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Qual o regime inicial no Tráfico de Drogas? A gravidade abstrata autoriza regime mais gravoso? (Informativo 821 do STF)

25/ abril / 2016 Deixe um comentário

No informativo 821,  duas decisões reconhecem o cabimento do regime aberto para condenados por tráfico de drogas. O entendimento da inconstitucionalidade da obrigatoriedade do regime inicial fechado já vem se consagrando desde o ano de 2012 – HC 111.840 julgado em 27/06/2012. Assim, o referencial para fixação do regime é o  art. 33, § 2º e § 3º, do Código Penal, não podendo a lei obrigar o inicio de cumprimento no regime fechado.

No primeiro caso, o STF afirmou que sendo respeitado o patamar da pena (4 anos) e sendo as circunstâncias favoráveis, deve ser aplicado o regime aberto. Aliás, além da fixação do regime aberto, deve ser verificada a possibilidade de substiuição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

No segundo caso, além do mesmo raciocínio feito no primeiro caso, a Segunda Turma reafirmou que a gravidade em abstrato (ainda que seja do crime de tráfico de drogas), não é motivação idônea para regime mais gravoso. Nada mais que aplicação do Enunciado 718 da Súmula do STF (A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada).

Tráfico de entorpecentes: fixação do regime e substituição da pena. Não se tratando de réu reincidente, ficando a pena no patamar de quatro anos e sendo as circunstâncias judiciais positivas, cumpre observar o regime aberto e apreciar a possibilidade da substituição da pena privativa de liberdade pela restritiva de direitos. Com esse entendimento, a Primeira Turma, por maioria, concedeu “habeas corpus” de ofício para garantir ao paciente, condenado à pena de um ano e oito meses de reclusão pela prática do delito de tráfico de drogas, a fixação do regime inicial aberto, bem como a substituição da reprimenda por duas penas restritivas de direito, a serem definidas pelo juízo da execução criminal. O Colegiado ressaltou não haver circunstâncias aptas a exasperar a pena. Vencidos os Ministros Rosa Weber (relatora) e Marco Aurélio. Ambos concediam a ordem de oficio, mas para efeitos distintos. A relatora, para determinar que o magistrado de 1º grau procedesse a nova avaliação quanto ao regime inicial de cumprimento da pena e à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos. O Ministro Marco Aurélio, para fixar o cumprimento da pena em regime aberto e reconhecer o direito à substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.
HC 130411/SP, rel. orig. Min. Rosa Weber, red. p/ o acórdão Min. Edson Fachin, 12.4.2016. (HC-130411)

Tráfico de entorpecentes: fixação do regime e substituição da pena.Não sendo o paciente reincidente, nem tendo contra si circunstâncias judiciais desfavoráveis (CP, art. 59), a gravidade em abstrato do crime do art. 33, “caput”, da Lei 11.343/2006, não constitui motivação idônea para justificar a fixação do regime mais gravoso. Com esse entendimento, a Segunda Turma, após superar o óbice do Enunciado 691 da Súmula do STF, concedeu “habeas corpus” de ofício para garantir ao paciente, condenado à pena de um ano e oito meses de reclusão pela prática do delito de tráfico de drogas, a substituição da reprimenda por duas penas restritivas de direitos, a serem estabelecidas pelo juízo das execuções criminais, bem assim a fixação do regime inicial aberto. O Colegiado entendeu que o paciente atende aos requisitos do art. 44 do CP, razão pela qual o juízo deve considerá-los ao estabelecer a reprimenda, de acordo com o princípio constitucional da individualização da pena. HC 133028/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 12.4.2016. (HC-133028)

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A PERSEVERANÇA E OS POÇOS

24/ abril / 2016 1 comentário

A vida nem sempre nos reserva apenas tranquilidade, alegria e facilidades. Na verdade, o sucesso é resultado de muita perseverança, lágrimas e persistência.Em Gênesis 26.1-25 (primeiro livro da Bíblia Sagrada), há o relato sobre Isaque e seus desafios na construção de poços.

Aqui na floresta, não há dificuldades para encontrar água no solo amazônico. Sem muitas dificuldades, encontramos água em pouco mais de 02 (dois) metros (embora não potável) de profundidade, pois o solo é favorável. Por outro lado, no oriente médio, região em que Isaque cavou, os poços eram em terrenos rochosos e tinham 4 metros de diâmetro, enquanto a profundidade variava entre 14 e 19 metros. Como se vê, as dificuldades eram muito maiores.

