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Na ação de alimentos, qual situação econômica pessoal é analisada para concessão da gratuidade da justiça?

O direito à gratuidade de justiça é um direito personalíssimo. Logo, as condições da parte (criança, menor) são as referências para a concessão da gratuidade.
Não esqueça que a gratuidade de justiça é baseada em uma presunção decorrente da afirmação da parte, quando esta for uma pessoa natural – Art. 99, §3º, do CPC. Lado outro, nada impede a revogação da gratuidade, caso o réu demonstre, a posteriori, a ausência dos pressupostos legais que justificam a gratuidade. Como se vê, dessa maneira, o acesso à justiça é efetivado e o contraditório é respeitado.
Além disso, o DIREITO MATERIAL deve ser considerado para avaliação da concessão da gratuidade.
Nesse aspecto, não pode existir restrição injustificada ao exercício do direito de ação em que se busque o adimplemento de obrigação de natureza alimentar.
SE LIGA! O fato de a representante legal da parte possuir atividade remunerada e o elevado valor da obrigação alimentar que é objeto da ação (conhecimento/execução) não podem, por si só, servir de fundamento para a negativa da concessão da gratuidade de justiça aos menores credores dos alimentos.
Portanto, a situação econômica da criança é o referencial para a concessão da gratuidade de justiça, a qual decorre da presunção de hipossuficiência que foi declarada pela parte, não podendo levar em consideração a situação econômica da representante legal, pois trata-se de direito individual e personalíssimo. Por fim, é fundamental considerar o direito material discutido (alimentos), de forma que a negativa de gratuidade de justiça não venha incidir em violação ao direito fundamental de acesso à justiça.
MEU PITACO: Embora a discussão tenha se relacionado à gratuidade de justiça, penso que o mesmo raciocínio deve ser aplicado para a análise da assistência jurídica gratuita pela Defensoria Pública.
Ora, embora institutos diversos, os fundamentos para concessão da gratuidade da justiça e assistência jurídica integral são os mesmos: Acesso à justiça, vulnerabilidade, natureza do direito material (alimentar e convivência).
Assim, os direitos fundamentais devem ser interpretações de maneira ampliativa, de forma que a situação da criança e não da representante legal deve ser referenciada. Agir diferente, é negar, suprimir o direito fundamental do acesso à justiça.
Note-se que eventuais abusos ou excessos serão corrigidos por meio do contraditório na Defensoria Pública (assistência jurídica integral) ou no processo judicial (gratuidade da justiça), na medida em que a presunção de hipossuficiência é relativa.
Assim, a análise para concessão da assistência jurídica gratuita DEVE considerar a situação econômica da parte em contejo com o direito material em discussão, sobretudo pelo conceito abrangente da situação da vulnerabilidade.
QUANDO COMEÇA A CONTAR O PRAZO PARA A DEFENSORIA PÚBLICA E PARA O MINISTÉRIO PÚBLICO DAS DECISÕES PROFERIDAS EM AUDIÊNCIA?
Não há dúvidas acerca da existência de correlação entre intimação e contagem de prazos. Entretanto, é necessário compreender que tais institutos são distintos e podem ocorrer em momentos diferentes.
Sobre o assunto, a Lei Orgânica da Defensoria Pública (Lei Complementar n. 80/94), em seus artigos 4º, V; 44, I (Defensores Federais) e 128, I (Defensorias Estaduais), dispõe que a intimação será pessoal, mediante entrega dos autos com vista.
Daí, surgiu questionamento se o regramento seria aplicado nos casos em que a intimação ocorre em audiência. Em outras palavras, a ciência da decisão já inicia a contagem do prazo?
A resposta é negativa. Ora, o espírito da lei ao criar tal prerrogativa está baseado nas inúmeras situações em que a organização institucional prevê que nem sempre aquele membro que participa das audiências é o membro que peticiona nos autos (Tal situação pode ocorrer quando atua em substituição das férias do outro colega, divisão de atribuições). Lembre-se, a prestação da assistência jurídica não é do membro, mas a relação do assistido é com a Defensoria Pública.
Logo, a intimação é insuficiente para permitir ao membro da Defensoria Pública o exercício pleno do contraditório e do consequente direito a impugnar o ato, seja porque o defensor não poderá levar consigo os autos tão logo encerrada a audiência, seja porque não necessariamente será esse mesmo membro que impugnará o ato decisório proferido em audiência
Decerto, AINDA QUE INTIMADO EM AUDIÊNCIA, A CONTAGEM DE PRAZO PARA A DEFENSORIA PÚBLICA SÓ COMEÇA A CONTAR A PARTIR DA ENTREGA DOS AUTOS.
Este foi o entendimento consolidado pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça no Habeas Corpus n. 296.759-RS (Informativo n. 611)
O MESMO RACIOCÍNIO SE APLICA AO MINISTÉRIO PÚBLICO?
De igual modo, o sistema de prerrogativas do Parquet também prevê a prerrogativa da intimação pessoal com vista dos autos (Artigo 18, II, “h” da LC n. 75/93 e Artigo 41, IV da Lei n. 8625/93).
Diga-se, ainda que tal prerrogativa foi estabelecida em consonância com os princípios da unidade (os membros do Ministério Público integram um só órgão sob a direção de um só chefe) e da indivisibilidade (um membro do Ministério Público poderá substituir outro quando tal se fizer necessário, observado o regramento normativo).
