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Estrito cumprimento do dever legal & Exercício regular do Direito: Qual a relação com a tipicidade conglobante?

29/ janeiro / 2020 Deixe um comentário

O Código Penal se limitou a citar o estrito cumprimento do dever legal e exercício legal do Direito como excludentes do crime – Art. 23,III, do Código Penal.

No entanto, a doutrina procura conceituar e estabelecer diferenças entre os institutos, como esquematizado no quadrinho acima.

Assim, na doutrina clássica, estrito cumprimento do dever legal e exercício do direito são excludentes de ilicitude.

Todavia, na tipicidade conglobante (Zaffaroni), os dois institutos estariam na própria tipicidade. 

Isso porque, para Zaffaroni, Tipicidade seria a soma de Tipicidade Formal com a Tipicidade Conglobante (e esta seria o somatório de Tipicidade Material com a Antinormatividade.

Fato típico é a primeira parte essencial do crime, segundo o conceito analítico de crime (fato típico, ilícito e culpável). Divide-se em conduta, nexo de causalidade, resultado e tipicidade.

Tipicidade conglobante seria um corretivo da tipicidade legal. Tipicidade seria a soma de Tipicidade Formal com a Tipicidade Conglobante (e esta seria o somatória da Tipicidade Material com a Antinormatividade..

Dessa forma, tipicidade penal não se reduz à tipicidade legal (isto é, a adequação à formulação legal), e sim que deva evidenciar uma verdadeira proibição com relevância penal, para o que é necessário, que esteja proibida à luz da consideração conglobada da norma. Isto significa que a tipicidade penal implica a tipicidade legal corrigida pela tipicidade conglobante, que pode reduzir o âmbito de proibição aparente, que surge da consideração isolada da tipicidade legal.

Tipicidade Formal é a subsunção da conduta ao dispositivo normativo penal.

Tipicidade Material, por sua vez, consiste na existência de relevante lesão ou perigo de lesão a um bem tutelado. 

Lado outro, a Antinormatividade denota a prática de uma conduta não aceita ou incentivada pelo ordenamento jurídico.

Quando a lei (penal ou não) permite uma conduta, não pode ser a mesma típica, por incoerência do sistema Jurídico globalmente considerado.

Dessa forma, para a teoria da tipicidade conglobante, o estrito cumprimento legal e o exercício legal do direito seriam casos de atipicidade (eliminando a primeira fase do conceito analítico de crime) e não mais excludentes de ilicitude (segunda fase).

SE LIGA! Na teoria clássica, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular do direito são excludentes de ilicitude.

Mas, se você for indagado a posição jurídica dos dois institutos na teoria da tipicidade conglobante. lembre-se que eles excluem a própria tipicidade, em razão da antinormatividade, pois de alguma forma, o ordenamento jurídico permite tais condutas, e nesta teoria, não são excludentes de ilicitude.

Categorias:Geral, Penal

É possível a fixação de regime inicial ABERTO ao condenado REINCIDENTE??

26/ janeiro / 2020 Deixe um comentário

A fixação do regime inicial de cumprimento de pena tem como referencial o artigo 33 do Código Penal. Assim, a espécie de pena, a quantidade da pena, as circunstâncias judiciais e o fato de o agente ser ou não reincidente serão os fatores determinantes do regime inicial de cumprimento de pena.

Quanto à espécie de pena, observa-se que a reclusão poderá começar tanto nos regimes fechado, semiaberto e aberto, enquanto que as penas de detenção somente iniciarão nos regimes semiaberto e aberto.

Quanto à quantidade da pena, as penas de reclusão superiores a 8 (oito) anos serão cumpridas inicialmente em regime fechado. Por sua vez, as penas maiores que 4 (quatro) anos e que não superam 8 (oito) anos iniciarão no regime semiaberto, desde que o condenado não seja reincidente. Por fim, os condenados que a pena não supera a 04 (quatro) anos e que não sejam reincidentes iniciarão o cumprimento de pena no regime aberto – artigo 33 do Código Penal.