De mais a mais, Isaque enfrentou outros adversários: a inveja, inimizades e discussões. Isso tudo repercutiu que a cada poço cavado, era um poço entulhado pelos adversários. Assim, o quadro era desmotivante.

Todavia, Isaque teve uma reação diferente. Ao ver as adversidades, preferiu não desistir. Dai, Isaque mudou de espaço e passou a cavar novamente poços.

O resultado da perseverança foi que Isaque encontrou um local espaçoso e Deus o prosperou – “Reobote” (Gn 26.22)

Na nossa vida, nossos sonhos são como cavar poços, razão pela qual não esperemos facilidade. A luta pelo êxito passa por frustrações, incertezas, inimizades, discussões etc, tudo para nos fazer desistir. A luta pela aprovação em um concurso público vai muito além da necessidade do conhecimento jurídico. É indispensável fé e inteligência emocional.

Mas, quando seguimos o exemplo de Isaque e abraçamos a perseverança, a persistência, o sucesso chega, nossas metas se realizam, a disciplina chata e difícil passa a ser compreendida e a aprovação no concurso público acontece.

Não sei qual a adversidade que você encontra “ao cavar o teu poço”, ou quem sabe, você já se sente no “fundo do poço”, seus sonhos já foram abandonados, sua motivação está “entulhada”.

Mas não esqueça de uma coisa: No fundo do poço há água. Quanto maiores o esforço, a perseverança e o sacrifício, a profundidade nos premiará com águas mais puras, como símbolo de conquistas plenas.

Continue! Não Desista! PERSEVERE!

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O QUE É O CRIME “OCO”? O QUE É CRIME DE ENSAIO OU DE EXPERIÊNCIA?

23/ abril / 2016 Deixe um comentário

O crime “oco” é aquele em que não há o bem jurídico ou o processo executivo é totalmente ineficaz.

Na verdade, crime “oco” nada mais é que mais uma expressão do crime impossível (ou quase-crime ou tentativa inidônea ou tentativa inadequada), previsto no artigo 17 do Código Penal: Não se pune a tentativa quando, por ineficácia absoluta do meio ou por absoluta impropriedade do objeto, é impossível consumar-se o crime.

O crime impossível ocorre após a realização do fato verifica-se que ele jamais se consumaria (porque nenhum bem jurídico ingressou efetivamente no raio de incidência da conduta).

TENTATIVA INIDÔNEA e CRIME IMPOSSÍVEL: Tentativa e Crime impossível são institutos diversos. Enquanto na tentativa, o bem jurídico sofre perigo concreto de lesão; No crime impossível, o bem jurídico não entra sequer no raio de ação da conduta praticada (não chega a correr risco). Logo, a literalidade do art. 17 do CP precisa ser bem compreendida, pois a expressão “não se pune a tentativa” está relacionada a tentativa inidônea.

No crime impossível não existe tentativa idônea, só existe uma intenção de consumar um delito (que, posteriormente, se constata que jamais se consumaria). O que se verifica é apenas o desvalor da intenção, não o efetivo e real desvalor da ação (não há uma ação efetivamente perigosa para o bem jurídico, seja porque o meio é ineficaz, seja porque o bem jurídico não existe). Portanto, estamos no artigo 17 do CP, diante da tentativa inidônea

Duas são as hipóteses de crime impossível:

1.Absoluta ineficácia do meio.

Os atos, para serem executórios, como vimos (por força da teoria individual-objetiva), dependem do que foi exteriorizado assim como do plano do autor (qual era o objetivo pretendido e qual foi o meio escolhido). Só se pode falar em tentativa idônea (punível) quando a conduta realizada revela concreta periculosidade para o bem jurídico protegido. Cuidando-se de meio absolutamente ineficaz, não há que se falar em tentativa idônea. Ao contrário, essa é uma situação de tentativa inidônea (ou seja: de crime impossível).

Vamos imaginar algumas situações:

1. Sérgio quer envenenar Helena, mas acaba, por erro, colocando uma pequena quantidade de açúcar em seu café, que não é eficaz nem sequer para afetar a saúde do diabético;

2. Carol quer matar todos os passageiros de um avião e para isso, joga-lhe uma pequena pedra;

A INEFICÁCIA DO MEIO PRECISA SER ABSOLUTA:

Quando o meio escolhido pelo agente é absolutamente ineficaz não há que se falar em atos executórios relevantes, muito menos em tentativa idônea. Para a existência de uma tentativa idônea, como se vê, não basta a intenção do agente (o desvalor da intenção). È necessário que existam atos executórios e, mais do que isso, atos capazes de efetivamente colocar em risco o bem jurídico protegido (desvalor da ação).