Muitas vezes, o Promotor de Justiça presente no ato da audiência não é aquele responsável por impugnar a decisão, acompanhar o processo etc.
Em razão disso, AINDA QUE INTIMADOS EM AUDIÊNCIA, A CONTAGEM DE PRAZO PARA MANIFESTAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO SOMENTE SE INICIARÁ COM A ENTREGA DOS AUTOS.
Este foi o entendimento firmado pela 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça ao examinar o Recurso Especial n. 1.349.935-SE,
SE LIGA!
- A intimação e prazo processual são institutos diversos.
- Intimação é comunicação ou ciência de atos daqueles que figuram no processo
- Prazo processual é o espaço de tempo de que as partes ou terceiros interessados dispõem para a prática válida de atos processuais que darão andamento ao processo.
- Em regra, a intimação do ato e o respectivo prazo processual caminham ligados, uma vez que, em regra, a ciência ou o conhecimento das partes acerca dos atos processuais dispara o início do cômputo do prazo para a prática de novos atos, é possível que o início na contagem do prazo deva ser postergado quando adequado e necessário ao exercício do contraditório pleno.
- É indispensável uma percepção da singularidade que caracteriza e diferencia a atuação da Defensoria Pública e do Ministério Publico, Instituições essenciais à Justiça.
- Defensoria Pública e Ministério Público são regidos, entre outros pelos princípios da unidade e da indivisibilidade.
- O princípio da unidade implica em que os membros integram um só órgão sob a direção de um só chefe
- O princípio da indivisibilidade consiste no fato de um membro substituir outro quando tal se fizer necessário, observado o regramento normativo.
- Ato Decisório proferido em audiência implica em intimação pessoal das partes presentes (defesa e acusação). No entanto, essa intimação NÃO É SUFICIENTE para permitir o exercício pleno do contraditório e do consequente direito a impugnar o ato.
- AINDA QUE INTIMADOS EM AUDIÊNCIA, A CONTAGEM DE PRAZO PARA MANIFESTAÇÃO DA DEFENSORIA PÚBLICA E DO O MINISTÉRIO PÚBLICO SOMENTE SE INICIARÁ COM A ENTREGA DOS AUTOS.
Contagem de prazo recursal e intimação pessoal (STF: informativo 820)
Nos casos de intimação pessoal realizada por oficial de justiça, a contagem do prazo para a interposição de recursos ou a eventual certificação de trânsito em julgado começa a partir da juntada aos autos do mandado devidamente cumprido. Com base nesse entendimento, a Segunda Turma, por maioria, proveu agravo regimental para afastar a intempestividade de recurso extraordinário. A Turma afirmou que a contagem do prazo recursal a partir da juntada aos autos do mandado seria uma exigência do art. 241, II do CPC (“Art. 241. Começa a correr o prazo: … II – quando a citação ou intimação for por oficial de justiça, da data de juntada aos autos do mandado cumprido”). Vencido o Ministro Teori Zavascki (relator), que negava provimento ao agravo. Pontuava que a intimação pessoal de que trata o art. 17 da Lei 10.910/2004 não poderia ser confundida com a intimação por oficial de justiça referida no art. 241, II, do CPC. Aquela independeria de mandado ou de intervenção do oficial de justiça, se perfectibilizando por modos variados, previstos no CPC ou na praxe forense, como, por exemplo: mediante a cientificação do intimado pelo próprio escrivão ou pelo chefe de secretaria (CPC, art. 237, I, e art. 238, parte final).
ARE 892732/SP, rel. Min. Teori Zavascki, red. p/ o acórdão Min. Dias Toffoli, 5.4.2016. (ARE-892732)
Por que o duplo grau de jurisdição não é suficiente no Brasil? Veja como funciona “a farra dos recursos protelatórios”.
STJ – HC 338.718 – Reconhecimento da insignificância ao furto de um pente de R$ 7,95, negado no primeiro e segundo grau do TJ/SP.
Qualquer estudante de terceiro período do curso de Direito sabe que a insignificância alcança o fato noticiado. No entanto, o TJ/SP (primeiro e segundo graus) não aceitou a bagatela e ainda manteve prisão preventiva desde agosto/2015, a qual só foi revista no STJ, em fevereiro/2016. Isso mesmo! prisão preventiva de 6 meses por fato atípico não reconhecido por 1 juiz e 3 desembargadores. .
Por isso, precisamos da presunção da inocência até o trânsito em julgado.. Nossas instâncias ordinárias ainda são frágeis. A mudança de entendimento do STF (HC 126.292) deve gerar uma preocupação maior na hora de qualquer imposição de medida cautelar, especialmente as privativas, jamais uma “carta aberta” para o cárcere. Agir assim, seria leviano com o Estado, com a Sociedade e com o Cidadão, sob o risco do descrédito com a Justiça Penal
O reconhecimento do STJ nunca devolverá os 6 meses de vida e liberdade que foram simplesmente retirados da vida dessa pessoa, que poderia perfeitamente ser advertida a partir de outros instrumentos.
Tudo bem que não conseguiram enxergar insignificância em um fato inferior a um 1% do salário mínimo, mas não conseguiram enxergar também nenhuma medida do artigo 319 do CPP? Muita miopia…
Será que não temos outro meio de corrigir os erros, além da prisão desproporcional? Não tempos outras vias para corrigir as pessoas? Não há dúvidas que a conduta é errada, mas pensar de forma binária (fato normal/crime – liberdade/prisão), tendo o direito penal como primeira resposta não transforma a sociedade.
