistir “Doutor Gama”, somos advertidos que a simples existência da lei não garante a efetivação de direitos, que muitos praticam crimes e atrocidades em nome da “liberdade”, somos inspirados a acreditar que é possível aprender no cativeiro, somos estimulados a conquistar nas adversidades, a mudar a jornada da nossa existência e contribuir para que os outros descubram a esperança de ser livre.

Ousemos ser “Gama” para termos coragem de mudar o rumo da nossa existência. Sejamos “Antônio” para estender a mão a quem quer viver uma nova realidade, quem sonha com dias melhores.

Categorias:Geral, Sétima arte

O filho pode “tirar do registro” o nome do pai ou da mãe?

22/ agosto / 2021 Deixe um comentário

O reconhecimento de filho é um ato jurídico stricto sensu unilateral, cujos efeitos jurídicos decorrem pura e simplesmente de lei. No entanto, a relação paterno-filial envolve aspectos existenciais e patrimoniais.

Destarte, a exigência de consentimento do filho maior, bem como a possibilidade de impugnação é medida protetiva ao ser humano.

Como se percebe, o reconhecimento de filho é um ato unilateral receptício, pois depende da aceitação da outra parte. Isso porque, o ato de reconhecimento é o que predomina nessa hipótese. Assim, o artigo 1.614 do Código Civil exige o consentimento do filho maior para que este seja reconhecido pelo pai interessado. Da mesma forma, possibilita que o filho, após o alcance da maioridade ou emancipação impugne o reconhecimento já feito.  

Quanto ao prazo decadencial assinalado de 04 (quatro) anos, este merece melhor exame. Ora, por envolver questão referente ao estado de pessoas e à dignidade humana, relacionado ao direito à busca da verdade biológica e ao direito fundamental à filiação, não é possível estabelecer termo decadencial ou prescricional à dignidade da pessoa humana.

Obtempere-se, por oportuno, que a possibilidade de impugnação ganha relevo quando não fora desenvolvida parentalidade socioafetiva, posse de estado de filho, nem vínculo de afeto foi formado.

O Superior Tribunal de Justiça não limita a impugnação judicial da paternidade ao prazo de 04 (quatro) anos, restringindo a incidência do lapso temporal para impugnações administrativas. Nessa linha:

“O prazo decadencial de 4 anos estabelecido nos arts. 178, § 9º, inc. VI e 362 do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 1.614 do Código Civil atual) aplica-se apenas aos casos em que se pretende, exclusivamente, desconstituir o reconhecimento de filiação, não tendo incidência nas investigações de paternidade, hipótese dos autos, nas quais a anulação do registro civil constitui mera consequência lógica da procedência do pedido. Precedentes da 2ª Seção” (STJ, Ag. Rg. no REsp 1.259.703/MS, 4.ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 24.02.2015, DJe 27.02.2015).

“O prazo do artigo 1.614 do Código Civil refere-se ao filho que deseja impugnar reconhecimento de paternidade, e não à ação de investigação desta. Ademais, o prazo previsto no artigo supracitado vem sendo mitigado pela jurisprudência desta Corte Superior” (STJ, AgRg no Ag 1.035.876/AP, 3.ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 04.09.2008, DJe 23.09.2008).

Como se vê, a legislação e a jurisprudência reconhecem o direito contemporâneo, o qual homenageia a liberdade e autodeterminação existencial do ser humano, de modo que a ninguém pode ser imposto ter como pai a quem não aceita como o tal, da mesma forma não impõe limite temporal para manifestação de um direito existencial.

Categorias:Famílias