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Existe limite mínimo do débito alimentar como condição a autorizar  a prisão civil?

18/ dezembro / 2023 Deixe um comentário

A prisão civil no Brasil é excecional, tendo o seu cabimento em nossa realidade apenas no caso da dívida alimentar. Todavia, a depender do caso, não será a integralidade da dívida que autorizará a coerção pessoal drástica.

Após entendimentos firmados na doutrina e na jurisprudência, o Código de Processo Civil de 2015 passou a dispor que “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”, nos termos do artigo 528, §7º, do CPC.

Decerto, da literalidade da lei decorrem duas conclusões. A primeira conclusão é que não será toda e qualquer dívida apta a ensejar prisão como meio coercitivo, pois apenas, no máximo, as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem durante o processo é que autorização o procedimento de cobrança via prisão. A segunda conclusão é que não é necessário aguardar o inadimplemento de três parcelas alimentares para a cobrança pelo rito da prisão, uma vez que a redação aponta que o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores.

Considerando que não há grande polêmica entre o tempo máximo que possa ser instrumentalizado pelo procedimento da prisão civil, uma vez que o legislador apontou o lapso máximo de 3 prestações, além daquelas vencidas durante o curso do processo, passa-se ao exame e argumentação acerca da inexistência ou condição de período mínimo para que o procedimento da coação pessoal seja instrumentalizado. Ora, os artigos 528, §7º e 911 do CPC apenas apontaram limite máximo – até 03 (três) prestações – não mínimo de prestações vencidas. Logo, o inadimplemento de uma única parcela já configura mora e autoriza o uso do meio executório da prisão civil.

Aliás, a limitação a este período nada mais é do que uma estratégia a tentativa de dar efetividade a esse meio coercitivo, não onerando demasiadamente o devedor, de modo a inviabilizar o pagamento, em face do acúmulo de prestações em aberto.

Lado outro, também funciona como proteção ao alimentando que não pode ficar impedido de ter acesso à justiça para satisfazer o direito fundamental aos alimentos, à vida digna. Aliás, caso a interpretação fosse pela existência de uma condicionante mínima temporal de 03 (três) prestações, o credor estaria atuando contra o Duty To Mitigate The Loss, na medida em que ao ter que esperar o vencimento de 03 (três) prestações estaria piorando a situação do devedor que teria que arcar com o pagamento de valor maior para escapar da prisão civil. Nesse cenário, o quadro seria de violação da boa-fé objetiva que impõe o dever de atuar para minorar os prejuízos.

Ademais, importa lembrar da razão de existir da excepcional possibilidade de prisão civil: Os alimentos. Cuidando de natureza alimentar, que nada mais é corolário do direito à vida digna e, considerando que a criação de tal procedimento foi para proteger o alimentando, não é razoável admitir que justamente a lei criada para proteger o direito à vida do alimentando criasse a terrível condição de ter que aguardar o inadimplemento de 03 (três) prestações para acionar o sistema de justiça.

Em consonância com o entendimento exposto, Maria Berenice Dias critica interpretação no sentido de condicionar o procedimento de cobrança dos alimentos via prisão ao inadimplemento de 3 (três) parcelas: “existe a prática – muito difundida e para lá de perversa – de aguardar o inadimplemento de três prestações para a busca do pagamento sob a ameaça de o devedor ir para a cadeia”. (ALIMENTOS: Direito, Ação, Eficácia, Execução, 3ª edição. p.358 – Editora Juspodivm).

No sentido da inexistência de limite mínimo da dívida alimentar para a cobrança pelo procedimento da prisão, o Superior Tribunal de Justiça, estabeleceu a seguinte tese: O atraso de uma só prestação alimentícia, compreendida entre as três últimas atuais devidas, já é hábil a autorizar o pedido de prisão do devedor, nos termos do artigo 528, § 3° do NCPC (STJ – Jurisprudência e Tese – Edição 65, n° 6). Julgados: AgRg no AREsp 561453/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe 27/10/2015. RHC 056773/PE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 10/08/2015

Como se vê, atento a relevância do crédito por alimentos e a necessidade de uma execução mais célere, acompanhada do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, inexiste limite mínimo do débito alimentar como condição a autorizar  a prisão civil, de modo que reputa-se inviável o tarifamento mínimo de um certo período de inadimplência (três) parcelas como espécie de condição de admissibilidade de execução ou cumprimento de sentença.

A NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DA CONVIVÊNCIA E DA INSUFICIÊNCIA DA CLAUSULA “VISITAS LIVRES” OU “VISITAS MEDIANTE PRÉVIO AVISO”

16/ novembro / 2023 Deixe um comentário

A partir da Constituição de 1988, a convivência familiar passou a ser um direito fundamental da criança e do adolescente. Daí, como sujeito de direitos e a par da Doutrina da Proteção Integral é imperioso que o sistema de justiça tenha compromisso com a eficácia dos direitos fundamentais.

De mais a mais, deve ser preocupação do Judiciário que suas decisões evitem futuros conflitos. Assim, os acordos ou decisões devem funcionar para promoção de direitos humanos.

Atente-se ainda, que a intervenção mínima do Estado na família não impede de modo algum que o Judiciário atue para a proteção do direito de um vulnerável, no caso, a criança e o adolescente, destinatários do melhor interesse. Vale dizer, a autonomia existente nas relações privadas não é argumento para violação de direitos fundamentais, como no caso a convivência familiar da criança. Garantia esta que propicia o integral desenvolvimento de uma criança ou adolescente.

Por oportuno, registra-se o Enunciado n. 603 das Jornadas de Direito Civil: “A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deve atender precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o $ 2º do artigo 1.583 do Código Civil, representar convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais”.

Os argumentos apresentados não buscam tolir a vida das crianças. O que se deseja é que a decisão ou acordo funcionem como verdadeiro plano de parentalidade estabelecendo um parâmetro mínimo de tempo de cada um dos pais. Inclusive para evitar eventuais “desculpas” ou obstáculos para a convivência familiar.

A regulamentação da convivência com dias e horários a servirem de parâmetro entre os pais efetivará o Estatuto da Criança e do Adolescente, especialmente os artigo 18 (É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor e artigo 70 (É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”).

Conrado Paulino da Rosa manifesta-se também acerca da necessidade de regulamentação da convivência: “Justamente por isso é que se torna inviável a determinação livre do regime de convivência de qualquer dos progenitores com a prole. Considerando que tal direito se trata de garantia fundamental, caso não haja sua observância, poder-se-á macular o integral desenvolvimento de uma criança ou adolescente.” [1]

Cumpre notar que a fixação da guarda compartilhada não gera qualquer óbice à regulamentação da convivência. Ora, a Lei n. 13.058, de 22 de dezembro de 2014, modificou o § 2º do art. 1.583 do Código Civil, para determinar que, na guarda compartilhada, deve ser dividido, de forma equilibrada, entre a mãe e o pai, o tempo de convívio com os filhos, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses destes últimos.

Decerto, a nova determinação legal não diminui a importância da fixação do regime de visitas ou convivência para o atendimento do melhor interesse das crianças, principalmente os de pouca idade. Isso porque a determinação do período de convivência com cada um dos pais permite a organização da rotina da criança, assim como a criação e o cumprimento de suas expectativas. Nesse sentido, o Enunciado N. 605 – CJF: A guarda compartilhada não exclui a fixação do regime de convivência.

Do mesmo modo, a tenra idade da criança não impede que dias e horários de convivência devam ser regulamentados, conforme se extraí do Enunciado n. 671 da IX Jornada de Direito Civil: “A tenra idade da criança não impede a fixação de convivência equilibrada com ambos os pais”.

Portanto, respeitado o equilíbrio determinado pela lei, deve ser estabelecido, sempre que possível, um regime de convívio com dias e horários. Inclusive, tal definição poderá permitir a averiguação do cumprimento ou não do dever de visitas, tanto por parte do que partilha a residência com a criança/adolescente, quanto daquele que tem outro endereço. Com essa interpretação, cumpre-se o art. 1.583 sem violação do art. 1.589, ambos do Código Civil.