Se a presunção da inocência até o trânsito em julgado já se foi, pensemos que, pelo menos, é necessário relembrar a importância do Habeas Corpus e não fiquemos dando a simples resposta automática, cega e autoritária: “Não cabe HC substitutivo de recurso.”.
Precisamos que o HC seja visto como remédio, mais do que nunca, sem deixar que nosso orgulho burocrático crie anticorpos que nos impeça de ver ali o bem mais precioso da vida sendo lesionado, a liberdade, Se o remédio não funcionar, a epidemia se alastrará e atingirá os aqui de fora.
Se não fizermos isso, passemos a ser julgados pelas máquinas.
Lamento, (Deus queira que não), mas não me assustarei em saber que o indivíduo voltou a delinquir Afinal, ele acaba de fazer um curso gratuito de 6 (seis) meses na escola do crime e certamente, não recebeu nada ressocializador do Estado.
IMPOSSIBILIDADE DE NOVA DENÚNCIA POR CRIME DIVERSO EM FATO JÁ JULGADO. Aplicabilidade do princípio do ne bis in idem. Respeito à garantia constitucional da coisa julgada
O agente que, numa primeira ação penal, tenha sido condenado pela prática de crime de roubo contra uma instituição bancária não poderá ser, numa segunda ação penal, condenado por crime de roubo supostamente cometido contra o gerente do banco no mesmo contexto fático considerado na primeira ação penal, ainda que a conduta referente a este suposto roubo contra o gerente não tenha sido sequer levada ao conhecimento do juízo da primeira ação penal, vindo à tona somente no segundo processo. De fato, conquanto o suposto roubo contra o gerente do banco não tenha sido sequer levado ao conhecimento do juízo da primeira ação penal, ele se encontra sob o âmbito de incidência do princípio ne bis in idem, na medida em que praticado no mesmo contexto fático da primeira ação. Além disso, do contrário ocorreria violação da garantia constitucional da coisa julgada. Sobre o tema, há entendimento doutrinário no sentido de que “Com o trânsito em julgado da sentença condenatória, o ato adquire a autoridade de coisa julgada, tornando-se imutável tanto no processo em que veio a ser proferida a decisão (coisa julgada formal) quanto em qualquer outro processo onde se pretenda discutir o mesmo fato criminoso objeto da decisão original (coisa julgada material). No direito brasileiro, a sentença condenatória evita se instaure novo processo contra o réu condenado, em razão do mesmo fato, quer para impingir ao sentenciado acusação mais gravosa, quer para aplicar-lhe pena mais elevada”. Portanto, não há se falar, na hipótese em análise, em arquivamento implícito, inadmitido pela doutrina e pela jurisprudência, tendo em vista que não se cuida de fatos diversos, mas sim de um mesmo fato com desdobramentos diversos e apreciáveis ao tempo da instauração da primeira ação penal. Ademais, a doutrina sustenta que “a proibição (ne) de imposição de mais de uma (bis) consequência jurídico-repressiva pela prática dos mesmos fatos (idem) ocorre, ainda, quando o comportamento definido espaço-temporalmente imputado ao acusado não foi trazido por inteiro para apreciação do juízo. Isso porque o objeto do processo é informado pelo princípio da consunção, pelo qual tudo aquilo que poderia ter sido imputado ao acusado, em referência a dada situação histórica e não o foi, jamais poderá vir a sê-lo novamente. E também se orienta pelos princípios da unidade e da indivisibilidade, devendo o caso penal ser conhecido e julgado na sua totalidade – unitária e indivisivelmente – e, mesmo quando não o tenha sido, considerar-se-á irrepetivelmente decidido”. Assim, em Direito Penal, “deve-se reconhecer a prevalência dos princípios do favor rei, favor libertatis e ne bis in idem, de modo a preservar a segurança jurídica que o ordenamento jurídico demanda” (HC 173.397-RS, Sexta Turma, DJe de 17/3/2011). HC 285.589-MG, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 4/8/2015, DJe 17/9/2015. STJ: Informativo 569.
ATENÇÃO: Embora o julgado tenha sido nominado como Direito Penal, deve-se atentar que o conteúdo envolve o Direito Constitucional e o Direito Processual Penal, especialmente os temas Garantias Constitucionais e Coisa Julgada.
Mais uma vez, vale a máxima, “não se separa o estudo do Direito em gavetas”.
A POLÍCIA PODE ENTRAR SEM MANDADO JUDICIAL NO DOMICÍLIO?