HÁ CRIME IMPOSSÍVEL NA INEFICÁCIA RELATIVA DO MEIO?

Quando a ineficácia é relativa, o agente responde normalmente. Exemplo: defeito momentâneo na arma, que impediu qualquer disparo no momento do fato (constatando-se posteriormente o bom funcionamento dela). Foi o acaso que impediu o disparo. Logo, o meio era eficaz. Só não funcionou num determinado momento. Solução penal: nesse caso o agente responde normalmente pelo delito (na forma tentada).

 

2. Impropriedade absoluta do objeto

O que não existe é o bem jurídico visado pelo agente.

Imaginemos que Arthur dispara contra cadáver ou Maria tenta praticar aborto quando não está grávida. São crimes impossíveis.

A impropriedade absoluta do objeto revela que o bem jurídico (desejado, que se pretende atingir) não tem existência real. Logo, não há que se falar em ofensa (ou mesmo em delito).

CUIDADO! No caso do disparo contra cadáver, pode ser que o agente venha a responder por disparo de arma de fogo (se presentes os requisitos do art. 15 da Lei 10.826/2003). Jamais por qualquer delito contra cadáver, porque o agente não tinha ciência disso.

E a Impropriedade relativa do objetivo? Haverá crime. Félix tenta matar Rodolfo, mas este  usava colete de aço. A arma funcionava e o alvo era um ser humano vivo, mas o crime não aconteceu por vontates alheias à vontade de Félix.

Qual a natureza jurídica do crime impossível? São fatos atípicos porque não há afetação concreta do bem jurídico. Portanto, causas de exclusão da tipicidade penal, sem qualquer responsabilidade penal ao agente.

 Crime impossível e furto em locais com sistema de vigilância? É muito comum as lojas, supermercados, lanchonetes possuírem sistema de vigilância eletrônica. Diante da situação, muito se questionou se haveria crime impossível nestes casos.

O Superior Tribunal de Justiça já pacificou e sumulou o entendimento. Nos termos do Enunciado n. 567: SISTEMA DE VIGILÂNCIA REALIZADO POR MONITORAMENTO ELETRÔNICO OU POR EXISTÊNCIA DE SEGURANÇA NO INTERIOR DE ESTABELECIMENTO COMERCIAL, POR SI SÓ, NÃO TORNA IMPOSSÍVEL A CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE FURTO.

Crime impossível e crime de ensaio ou de experiência? CRIME DE ENSAIO OU DE EXPERIÊNCIA é aquele em que tudo não passou de mera encenação. Tudo foi preparado para “prender” o agente em flagrante. Mas, mais que preparado: houve provocação (induzimento). O bem jurídico estava sob controle. Logo, o crime é impossível, em razão das circunstâncias protetivas do bem. Daí, falamos em flagrante preparado.

Nos termos da Súmula 145 do STF, “NÃO HÁ CRIME QUANDO A PREPARAÇÃO DO FLAGRANTE PELA POLÍCIA TORNA IMPOSSÍVEL A SUA CONSUMAÇÃO”.

Isso acontece quando a polícia prepara uma situação de flagrância, induzindo o agente (ardilosamente) a praticar a conduta aparentemente criminosa (provocando-o), não há que se falar em crime porque o bem jurídico está devidamente protegido e fora de risco.

Por derradeiro, atente-se que o mesmo raciocínio é aplicável à preparação de flagrante realizada por particular. Imaginemos o seguinte: O patrão desconfiado de seu empregado, manda-o separar jóias num determinado local que está totalmente vigiado. No momento em que o último se apodera de uma jóia, dá-lhe voz de prisão. Não há crime, porque o patrimônio nunca correu o risco de ser subtraído do dono.

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DIREITO PENAL. VULNERABILIDADE EMOCIONAL E PSICOLÓGICA DA VÍTIMA COMO CIRCUNSTÂNCIA NEGATIVA NA DOSIMETRIA DA PENA.

23/ abril / 2016 Deixe um comentário
 
O fato de o agente ter se aproveitado, para a prática do crime, da situação de vulnerabilidade emocional e psicológica da vítima decorrente da morte de seu filho em razão de erro médico pode constituir motivo idôneo para a valoração negativa de sua culpabilidade. De fato, conforme entendimento do STJ, “é possível a valoração negativa da circunstância judicial da culpabilidade com base em elementos concretos e objetivos, constantes dos autos, que demonstrem que o comportamento da condenada é merecedor de maior reprovabilidade, de maneira a restar caracterizado que a conduta delituosa extrapolou os limites naturais próprios à execução do crime” (AgRg no AREsp 781.997-PE, Sexta Turma, Dje 1º/2/2016). HC 264.459-SP, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 10/3/2016, DJe 16/3/2016.- STJ: Informativo n. 579
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EMBRIAGUEZ AO VOLANTE: Crime de perigo abstrato. Qual a quantidade que posso beber para evitar problemas criminais por conta do bafômetro?