Vale lembrar ser “admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judicias.” (STJ – Súmula n. 269).

Acontece que tal tabela prevista no artigo 33 do CP não é absoluta, uma vez que embora a opinião do julgador sobre a gravidade abstrata do crime não seja apta a determinar regime mais severo, a situação concreta, se devidamente fundamentada é idônea para a fixação de um regime mais severo que o regramento do artigo 33 do Código Penal. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal editou os enunciados 718 (A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada) e 719 (A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea).

Por fim, a relevância das circunstâncias judiciais (art. 59 do CP) também é verificada quando obriga que “fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito (STJ – Sumula n. 440).

Feita a revisão legal e o entendimento sumulado sobre o regime inicial, vamos ao questionamento: É POSSÍVEL QUE O RÉU REINCIDENTE INICIE O CUMPRIMENTO DA PENA NO REGIME ABERTO?

Quando olhamos para o que foi lido anteriormente, somos tentados a responder que o condenado reincidente nunca iniciará no regime aberto.

Ocorre que há uma situação curiosa relacionada ao princípio da insignificância, da proporcionalidade envolvendo o regime inicial. Você deve lembrar que a insignificância guarda relação com o primeiro substrato do conceito analítico do crime (o fato típico), pois a consequência da sua aplicação repercute em atipicidade, por conta da exclusão da tipicidade material.

Por outro lado, a reincidência não tem qualquer relação com o fato, mas analisa o agente do crime, o réu. Decerto, reincidência e insignificância não possuem qualquer relação, pois a primeira analisa o agente, enquanto que a insignificância analisa o fato. Logo, por si só, o fato de o agente ser reincidente não impede o reconhecimento da insignificância ao fato.

No entanto, com base no caso concreto, o juiz pode entender que a absolvição com base no princípio da insignificância é penal ou socialmente inadequada. Nesta hipótese, o réu será condenado, mas a circunstância da insignificância repercutirá na fixação do regime inicial aberto.

Desse modo, o juiz não absolve o réu, mas utiliza a insignificância para criar uma exceção jurisprudencial à regra do art. 33, § 2º, “c”, do CP, com base no princípio da proporcionalidade.

Este entendimento consta no informativo n. 938 do Supremo Tribunal Federal:

A Primeira Turma, por maioria, concedeu, de ofício, a ordem de habeas corpus para fixar o regime inicial aberto em favor de condenado pelo furto de duas peças de roupa avaliadas em R$ 130,00. Após ter sido absolvido pelo juízo de primeiro grau ante o princípio da insignificância, o paciente foi condenado pelo tribunal de justiça à pena de um ano e nove meses de reclusão em regime inicial semiaberto. A corte de origem levou em consideração os maus antecedentes, como circunstância judicial desfavorável, e a reincidência para afastar a aplicação do princípio da insignificância. A Turma rememorou que o Plenário, ao reconhecer a possibilidade de afastamento do princípio da insignificância ante a reincidência, aquiesceu não haver impedimento para a fixação do regime aberto na hipótese de aplicação do referido princípio. Ressaltou que, no caso concreto, houve até mesmo a pronta recuperação da mercadoria furtada. Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que indeferiu a ordem. Pontuou que os maus antecedentes e a reincidência afastam a fixação do regime aberto, a teor do art. 155, § 2º, do Código Penal (CP) (1). Vencida, também, a ministra Rosa Weber, que concedeu a ordem de ofício para reconhecer a atipicidade da conduta em face do princípio da insignificância.
(1) CP: “Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. (…) § 2º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.” HC 135164/MT, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 23.4.2019. (HC-135164).

Este entendimento não é inédito. No informativo n. 793 é possível considerar o mesmo posicionamento:

(…) 1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados. 2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. (…) STF. Plenário. HC 123108, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/08/2015 (Info 793).

SE LIGA:

1) A reincidência do acusado não é motivo suficiente para afastar a aplicação do princípio da insignificância;

2) A reincidência ou contumácia do agente, embora não seja determinante, é circunstância que deve ser considerada para a aplicação do princípio da insignificância.