Nos termos do artigo 5º, inciso XI, da Constituição da República, “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”
Inicialmente, deve-se compreender que “casa” vai muito além de domicílio, mas pode ser escritório, oficinas, garagens, etc (RT 467/385), ou até quarto de hotéis. [1]
O Supremo Tribunal Federal já enfrentou o significado de “casa”:
STF – RHC: 90376 RJ , Relator: Min. CELSO DE MELLO, Data de Julgamento: 03/04/2007, Segunda Turma, Data de Publicação: DJe-018 DIVULG 17-05-2007 PUBLIC 18-05-2007 DJ 18-05-2007
Para os fins da proteção jurídica a que se refere o art. 5º, XI, da Constituição da República, o conceito normativo de “casa” revela-se abrangente e, por estender-se a qualquer aposento de habitação coletiva, desde que ocupado (CP, art. 150, § 4º, II), compreende, observada essa específica limitação espacial, os quartos de hotel. Doutrina. Precedentes . – Sem que ocorra qualquer das situações excepcionais taxativamente previstas no texto constitucional (art. 5º, XI), nenhum agente público poderá, contra a vontade de quem de direito (“invito domino”), ingressar, durante o dia, sem mandado judicial, em aposento ocupado de habitação coletiva, sob pena de a prova resultante dessa diligência de busca e apreensão reputar-se inadmissível, porque impregnada de ilicitude originária. Doutrina. Precedentes
Ultrapassado o conceito de casa, as exceções para o ingresso sem autorização do morador são os seguintes:
- Determinação judicial: Somente durante o dia
- Em caso de flagrante delito, desastre, ou para prestar o socorro – Durante o dia ou à noite
Sobre o “flagrante delito”, no último dia 05 de novembro, o Supremo Tribunal Federal ao julgar o Recurso Extraordinário (RE) 603616 firmou o seguinte entendimento: “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados” [2].
O que isso quer dizer?
A decisão do STF não tem o condão de promover um “libera geral” para atuação policial, até porque isso, conforme reconhecido pelo Ministro Gilmar Mendes incentivaria os abusos – tanto na tomada de decisão de entrada forçada quanto na execução da medida – como acontecem em comunidades em situação de vulnerabilidade social muitas vezes são vítimas de ingerências arbitrárias por parte de autoridades policiais.
Na verdade, o STF reforçou a garantia constitucional da inviolabilidade do domicilio, deixando claro que a medida posteriormente poderá ser avaliada, e, caso abusos sejam comprovados, a medida poderá ser declarada nula, bem como os agentes serão responsabilizados.
Então, é possível entrar no domicilio sem autorização dos moradores e sem mandado judicial? Excepcionalmente, sim. Porém, a atitude deve está amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, que exija ação imediata policial, que não permita postergação.
Permitir a atuação desmedida, sem cautelas da atuação policial, seria atentar contra a própria cláusula de reserva de jurisdição, como bem indagado pelo Ministro Marco Aurélio: “O próprio juiz só pode determinar a busca e apreensão durante o dia, mas o policial então pode – a partir da capacidade intuitiva que tenha ou de uma indicação –, ao invés de recorrer à autoridade judiciária, simplesmente arrombar a casa?”,
Didaticamente, Rômulo de Andrade Moreira e Alexandre Morais da Rosa explicam a tese do Supremo Tribunal Federal de seguinte forma [3]: “ A redação da decisão deixou a desejar, mas o sentido democrático é de que o art. 5º da CR está em: a) chegou à casa, não há flagrante posto, descabe adentrar; b) chegou na casa e imaginou que há flagrante, cerca a casa e pede mandado ao Juiz de Plantão, se for o caso; c) entrou sem flagrante posto, responde por abuso de autoridade e contamina a prova.”
Portanto, a inviolabilidade do domicilio esta reforçada, não sendo suficiente que seja o flagrante de um crime permanente (depósito ou porte de drogas, extorsão mediante sequestro e cárcere privado, por exemplo), mas que a situação exija uma atuação imediata que depois será avaliada pelo juiz. Fora disso, o mandado judicial deve ser requerido, sob pena de nulidade da medida e responsabilidade dos agentes.
[1] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 19ª edição. 2015. Página 1183.
[2] Supremo define limites para entrada da polícia em domicílio sem autorização judicial http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=303364 . Acesso em 15.11.2015.
[3] O STF autorizou entrar na casa sem mandado? A resposta é não! Disponível em: http://emporiododireito.com.br/o-stf-autorizou-entrar-na-casa-sem-mandado-a-resposta-e-nao-por-romulo-de-andrade-moreira-e-alexandre-morais-da-rosa/ Acesso em 15.11.2015.
INDICAÇÃO DO ROL DE TESTEMUNHAS EM MOMENTO POSTERIOR. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO
RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL PENAL. INDICAÇÃO DO ROL DE TESTEMUNHAS EM MOMENTO POSTERIOR. PEDIDO TEMPESTIVO. INEXISTÊNCIA DE PRECLUSÃO E VIOLAÇÃO DO CONTRADITÓRIO. DEFERIMENTO MOTIVADO. PRINCÍPIO DA VERDADE REAL.
1. No processo penal da competência do Tribunal do Júri, o momento adequado para o acusado alegar tudo que interessa a defesa, com a indicação das provas que pretende produzir, a juntada de documentos e a apresentação do rol de testemunhas é a defesa prévia, nos termos do artigo 406, §3º do Código de Processo Penal.
2. Não há preclusão se a parte, no momento da apresentação da defesa prévia, formula pedido de indicação de rol de testemunhas a posteriori; tampouco há violação do contraditório se o magistrado defere o pedido em busca da verdade real e diante da impossibilidade do contato do defensor público com o acusado.
3. Recurso improvido.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.443.533 – RS (2014/0065295-8). RELATORA : MINISTRA MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA. Julgado em 23/06/2015. Publicado em 03/08/2015.
Um grito amazonês pelo fim do Apartheid linguístico
Por Maurilio Casas Maia – Defensor Público Estadual (DP-AM) e professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Estado do Amazonas
Sérgio Freire – doutor em Linguística pela Unicamp-SP –, lançou há alguns anos o livro “Amazonês: expressões e termos usados no Amazonas”. O livro é um resgate da linguagem popular amazonense, conhecida como “amazonês”. Foi um trabalho árduo para a coleta de cerca de 1.110 verbetes.