21/ abril / 2016 Deixe um comentário

O STJ reafirmou o entendimento: Atualmente, segundo a Lei n. 12;760/2012,  é desnecessária a comprovação de risco concreto para caracterização do crime de embriaguez ao volante (art. 206 do CTB). Importante ressaltar que a Lei 11.705/2008 (lei vigente à época em que o acusado do julgado foi autuado) já havia retirado a necessidade de perigo concreto.

 “A simples condução de automóvel, em via pública, com a concentração de álcool igual ou superior a 6 dg por litro de sangue, aferida por meio de etilômetro, configura o delito previsto no artigo 306 do CTB”. Obs.: O limite de 6 dg por litro de sangue equivale a 0,3 mg por litro de ar dos pulmões (art. 306, parágrafo primeiro, inciso I, do CTB).

STJ  – 6ª Turma – REsp 1582413, julgado em 08/04/16 – EMENTA: RECURSO ESPECIAL. EMBRIAGUEZ AO VOLANTE. ART. 306 DA LEI N. 9.503/1997. DELITO DE TRÂNSITO PRATICADO APÓS A LEI N.º 11.705/2008 E ANTES DA LEI N.º 12.760/2012. CRIME DE PERIGO ABSTRATO. DESNECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DE POTENCIALIDADE LESIVA NA CONDUTA. CONCENTRAÇÃO DE ÁLCOOL POR LITRO DE SANGUE IGUAL OU SUPERIOR A 6 DG. VERIFICAÇÃO POR BAFÔMETRO. FATO TÍPICO. PRESENTE JUSTA CAUSA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.

1. O Superior Tribunal de Justiça já decidiu, reiteradamente, que o crime do art. 306 do Código de Trânsito, praticado após a alteração procedida pela Lei n. 11.705/2008 e antes do advento da Lei n. 12.760/2012, como na hipótese, é de perigo abstrato [1]. É desnecessária a demonstração da efetiva potencialidade lesiva da conduta e basta, para tanto, a constatação de que o réu conduzia automóvel, em via pública, com a concentração de álcool igual ou superior a 6 dg por litro de sangue, o que equivale a 0,3 mg por litro de ar expelido dos pulmões, aferida por meio de etilômetro.

2. Considerando que o recorrido foi submetido a teste de aparelho de ar  alveolar pulmonar (etilômetro) e que o acórdão recorrido traz indícios concretos de que o réu foi flagrado dirigindo veículo automotor com concentração de álcool igual a 0,41 mg de ar expelido pelos pulmões – valor esse superior ao que a lei permite –, não se pode falar em ausência de justa causa para a persecução penal do crime de embriaguez ao volante.

3. Recurso especial provido para, afastada a atipicidade da conduta do  ecorrido, determinar o prosseguimento da ação penal.

Se há risco de enfrentar o bafômetro, qual a quantidade permitida para não ter problemas criminais?

Por segurança, é melhor não beber nada se houver risco de encarar o bafômetro. Isso porque, “o metabolismo do indivíduo varia de pessoa para pessoa. Uma lata de cerveja pode significar menos de 0,3 miligrama por litro para um, mas para outro pode ser mais”, segundo Ricardo Jacarandá, médico do Hospital Universitário de Brasília (HUB) [2].

De qualquer modo, ainda que algo apareça álcool no teste, sem que chegue a quantidade de 0,3 miligramas por litro, a infração administrativa gravíssima prevista no artigo 165 do CTB estará caracterizada, resultando em: 07 (sete) pontos, na CNH,  suspensão do direito dirigir por 12 (doze) meses e retenção do veículo.

 

NOTAS:

1. Luiz Flávio Gomes discorda do entendimento do STJ. Para ele, o crime de embriaguez deve ser compreendido como crime de perigo concreto, uma vez que a conduta criminosa só inicia quando a embriaguez repercute em uma direção perigosa (zigue-zague, velocidade inadequada, condução na contramão). Disponível em http://www.cartaforense.com.br/conteudo/colunas/embriaguez-ao-volante-nao-basta-o-perigo-presumido/10378 . Acesso em 21/04/2016.

