MOMENTO DA CONSUMAÇÃO: Crimes instantâneos, permanentes, instantâneos de efeitos permanentes e crimes a prazo
Para melhor organização, lei e doutrina procuram estabelecer diversas classificações de crimes. Quanto ao momento da consumação. a doutrina classificou os crimes nas seguintes espécies:
CRIMES INSTANTÂNEOS OU DE ESTADO:
São aqueles cuja consumação se verifica em um momento determinado, sem continuidade no tempo.
É o caso do furto (CP, art. 155).
CRIMES PERMANENTES:
São aqueles cuja consumação se prolonga no tempo, por vontade do agente. O ordenamento jurídico é agredido reiteradamente, razão pela qual a prisão em flagrante é cabível a qualquer momento, enquanto perdurar a situação de ilicitude. Como decidido pelo Superior Tribunal de Justiça:
Os crimes previstos nos artigos 12 e 16 da Lei n.º 10.826/2003 (Estatuto do Desarmamento) são crimes permanentes e, de acordo com o art. 303 do CPP, o estado de flagrância nesse tipo de crime persiste enquanto não cessada a permanência
Os crimes permanentes se subdividem em:
a) NECESSARIAMENTE PERMANENTES: Para a consumação é imprescindível a manutenção da situação contrária ao Direito por tempo juridicamente relevante. É o caso do sequestro (CP, art. 148);
b) EVENTUALMENTE PERMANENTES: em regra são instantâneos, mas, no caso concreto, a situação de ilicitude pode ser prorrogada no tempo pela vontade do agente. Como exemplo pode ser indicado o furto de energia elétrica (CP, art. 155, § 3.º).
Duas consequências importantes do crime permanente:
1. A prisão em flagrante pode acontecer a qualquer momento (art. 303 do CPP) [1] [2]
2. A prescrição só inicia a contar a partir da cessação (art. 111, III, do CP).
CRIMES INSTANTÂNEOS DE EFEITOS PERMANENTES:
São aqueles cujos efeitos subsistem após a consumação, independentemente da vontade do agente.
Exemplos:
1. Bigamia (CP, art. 235)
2. Estelionato previdenciário (CP, art. 171, caput), quando praticado por terceiro não beneficiário
CRIMES A PRAZO:
São aqueles cuja consumação exige a fluência de determinado período.
O clássico exemplo é o crime de lesão corporal de natureza grave em decorrência da incapacidade para as ocupações habituais por mais de 30 dias (CP, art. 129, § 1.º, I), e do sequestro em que a privação da liberdade dura mais de 15 dias (CP, art. 148, § 1.º, III).
QUAL LEI DEVE SER APLICADA SE, NO DECORRER DA PRÁTICA DE UM CRIME PERMANENTE OU CRIME CONTINUADO, SOBREVÉM LEI MAIS GRAVE? .
Imagine que João priva a liberdade de Leonardo, sem o consentimento da vítima, mediante cárcere privado. Todavia, enquanto acontece o cárcere, ocorre alteração legislativa e a pena do crime passa a ser mais gravosa. Qual será a pena aplicada contra João?
A nova pena, ainda que mais gravosa, será aplicada contra João. Ora, o crime de sequestro e cárcere privado é permanente, uma vez que o bem jurídico (a liberdade de locomoção) é agredida reiteradamente, razão pela qual, a pena mais grave será aplicada.
Este é o raciocínio do Enunciado 711 da Sùmula do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”.
VAMOS IMAGINAR UMA SITUAÇÃO ENVOLVENDO CRIMES PERMANENTES E SUPERVENIÊNCIA DA MAIORIDADE PENAL.
Imagine que “Nelson”, ainda menor de 18 anos de idade, inicia um sequestro, que somente se encerre quando “Nelson” já tenha atingido os 18 anos (portanto, a maioridade penal). Ele será responsabilizado criminalmente?
SIM. “Nelson” poderá ser responsabilizado pelos atos praticados após o início da sua imputabilidade penal.
CUIDADO! Os atos anteriores, todavia, serão desprezados para fins penais. Se Nelson tivesse torturado a vítima quando ainda tinha 17 anos de idade, tal circunstância não poderá ser utilizada no campo penal, seja como crime autônomo, seja para aumentar a pena, porque são circunstâncias que não são permanentes, como é o crime de sequestro.
MEU PITACO: SE A MÃE SUBMETE O FILHO AO CÁRCERE PRIVADO (DELITO PERMANENTE) PARA IMPEDI-LO DE CONTINUAR USANDO DROGAS?
Inicialmente, tenho dúvidas quanto ao dolo da mãe para caracterizar o crime do artigo 148. Afinal, até que ponto podemos falar que a mãe tinha o objetivo de privar a liberdade? Acredito que sua intenção era proteger a saúde do filho, de forma que a tipicidade material não está preenchida.
Entrementes, caso a tipicidade seja reconhecida, não é possível em nenhuma excludente de ilicitude, sobretudo porque não podemos falar em estado de necessidade (pois existem outros meios de evitar a lesão), não há exercício regular do direito (ninguém tem o direito de privar a liberdade do outro, salvo o Estado), não há legitima defesa (no cenário questionado, o filho não está ameaçando agredir a mãe ou outra pessoa) e, por derradeiro, não há estrito do cumprimento do dever lei (inexiste lei determinando ou autorizando prender dependentes químicos). Assim, a ilicitude também estaria presente.
No entanto, compreendo que pode estar configurada a inexigibilidade de conduta diversa, excluindo assim a culpabilidade da mãe. Ora, o caso concreto pode revelar que a mãe violou a lei penal porque se encontrou em uma situação anormal que não permitiu outra conduta.
Dessa forma, não haveria que se falar em responsabilidade criminal da mãe.
NOIAS:
1. Paulo César de Oliveira critica a possibilidade de prisão em flagrante em crime permanente com invasão de domicílio quando não visualização do crime, isto é, quando a violação decorre de mera suspeita. Ver A Prisão em flagrante nos crimes permanentes – basta seguir o que diz o velho CPP, ou o buraco [constitucional] é mais embaixo?? –por Paulo Cesar de Oliveira. Disponível em: http://emporiododireito.com.br/a-prisao-em-flagrante-nos-crimes-permanentes-basta-seguir-o-que-diz-o-velho-cpp-ou-o-buraco-constitucional-e-mais-embaixo-por-paulo-cesar/
2. Minha opinião sobre A polícia pode entrar sem mandado judicial no domicílio? Disponível em: http://www.helomnunes.com/2015/11/15/a-policia-pode-entrar-sem-mandado-judicial-no-domicilio/
REFERÊNCIAS:
1. MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Parte Geral. Volume Editora Método. 8ª Edição. 2014
2. CUNHA. Rogério Sanches. Manual de Direito Penal. Parte geral. Volume 1. Editora Juspodivm. 3ª edição. 2015