Nessa mesma toada, sobreveio em 28 de novembro de 2012, o projeto de Lei Ordinária nº. 341/2012*, de autoria do deputado Wanderley Dallas (AM), projeto esse hoje causador de polêmica por conta da exposição, enquanto patrimônio cultural de natureza imaterial, de cerca de 1.000 verbetes populares tipicamente amazonenses – dentre os quais alguns termos que, na linguagem do cotidiano amazônico, podem designar sexo, partes íntimas e outras palavras reveladoras de intimidades. Foi o bastante para que algumas alas da sociedade criticasse o projeto por oficializar linguagem “chula”.
Nesse ponto, pede-se a licença para iniciar uma breve analogia entre a missão do polêmico projeto de lei e o atuar defensorial. Isso porque a Defensoria Pública é instituição, assim como o projeto ora comentado, muitas vezes mal compreendida pela sociedade (sem sentido amplo) por suas atuações em prol da população vulnerável e necessitada.
A Defensoria Pública, cuja origem remota pode ser vista Tribuna da Plebe da República Romana – como bem recordou Anderson Silva da Costa, professor e analista (TJ-AM) –, é hoje por alguns estudiosos chamada de “amicus communitas” (Daniel Gerhard – UFAM) e “custos vulnerabilis” (Maia) “et plebis” (Camilo Zufelato – USP). A missão defensorial é, antes de tudo, garantir que a “voz” dos excluídos seja ouvida, valorizada e dignificada. Trata-se de inclusão democrática.
Nesse sentido, destaca-se que o projeto de lei n. 341/2012 (ALEAM) – afinado com a Lei Federal n. 12.343/2010 (“Institui o Plano Nacional de Cultura – PNC”) –, tem por finalidade proporcionar o reconhecimento da linguagem popular amazonense, representando isso uma medida de inclusão social (e cultural), desafiadora do preconceito e do “Apartheid linguístico” que sofrem camadas não prestigiadas da sociedade, mais vulneráveis à exclusão do jogo democrático. Portanto, o projeto de lei está à altura dos antigos tribunos da plebe, cujo atuar incomodava as elites da época, mas tudo no afã de garantir inclusão social aos plebeus. O PL é digno da visão dos guardiões dos vulneráveis e do povo necessitado de igualdade cultural. Repudiar o projeto é, assim, menosprezar as raízes da população amazonense, principalmente os pobres.
O projeto comentado é oportunidade e estopim para a oficialização dos estudos sobre as peculiaridades linguísticas do povo amazonense e deve servir de exemplo. É também um pedido de atenção dirigido ao povo brasileiro para a cultura rústica, rica e peculiar do homem amazônico – não os que rodeiam a alta sociedade, mas sim o cidadão em meio à massa populacional, pois este também quer “ter voz, ter vez e lugar”.
Na verdade, longe de ser obsceno – como alguns cogitaram –, o referido projeto de lei (PL) é visibilidade para a cultura de uma população, antes invisível. É o reconhecimento da cultura do diferente; é um pouco de Paulo Freire e também Boaventura de Sousa Santos; é “amicus communitas”. Sim. É um PL “amigo” da comunidade popular, propondo inclusão e visibilidade à cultura do legítimo caboclo.
Restaurar a dignidade de todas as populações é missão de todas as funções e poderes do Estado. O que para os privilegiados da cultura dominante é um ato de desprestígio à atividade legislativa, será para outros tantos o início da caminhada pelo reconhecimento da identidade popular e pela redução das marginalizações. O status quo odeia ser (re)movido e isso explica muito da pressão social contrária ao o Projeto de Lei.
É preciso lembrar: “Porto de Lenha, tu nunca serás Liverpool”. É necessário orgulhar-se das raízes, da memória cultural, dos costumes, da cultura plural e da(s) identidade(s). É o mínimo que se pode esperar de cada cultura única dos infindáveis rincões brasileiros, de norte a sul. Um país de dimensões continentais, como o Brasil, jamais poderia prestigiar uma só cultura.
Sou caboclo. Também sou um pouco índio, um pouco negro e um pouco branco – e você?
O Brasil de muitas “raças” é o mesmo Brasil de muitas culturas e também de muitas variantes vocabulares. E viva a Democracia!
*Dispõe o artigo 1º do referido projeto: “Art. 1.º Fica reconhecida como patrimônio cultural de natureza imaterial para o Estado, a linguagem regional, nos termos do art. 206, da Constituição do Estado do Amazonas.”
Direito processual penal. Entrevista pessoal, prévia e reservada com advogado. Direito constitucional. Plenitude de defesa.
Direito de defesa que exige a prévia entrevista entre o réu e seu defensor público em um mínimo comportamento processual ético. Regra clara do CPP, do Pacto de São José da Costa Rica, ambos amparados pela Constituição da República. Requisição do preso que se faz necessária a fim de assegurar direito sagrado e inalienável do acusado dentro do Devido Processo Legal. Processo criminal movido pela ética da alteridade, isto é, a ética para com o outro enquanto um ser igual a nós na sua diferença. Defensoria Pública que ainda não está instrumentalizada para atender aos presos sem que haja a prévia requisição em juízo para fins da oferta da defesa prévia. Direito indisponível que não pode ser postergado. Agravo Regimental a que se nega provimento. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo, em que é agravado J. A.. Acordam os Desembargadores que integram a Colenda Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por maioria de votos, em negar provimento, nos termos do voto do Des. Relator. (TJRJ – 3.ª Câm. Crim. – Ag.Rg. HC 0011249-55.2014.8.19.0000 – rel. Paulo Rangel – j. 15.04.2014 – public. 02.07.2014 – Cadastro IBCCRIM 3056)
Ilegalidade da busca domiciliar mediante o mero e suposto consentimento do proprietário.