2. Afinal, quanto posso beber pra não ser pego no Bafômetro? Disponível em http://sossolteiros.bol.uol.com.br/afinal-quanto-posso-beber-pra-nao-ser-pego-no-bafometro/ .Acesso em 21/04/2016.

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MOMENTO DA CONSUMAÇÃO: Crimes instantâneos, permanentes, instantâneos de efeitos permanentes e crimes a prazo

21/ abril / 2016 Deixe um comentário

Para melhor organização, lei e doutrina procuram estabelecer diversas classificações de crimes. Quanto ao momento da consumação. a doutrina classificou os crimes nas seguintes espécies:

CRIMES INSTANTÂNEOS OU DE ESTADO:
São aqueles cuja consumação se verifica em um momento determinado, sem continuidade no tempo.
É o caso do furto (CP, art. 155).

CRIMES PERMANENTES:
São aqueles cuja consumação se prolonga no tempo, por vontade do agente. O ordenamento jurídico é agredido reiteradamente, razão pela qual a prisão em flagrante é cabível a qualquer momento, enquanto perdurar a situação de ilicitude. Como decidido pelo Superior Tribunal de Justiça:

Os crimes previstos nos artigos 12 e 16 da Lei n.º 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) são crimes permanentes e, de acordo com o art. 303 do CPP, o estado de flagrância nesse tipo de crime persiste enquanto não cessada a permanência

Os crimes permanentes se subdividem em:

a) NECESSARIAMENTE PERMANENTES: Para a consumação é imprescindível a manutenção da situação contrária ao Direito por tempo juridicamente relevante. É o caso do sequestro (CP, art. 148);

b) EVENTUALMENTE PERMANENTES: em regra são instantâneos, mas, no caso concreto, a situação de ilicitude pode ser prorrogada no tempo pela vontade do agente. Como exemplo pode ser indicado o furto de energia elétrica (CP, art. 155, § 3.º).

Duas consequências importantes do crime permanente:

1. A prisão em flagrante pode acontecer a qualquer momento (art. 303 do CPP) [1] [2]

2. A prescrição só inicia a contar a partir da cessação (art. 111, III, do CP).

CRIMES INSTANTÂNEOS DE EFEITOS PERMANENTES:
São aqueles cujos efeitos subsistem após a consumação, independentemente da vontade do agente.
Exemplos:

1. Bigamia (CP, art. 235)

2. Estelionato previdenciário (CP, art. 171, caput), quando praticado por terceiro não beneficiário

CRIMES A PRAZO:
São aqueles cuja consumação exige a fluência de determinado período.
O clássico exemplo é o crime de lesão corporal de natureza grave em decorrência da incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias (CP, art. 129, § 1.º, I), e do sequestro em que a privação da liberdade dura mais de 15 dias (CP, art. 148, § 1.º, III).

QUAL LEI DEVE SER APLICADA SE, NO DECORRER DA PRÁTICA DE UM CRIME PERMANENTE OU CRIME CONTINUADO, SOBREVÉM LEI MAIS GRAVE? .

Imagine que João priva a liberdade de Leonardo, sem o consentimento da vítima, mediante cárcere privado. Todavia, enquanto acontece o cárcere, ocorre alteração legislativa e a pena do crime passa a ser mais gravosa.  Qual será a pena aplicada contra João?

A nova pena, ainda que mais gravosa, será aplicada contra João. Ora, o crime de sequestro e cárcere privado é permanente, uma vez que o bem jurídico (a liberdade de locomoção) é agredida reiteradamente, razão pela qual, a pena mais grave será aplicada.

Este é o raciocínio do Enunciado 711 da Sùmula do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL:  “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”.

VAMOS IMAGINAR UMA SITUAÇÃO ENVOLVENDO CRIMES PERMANENTES E SUPERVENIÊNCIA DA MAIORIDADE PENAL.
Imagine que “Nelson”, ainda menor de 18 anos de idade, inicia um sequestro, que somente se encerre quando “Nelson” já tenha atingido os 18 anos (portanto, a maioridade penal). Ele será responsabilizado criminalmente?
SIM. “Nelson” poderá ser responsabilizado pelos atos praticados após o início da sua imputabilidade penal.

CUIDADO! Os atos anteriores, todavia, serão  desprezados para fins penais. Se Nelson tivesse torturado a vítima quando ainda tinha 17 anos de idade, tal circunstância não poderá ser utilizada no campo penal, seja como crime autônomo, seja para aumentar a pena, porque são circunstâncias que não são permanentes, como é o crime de sequestro.