2) É possível a fixação de regime inicial aberto ao condenado reincidente quando foi cogitável a aplicação do princípio da insignificância ao fato e este não for utilizada para provocar a atipicidade da conduta, em razão da absolvição ser medida socialmente indesejável, com base no princípio da proporcionalidade.

DICA: Após a leitura do artigo 33 do Código Penal, revise as SÚMULAS SOBRE O TEMA:

STJ

269 – É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judicias.

440 – Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito.

STF:

718 – A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada

719 (A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea).

 

Categorias:Processo Civil

Tratado internacional que estabelece imprescritibilidade de determinado crime torna inaplicável o art. 107, inciso IV, do Código Penal?

23/ janeiro / 2020 Deixe um comentário

A Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade afirma que os delitos de lesa-humanidade devem ser declarados imprescritíveis.

Tal Convenção foi adotada pela Resolução nº 2.391 da Assembleia Geral da ONU, em 26/11/1968, e entrou em vigor em 11/11/1970.

Todavia, tal diploma não foi ratificado pelo Brasil. Assim, não é possível aplicar os regramentos de imprescritibilidade previstos em tal Convenção, ainda sob o argumento de que seria norma jus cogens (normas imperativas de direito internacional, amplamente aceitas pelo país e insuscetíveis de qualquer derrogação).

A regra do direito brasileiro acerca da prescrição (art. 107, IV, do CP) não pode ser afastada sem a existência de lei em sentido formal.

Decerto, somente lei pode tratar sobre a prescritibilidade ou à imprescritibilidade da pretensão estatal de punir, salvo as cláusulas constitucionais em sentido diverso, como aquelas inscritas nos incisos XLII e XLIV do art. 5º da CF/88.  STJ. 3ª Seção. REsp 1.798.903-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25/09/2019 (Info 659).

SE LIGA! Convenção internacional que preveja imprescritibilidade de determinado crime é insuficiente para impedir a extinção da punibilidade pela prescrição no Brasil, pois tal disposição prevista apenas em tratado internacional NÄO atende a exigência do princípio da reserva legal.

Categorias:Geral, Penal

O crime contra a humanidade previsto no Estatuto de Roma pode ser aplicado independentemente de lei formal no Brasil, uma vez que tal tratado já foi internalizado mediante Decreto?

22/ janeiro / 2020 Deixe um comentário

A definição dos crimes de lesa-humanidade, também chamados de crimes contra a humanidade, pode ser encontrada no Estatuto de Roma, promulgado no Brasil por força do Decreto nº 4.388/2002.

Todavia, no Brasil, não há qualquer lei que tipifique os crimes contra a humanidade. Diante da ausência de lei interna tipificando os crimes contra a humanidade, não é possível utilizar tipo penal descrito em tratado internacional para tipificar condutas internamente, sob pena de se violar o princípio da legalidade.

Isso porque, não há crime sem previsão legal, nos termos do art. 5º, XXXIX, da CRFB/88, art. 9º da Convenção Americana e art. 1º do Código Penal.

De mais a mais, lembremos que a legalidade penal exige a legalidade estrita ou reserva legal. Vale dizer, para tipificação de uma infração penal é indispensável aquela decorrente do parlamento (22, I, da CRFB). Decerto, o decreto é espécie normativo do chefe do Poder Executivo, insuficiente para criminalizar condutas.

Portanto, é necessária a edição de lei em sentido formal para a tipificação do crime contra a humanidade no Brasil, ainda que tal crime esteja contemplado em um Tratado que foi internalizado no Brasil, como é o caso do Estatuto de Roma- Decreto n. 4.388/2002.  STJ. 3ª Seção. REsp 1.798.903-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25/09/2019 (Info 659).

SE LIGA!  É indispensável a existência de lei em sentido formal para tipificação de crime no Brasil, ainda que previsto em tratado internacional internalizado via Decreto, em atenção ao princípio da legalidade estrita ou reserva legal.

Categorias:Penal