Direito processual penal. Legislação extravagante. Tráfico de drogas / entorpecentes. Busca e apreensão domiciliar. Garantia constitucional. Inviolabilidade de domicílio. 3.ª Câm. Crim. AP 70058172628 (0009825-70.2014.8.21.7000) j.15.05.2014 – public. 23.06.2014
Ementa
APELAÇÃO-CRIME. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. BUSCA DOMICILIAR ILEGAL. NULIDADE DA APREENSÃO. PROVA REMANESCENTE. INSUFICIÊNCIA.
I. Nulidade por violação de direito constitucional. Inexiste previsão legal de busca domiciliar mediante o mero e suposto consentimento do proprietário, já que a anuência, quando de fato há, é evidentemente dada sob constrangimento. Ingresso não autorizado judicialmente, quando as investigações poderiam facilmente ter conduzido à representação por mandado de busca e apreensão. Pela clara violação ao artigo 5º, IX, da Constituição Federal, deverá ser decretada nula a apreensão dos objetos na residência do réu, remanescendo apenas a apreensão decorrente da busca pessoal e as provas dela derivadas. II. Tráfico de Entorpecentes. Não há provas da atividade de traficância. A investigação procedida pela Polícia Civil conta apenas com fotografias em nada comprometedoras, pessoas não identificadas e imputações pouco detalhadas. Em juízo, nada consta além do depoimento dos policiais e da negativa do réu. Impositiva a absolvição. Recurso defensivo provido. Absolvição. Recurso do Ministério Público prejudicado.
[…]
VOTO
I. Inviolabilidade de Domicílio
Verifico que não foi observado o direito fundamental à inviolabilidade do domicílio. Corolário desta constatação é a decretação de nulidade da prova produzida.
Ao que se constata dos autos, houve manifesta ilegalidade na busca domiciliar procedida pelos agentes policiais na ocasião dos fatos. Segundo os relatos, o réu teria sido flagrado no Ginásio de Esportes Municipal em posse de 4,09g de cocaína, fracionadas em 05 buchas, após investigação preliminar deflagrada em razão de informações anônimas.
Segundo relatos dos policiais, o flagrado teria sido conduzido ao seu domicílio para buscar alguns pertences, mas, por suspeitarem haver outras provas materiais no interior do local, procedeu-se ao ingresso mediante a anuência do réu.
Ressalte-se que não houve mandado de busca e apreensão. O flagrante se deu em local distante cerca de 06km da residência, não justificando o ingresso não autorizado judicialmente. Ainda mais considerado que, nesse caso, em razão das prévias investigações, facilmente poderia ter havido representação por mandado de busca e apreensão.
Não existe previsão legal para a busca domiciliar a partir da permissão informal do proprietário. Do consentimento a que se refere o artigo 5º, XI, da CF não se infere que poderão ser realizadas buscas sem determinação judicial, apenas sob a anuência do morador. Se assim fosse, veríamo-nos diante de um quadro temerário, no qual os mandados de busca e apreensão seriam dispensáveis, já que polícia sempre poderia conseguir, extrajudicialmente, o “consentimento” do proprietário. Afinal, é de se ter em conta que, nas circunstâncias descritas nos autos esse aval foi dado sob constrangimento. Clara, portanto, a violação ao artigo 5º, inciso XI, das Constituição Federal:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XI – a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial;
Ora, se a Constituição estabelece que a casa é ASILO INVIOLÁVEL, isso significa dizer que apenas e tão somente em estrita observância dos casos previstos em lei é que se pode proceder ao ingresso na residência alheia. Entre tais hipóteses, a mera suspeita de prática de ilícito criminal não é apta a relativizar o direito fundamental à inviolabilidade de domicílio.
Certo é que a norma constitucional comporta exceção – flagrante delito, por exemplo – mas, para validade da violação ao direito destacado, deve-se ter certeza da ocorrência do crime, não cabendo sua comprovação a posteriori, depois de já violado o domicílio, sob pena de enfraquecer o comando constitucional, que deveria ser assegurado a todos os cidadãos e, via de consequência, tornar inválida a prova produzida.