MEU PITACO: SE A MÃE SUBMETE O FILHO AO CÁRCERE PRIVADO (DELITO PERMANENTE) PARA IMPEDI-LO DE CONTINUAR USANDO DROGAS?
Inicialmente, tenho dúvidas quanto ao dolo da mãe para caracterizar o crime do artigo 148. Afinal, até que ponto podemos falar que a mãe tinha o objetivo de privar a liberdade? Acredito que sua intenção era proteger a saúde do filho, de forma que a tipicidade material não está preenchida.
Entrementes, caso a tipicidade seja reconhecida, não é possível em nenhuma excludente de ilicitude, sobretudo porque não podemos falar em estado de necessidade (pois existem outros meios de evitar a lesão), não há exercício regular do direito (ninguém tem o direito de privar a liberdade do outro, salvo o Estado), não há legitima defesa (no cenário questionado, o filho não está ameaçando agredir a mãe ou outra pessoa) e, por derradeiro, não há estrito do cumprimento do dever lei (inexiste lei determinando ou autorizando prender dependentes químicos). Assim, a ilicitude também estaria presente.
No entanto, compreendo que pode estar configurada a inexigibilidade de conduta diversa, excluindo assim a culpabilidade da mãe. Ora, o caso concreto pode revelar que a mãe violou a lei penal porque se encontrou em uma situação anormal que não permitiu outra conduta.
Dessa forma, não haveria que se falar em responsabilidade criminal da mãe.

NOIAS:

1. Paulo César de Oliveira critica a possibilidade de prisão em flagrante em crime permanente com invasão de domicílio quando não visualização do crime, isto é, quando a violação decorre de mera suspeita. Ver A Prisão em flagrante nos crimes permanentes – basta seguir o que diz o velho CPP, ou o buraco [constitucional] é mais embaixo?? –por Paulo Cesar de Oliveira. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/a-prisao-em-flagrante-nos-crimes-permanentes-basta-seguir-o-que-diz-o-velho-cpp-ou-o-buraco-constitucional-e-mais-embaixo-por-paulo-cesar/

2. Minha opinião sobre A polícia pode entrar sem mandado judicial no domicílio? Disponível em: http://www.helomnunes.com/2015/11/15/a-policia-pode-entrar-sem-mandado-judicial-no-domicilio/

REFERÊNCIAS:

1. MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Geral. Volume  Editora Método. 8ª Edição. 2014

2. CUNHA. Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Parte geral. Volume 1. Editora Juspodivm. 3ª edição. 2015

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COMPETÊNCIA PARA APURAÇÃO DO CRIME DE ANOTAÇÃO FALSA NA CTPS – Cuidado com a Súmula n. 62 do STJ

20/ abril / 2016 Deixe um comentário

CTPS

É corriqueiro o valor ao estudo jurisprudencial, principalmente quando este envolve entendimentos sumulados, uma vez que há uma ideia de consolidação, pacificação de entendimento. Todavia, o estudo não deve se conformar com o simples conhecimento dos enunciados sumulados. É indispensável que haja uma pesquisa para que se verifique se o entendimento permanece.

No estudo do crime de anotação falsa em Carteira de Trabalho e Previdência Social, vamos perceber que embora exista uma súmula tratando da competência, o entendimento atual é exatamente outro. Vejamos:

A Súmula n. 62 do STJ estabelece que “Compete à justiça Estadual processar e julgar o crime de falsa anotação na Carteira de Trabalho e Previdência Social, atribuído à empresa privada”. (26/11/1992).

Ocorre que, embora o enunciado não tenha sido expressamente revogado,  o entendimento apresentado já foi superado pelo próprio STJ:

CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. PENAL. ART. 297, § 4.º, DO CÓDIGO PENAL. OMISSÃO DE LANÇAMENTO DE REGISTRO. CARTEIRAS DE TRABALHO E PREVIDÊNCIA SOCIAL. INTERESSE DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. JUSTIÇA FEDERAL.

  1. O agente que omite dados na Carteira de Trabalho e Previdência Social, atentando contra interesse da Autarquia Previdenciária, estará incurso nas mesmas sanções do crime de falsificação de documento público, nos termos do § 4.º do art. 297 do Código Penal, sendo a competência da Justiça Federal para processar e julgar o delito, consoante o art. 109, inciso IV, da Constituição Federal. 2. Competência da Justiça Federal

(STJ – CC: 58443 MG 2006/0022840-0, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Julgamento: 27/02/2008,  S3 – TERCEIRA SEÇÃO, Data de Publicação: DJ 26.03.2008 p. 1).

COMPETE À JUSTIÇA FEDERAL – E NÃO À JUSTIÇA ESTADUAL – PROCESSAR E JULGAR O CRIME CARACTERIZADO PELA OMISSÃO DE ANOTAÇÃO DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO NA CTPS (ART. 297, § 4º, DO CP).

A Terceira Seção do STJ modificou o entendimento a respeito da matéria, posicionando-se no sentido de que, no delito tipificado no art. 297, § 4º, do CP – figura típica equiparada à falsificação de documento público –, o sujeito passivo é o Estado e, eventualmente, de forma secundária, o particular – terceiro prejudicado com a omissão das informações –, circunstância que atrai a competência da Justiça Federal, conforme o disposto no art. 109, IV, da CF

(CC 127.706-RS, Terceira Seção, DJe  3/9/2014). Precedente citado: AgRg no CC 131442 RS, Terceira Seção, DJe 19/12/2014) STJ – CC 135200 SP, Rel. originário Min. Nefi Cordeiro, Rel. para acórdão Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 22/10/2014, DJe 2/2/2015.

Importante esclarecer que a mudança de entendimento decorreu da alteração produzida pela Lei n. 9.983/2000, que introduziu os crimes de falsificação destinada à previdência social (art. 297, § 3º e  § 4º, do CP).

Logo, o cenário atual é o seguinte:

  • Se a anotação falsa foi feita para fraudar a Previdência Social, a apuração do crime será da competência da Justiça Federal.
  • Lado outro, caso a anotação falsa tenha sido feita para outros fins (comprovação de experiência profissional exigida para um emprego, por exemplo), a competência será da Justiça Estadual.
Categorias:Processo Penal

O QUE É HIATO CONSTITUCIONAL ?

17/ abril / 2016 Deixe um comentário

O Direito e a sociedade dependem um do outro. Se por um lado, o direito perde sua legitimidade quando deixa de atender às expectativas da sociedade, por outra via, a sociedade não pode viver distante do ordenamento, tudo em atenção ao Estado de Direito.

Daí, a Constituição precisa refletir as vontades sociais. Caso contrário, a Lei maior não passará de uma folha de papel, como disse Ferdinand Lassalle, e acabara decorrendo disso, um descompasso entre o texto rígido constitucional e a realidade social.

Durante o tempo que se situa entre a ruptura constitucional e a reconstitucionalização, vivemos o período designado de hiato constitucional [2], sendo tal como se fosse um divórcio, um choque entre a Constituição Política e a realidade social.

Como recuperar o descompasso entre a Constituição e a realidade? Quais as concsequências do hiato constitucional?

O primeiro caminho é a readaptação do texto constitucional pode ser resolvida por mera reinterpretação do texto (mutação constitucional)[1].

A segunda opção é a realização uma reforma constitucional para readaptá-lo aos anseios da sociedade (Emenda Constitucional e, no passado, Revisão Constitucional).

A terceira via é a convocação de uma nova Assembleia Nacional Constituinte que produzirá um novo Estado Constitucional, nova Constituição com legitimidade social.

Por derradeiro, a quebra poderá dar espaço para o hiato autoritário, o qual consiste em ilegítima outorga constitucional que se manifesta na edição de textos (ilegítimos) como foi, por exemplo, durante o regime militar, o AI-5, textos que buscam suprir o hiato constitucional, mas, por serem ilegítimos, acabam fortalecendo o autoritarismo e comprometem a democracia.

REFERÊNCIAS

[1]A mutação constitucional ocorre quando, sem alterar o texto constitucional, há mudança no sentido e alcance do dispositivo da Constituição para atender às novas exigências sociais. Na verdade, aparentemente nada acontece, o que muda é a interpretação (significado) de determinado dispositivo. Esta espécie de poder constituinte é denominada difusa porque não há um órgão encarregado desta função. A mutação é usualmente atribuída ao Poder Judiciário, porém tanto a sociedade quanto os demais órgãos estatais também podem exercer esta função.

[2] Poder constituinte e revolução: breve introdução à teoria sociológica do direito constitucional, (P. 55) citado por Pedro Lenza na obra Direito Constitucional Esquematizado. 19ª edição. 2016. P. 222

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O QUE É O DIREITO SANCIONADOR JUDICIAL?

17/ abril / 2016 Deixe um comentário

O Direito sancionador judicial se situa entre o Direito penal e o Direito administrativo, ou seja, está fora do Direito penal e do Direito administrativo, mantendo com eles apenas alguns pontos de interconexão.