Acerca do tema já me manifestei anteriormente:
APELAÇÃO-CRIME. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. RESPOSTA À ACUSAÇÃO. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO. ARTIGO 212 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PRECLUSÃO. INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO. ILICITUDE DA PROVA. ABSOLVIÇÃO. Resposta à acusação. Inexistência de nulidade por inobservância do artigo 396 do Código de Processo Penal. A formalização de tal defesa possui a mesma finalidade da Defesa Prévia prevista no artigo 55 da Lei nº 11.343/2006. Necessário que se demonstre, no caso concreto, a existência de prejuízo a defesa do réu. Violação ao artigo 212 do Código de Processo Penal. A nulidade referida constitui-se vício de caráter relativo, cujo reconhecimento depende, necessariamente, de consignação expressa em momento oportuno, bem como demonstração da ocorrência de prejuízo, o que não ocorreu na espécie. Inviolabilidade do domicílio. A residência/domicílio como ASILO. Não restou demonstrada a situação de flagrante delito apta a excepcionar a proteção conferida por força do artigo 5º, inciso XI, da Constituição Federal. Havendo informação anônima ou não da prática de delito em algum domicílio/residência, é indispensável a prévia obtenção de mandado judicial de busca e apreensão. Aliás, informação anônima deve ser objeto de preliminar investigação policial. A lei não permite atalhos, nesse caso e, somente no caso de haver certeza da prática de ilícito penal é que fica autorizada a exceção do inciso XI do art. 5º da Constituição. E, para ter certeza, o policial deve ter tido condições de visualizar a prática do ilícito, ou de ouvir ruídos ou vozes nesse sentido. Noutras situações, impõe-se a obtenção do prévio mandado judicial. Deste modo, corolário lógico é a ilicitude da prova e, com sua inutilização, impõe-se a absolvição dos acusados por ausência de provas da existência do fato. APELAÇÕES PROVIDAS. (Apelação Crime Nº 70051282796, Terceira Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Diógenes Vicente Hassan Ribeiro, Julgado em 13/12/2012).
Do que se conclui que eventuais suspeitas devem, antes, ser submetidas a investigações e, ainda, ao crivo judicial para a obtenção do devido mandado de busca e apreensão.
Aliás, considera-se ilegal mesmo a busca domiciliar que, munida de mandado, se revela excessiva e discricionária, procedendo à apreensão aleatória franqueada pela “carta branca” concedida. Acrescento, sobre isso, ementa de precedente do Supremo Tribunal Federal:
AFRONTA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS CONSAGRADAS NO ARTIGO 5º, INCISOS XI, XII E XLV DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. De que vale declarar, a Constituição, que “a casa é asilo inviolável do indivíduo” (art. 5º, XI) se moradias são invadidas por policiais munidos de mandados que consubstanciem verdadeiras cartas brancas, mandados com poderes de a tudo devassar, só porque o habitante é suspeito de um crime? Mandados expedidos sem justa causa, isto é sem especificar o que se deve buscar e sem que a decisão que determina sua expedição seja precedida de perquirição quanto à possibilidade de adoção de meio menos gravoso para chegar-se ao mesmo fim. A polícia é autorizada, largamente, a apreender tudo quanto possa vir a consubstanciar prova de qualquer crime, objeto ou não da investigação. Eis aí o que se pode chamar de autêntica “devassa”. Esses mandados ordinariamente autorizam a apreensão de computadores, nos quais fica indelevelmente gravado tudo quanto respeite à intimidade das pessoas e possa vir a ser, quando e se oportuno, no futuro usado contra quem se pretenda atingir. De que vale a Constituição dizer que “é inviolável o sigilo da correspondência” (art. 5º, XII) se ela, mesmo eliminada ou “deletada”, é neles encontrada? E a apreensão de toda a sorte de coisas, o que eventualmente privará a família do acusado da posse de bens que poderiam ser convertidos em recursos financeiros com os quais seriam eventualmente enfrentados os tempos amargos que se seguem a sua prisão. A garantia constitucional da pessoalidade da pena (art. 5º, XLV) para nada vale quando esses excessos tornam-se rotineiros. (HC 95009, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, julgado em 06/11/2008, DJe-241 DIVULG 18-12-2008 PUBLIC 19-12-2008 EMENT VOL-02346-06 PP-01275 RTJ VOL-00208-02 PP-00640)
A apreensão ilegal procedida no domicílio do acusado é uma das provas que deu vazão à persecução penal, que se estendeu desde a abertura de inquérito, oferecimento e recebimento de denúncia e fase processual, até a condenação em primeira instância.
No entanto, os atos posteriores não são dependentes unicamente da busca domiciliar ilegal, mas também da apreensão procedida na busca pessoal, essa sim revestida de legalidade, pois realizada mediante fundadas suspeitas e em flagrante delito. Nesse caso, os atos processuais posteriores à prova nula não são dela dependentes, não devendo sofrer nulidade por derivação. Assim, serão admitidas para fins de análise probatória, mas apenas no que se referem à apreensão de 4,09g de cocaína em posse do réu, sendo totalmente desconsiderada as apreensões realizadas na residência do acusado.
II. Materialidade
A materialidade delituosa, relativamente ao restante das possibilidades da acusação, aquelas concernentes à apreensão no citado ginásio esportivo, está consubstanciada na apreensão de 4,09g de cocaína, fracionadas em 05 buchas pequenas, em poder de S. B. (fl. 25), assim como no respectivo laudo pericial (fl. 153).
Desde já confirmo que não serão considerados, para fins de apreciação probatória, os objetos apreendidos na residência do casal, em razão da ilegalidade antes referida.
Verifico, ademais, constar na solicitação de perícia criminal da substância encontrada em posse do réu o fato de que foram remetidas para análise 0,88g de um total de 3,18g, em evidente contradição com o auto de apreensão de um total de 4,09g (fl. 79).
III. Autoria
Ao que consta dos autos, a Sessão de Investigações da Polícia Civil do município de Vacaria/RS teria recebido uma série de informações anônimas a respeito da atividade de traficância por parte do casal S. B. e V. O., a partir das quais teria procedido à minuciosa investigação. Na ocasião do flagrante, conforme consta do depoimento do condutor (fl. 14), teriam observado um “conhecido usuário” de drogas entrar e sair rapidamente do ginásio onde, supostamente, ocorreria a venda dos entorpecentes, motivo por que decidiram abordar os investigados e com S. encontraram cinco buchinhas de cocaína.