Não pode ser considerado como instituto do Direito penal porque não se permite a aplicação de pena privativa de liberdade e tais sanções não produzem os efeitos secundários das condenações (antecedentes criminais, reincidência etc.).

De outro modo, o Direito sancionador judicial não está na seara do Direito administrativo porque é realizado pelo Poder Judiciário e não por uma autoridade administrativa.

Entretanto, o Direito sancionador Judicial, embora da competência do Poder Judiciário, não autoriza o uso da pena de prisão, permitindo  apenas uma certa flexibilização das garantias do sistema de imputação, bem como a possibilidade de elaboração de acordos, de transação etc.

O Direito penal e o núcleo básico (o núcleo duro) do sistema punitivo. Classicamente, está baseado que a pena privativa de liberdade somente acontece após o devido processo legal clássico e respeito a todas as garantias penais e processuais.

Por sua vez, o Direito sancionador judicial não se identifica, totalmente, com a ideia do sistema penal de duas velocidades de Silva Sanchez. Isso porque, a segunda velocidade do Direito penal que se caracteriza pela flexibilização das garantias, não perde o caráter “penal”. De outro lado, o Direito sancionador judicial não possui cunho penal (no seu sentido estrito), ou seja, as sanções impostas não valem para efeito de antecedentes criminais, reincidência etc. (e em hipótese alguma podem ser convertidas em prisão).

São exemplos do Direito sancionador judicial

a) a transação “penal” estabelecida no art. 76 da Lei 9.099/95 (prevê sanção alternativa, porem, sem nenhum valor para o efeito de reincidência, antecedentes etc.);

b) a suspensão condicional do processo (cujas condições não possuem caráter penal, tanto assim que, se descumpridas, não implicam em prisão, senão no prosseguimento do processo);

c) a responsabilidade “penal” da pessoa juridica prevista na Lei ambiental (Lei 9.605/97, art. 3o);

Nos 3 (três) casos acima, a decisão judicial não gera efeitos secundários penais, nem pode gerar prisão.

OLHA SÓ!

1. Quanto ao processo de impeachment, embora a apuração dos crimes de responsabilidade (Lei 1.079/50) caracterizem o direito de intervenção, não podem ser considerados direito sancionador judicial (porque não há participação do Poder Judiciário), mas apenas Direito sancionador. Lembremos: Embora decorra de um fato jurídico, o processo de impeachment é um julgamento político.

2. O inadimplemento da pena de multa não gera prisão, pois é divida de valor – art. 51 do Código Penal. Todavia, não pode ser considerado exemplo do Direito sancionador judicial, pois a condenação exclusiva em pena de multa não afasta a reincidência, uma vez que não há qualquer exceção no art. 63 do Código Penal.

 

Para saber mais sobre o tema, confira o artigo Agentes Políticos não estão sujeitos à Lei de Improbidade Administrativa escrito por Alice Bianchini e Luiz Flavio Gomes na obra Leituras Complementares de Direito Administrativo (Editora Juspodivm: 2010)

Categorias:Administrativo, Penal

Contagem de prazo recursal e intimação pessoal (STF: informativo 820)

16/ abril / 2016 Deixe um comentário

Nos casos de intimação pessoal realizada por oficial de justiça, a contagem do prazo para a interposição de recursos ou a eventual certificação de trânsito em julgado começa a partir da juntada aos autos do mandado devidamente cumprido. Com base nesse entendimento, a Segunda Turma, por maioria, proveu agravo regimental para afastar a intempestividade de recurso extraordinário. A Turma afirmou que a contagem do prazo recursal a partir da juntada aos autos do mandado seria uma exigência do art. 241, II do CPC (“Art. 241. Começa a correr o prazo: … II – quando a citação ou intimação for por oficial de justiça, da data de juntada aos autos do mandado cumprido”). Vencido o Ministro Teori Zavascki (relator), que negava provimento ao agravo. Pontuava que a intimação pessoal de que trata o art. 17 da Lei 10.910/2004 não poderia ser confundida com a intimação por oficial de justiça referida no art. 241, II, do CPC. Aquela independeria de mandado ou de intervenção do oficial de justiça, se perfectibilizando por modos variados, previstos no CPC ou na praxe forense, como, por exemplo: mediante a cientificação do intimado pelo próprio escrivão ou pelo chefe de secretaria (CPC, art. 237, I, e art. 238, parte final).
ARE 892732/SP, rel. Min. Teori Zavascki, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 5.4.2016. (ARE-892732)