De acordo com o Relatório de Investigação juntado às fls. 82-85, “foi possível fotografar possíveis usuários chegando de carro no Ginásio de Esporte DMD, local de trabalho do casal, onde logo após entrarem no Ginásio e logo retornavam aos seus veículos e vão embora”. Tais fotografias, no entanto, limitam-se a capturar imagens de automóveis estacionados em locais diversos, pessoas não identificadas ingressando em veículos e o réu junto ao VW/Santana apreendido. Nada a sugerir qualquer atividade comprometedora por parte do recorrente. Importa questionar, neste ponto, o motivo de não terem sido abordados os “possíveis usuários” amplamente referidos pelo relatório, já que se trata de prova de extrema relevância à persecução criminal.
Conforme a prova produzida em juízo, a versão acusatória amparada pelos policiais militares é a de que o recorrente estaria sendo investigado há alguns dias pela equipe, quando, em dado momento, “chegou uma pessoa de automóvel, desceu, falou com o R. e teve uma movimentação como se fosse a entrega de alguma coisa e em seguida saiu. Aí o pessoal da cessão de investigação que estava acompanhando já há bastante tempo disseram que seria o movimento de abordagem, saímos rapidamente do local e fomos até o ginásio” (Delegado de Polícia, fl. 132). Ainda conforme depoimento do Delegado, embora a investigação já durasse quase um mês, só participou da última campana, quando foi preso o réu, por ter sido informado pela equipe que naquele dia possivelmente haveria uma entrega de drogas. Através desse relato, uma questão que inevitavelmente se insurge é a origem dessa precisa informação, já que nada consta nos autos a respeito.
S. B., a sua vez, negou a prática do delito, alegando ser usuário de cocaína e aduzindo estar em posse do entorpecente para o seu consumo pessoal, durante o expediente, dentro do banheiro. Ainda referiu estar, na época, em trabalho externo, na obrigação de retornar ao presídio todas as noites às 19h. Sobre a situação referida pelos policiais de que havia sido flagrado, juntamente com seu filho, conversando com um terceiro indivíduo dentro do veículo VW/Santana, de propriedade daquele, no interior do estacionamento do Supermercado Serrano, assim declarou: “Mas eu acho que isso é coisa normal Doutora, eu falar com as pessoas, estou preso, mas não estou proibido de conversar com ninguém acho eu e sair com meu filho no supermercado, acho que é normal, isso aí eu acho que não tem nada que me proíba de fazer” (fls. 169-171).
De fato, o que diz o réu é que as supostas evidências auferidas pela investigação e campanas prévias não dão conta de comprovar nada além de atividades cotidianas, próprias a qualquer pessoa. Não se nega a possibilidade de que, naquela ocasião, assim como em outras, estivesse o réu praticando tráfico de entorpecentes, mas apenas que sobre isso haja comprovação. As fotografias acostadas aos autos nada indicam nesse sentido, não representando mais que cenários e situações comuns.
Seria o caso de haver outros elementos que amparassem a versão acusatória, como mandado de busca e apreensão, oitiva de algum consumidor, ou gravação vídeo que acompanhasse a campana realizada. Restou, sinteticamente, apenas a palavra dos policiais e os documentos pouco esclarecedores por eles produzidos.
Para que fosse confirmada a condenação, necessariamente o Judiciário teria de crer apenas na palavra dos policiais, sem outros elementos de prova que confirmem essa palavra. Não se diga que não se dá crédito aos policiais, mas à própria lei, o Código de Processo Penal, exige rigor na investigação, como quando, por exemplo, exige que sejam realizados autos de apreensão, de busca, de avaliação, exames periciais, enfim a documentação necessária, pois, definitivamente, não é suficiente a palavra dos policiais para condenação. E isso é retirado da própria legislação.
É verdade, e isso fica confirmado, que no Brasil se investiga de menos – e mal – e se acusa demais – e mal –, crendo que o Poder Judiciário, o guardião das liberdades, que detém – ou deve deter – o atributo da imparcialidade, deva se compadecer com acusações de fatos graves que não apresentam prova clara, esclarecedora, definitiva, da versão acusatória.
No caso dos autos impunha-se maior e melhor investigação e, também, a vinda de outros elementos de prova que autorizassem, induvidosamente, a condenação.
Impossibilitada a desclassificação para o artigo 28 da Lei 11.343/06 (para consumo pessoal), já que esta não foi a causa de pedir da denúncia. Na espécie, não háemendatio libelli (artigo 383 do CPP), mas mutatio libelli (artigo 386 do CPP), motivo pelo qual se impõe a absolvição.
Deste modo, impositiva a absolvição do réu pela prática dos delitos dispostos no artigo 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal. Resta, portanto, prejudicado o recurso do Ministério Público.
Determino seja expedido em favor do réu o respectivo alvará de soltura na origem, se por outro motivo não se encontrar segregado.
IV. Dispositivo
Diante do exposto, dou provimento ao recurso defensivo e absolvo o réu das sanções dos artigos 33, caput, da Lei n.º 11.343/2006, com fulcro no artigo 386, inciso VII, do Código de Processo Penal, prejudicado o recurso do Ministério Público. Expeça-se alvará de soltura na origem, se por outro motivo não se encontrar segregado.
Diógenes V. Hassan Ribeiro
Relato