Como se vê, a regulamentação da convivência de parâmetros de dias e horários efetiva o artigo 227 da Constituição da República, a Doutrina da Proteção Integral, ao passo que a fixação de “visitas livres” ou “mediante prévio aviso” não incentiva, nem disciplina os pais a desenvolverem uma rotina de convivência com os filhos, o que coloca em risco o direito fundamental da criança à convivência familiar

REFERÊNCIAS:

[1] ROSA, Conrado Paulino da. Direito de Família Contemporâneo. 10a ed. São Paulo. Editora Juspodivm. 2023.

Categorias:Famílias, Geral

14 DE AGOSTO – DIA NACIONAL DE CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE A PATERNIDADE RESPONSÁVEL

13/ agosto / 2023 Deixe um comentário

A Lei n. 14623/23 instituiu 14 de agosto como a data comemorativa do Dia Nacional de Conscientização sobre a Paternidade Responsável.

Para começo de conversa, a paternidade responsável é um princípio expresso na Constituição da República – Artigos 226, §7° e 229. Nesses dispositivos, percebe-se que tal princípio fundamenta o planejamento familiar, assim como impõe o dever de cuidado, sustento e educação dos filhos.

A paternidade é fundamental para cada um de nós. Ela é fundante do sujeito. Não há como negar que a estruturação psíquica de uma pessoa decorre e repercute da relação que ela teve com seus pais.

A paternidade é responsável quando supera o reconhecimento em registro de nascimento, assim como a assistência material. Ora, é preciso, como sociedade, termos a consciência que a paternidade vai muito além dos deveres materiais (obrigação alimentar, pagamento das despesas, por exemplo), uma vez que estas são inegociáveis em uma sociedade capitalista.

Por isso, pais devem assumir os ônus e bônus da criação dos filhos. A partir da educação parental e conscientização, pais entenderão que há um conjunto de competências atribuídas, um conjunto de deveres (sustento, cuidado e educação) para atender ao melhor interesse da criança e do adolescente, principalmente no que tange à convivência familiar e educação.

Quanto ao afeto, importa que este não pode ser traduzido como um sentimento, pois o verdadeiro afeto é aquele materializado em uma conduta, um cuidado ao corpo, mas também à alma.

Com isso, não quer dizer que o direito trate de sentimentos, não essa órbita não pertence à ciência jurídica. Todavia, os efeitos decorrentes dos sentimentos são analisados e suas ausências podem ser objetos de discussão jurídica e até de sanção por parte do Estado (vide indenizações fixadas por abandono afetivo).

Compreende-se assim, que a paternidade responsável é aquela em que o pai está consciente e age como verdadeiro fornecedor de afetos, não se satisfaz em ter apenas um vínculo biológico, nem apenas em suprir materialmente, mas exerce a função afetiva na educação e na construção emocional do ser humano que a vida oportunizou ter como filho.

Vulnerável: Quem é o assistido da Defensoria Pública?

9/ setembro / 2022 Deixe um comentário

Amélia Soares da Rocha [1] ensina que “a interpretação de necessitado tem sido no sentido de pessoas em condição de vulnerabilidade, que nem sempre significa pessoa economicamente hipossuficiente, embora na maioria das vezes o seja também economicamente, numa cumulatividade de desigualdade”.

Quanto à expressão vulnerabIlidade, Roger Queiroz [2] registra que esta tem origem no latim “vulnerabile”, o qual possui o significado de pode ser atingido ou ferido; frágil; que tem poucas defesas; diz-se do ponto fraco de uma pessoa, coisa ou questão (figurado). O autor vai além, ao apontar como vulnerável aquele que está suscetível a ser ferido, ofendido ou tocado, um indivíduo frágil ou incapaz.

N’outro giro, percebe-se que vulnerável também é um utilizado para reconhecer grupos de pessoas que possuem maior fragilidade dentro da sociedade, como crianças, idosos, mulheres, pessoas com deficiência, índios, negros, entre outros.

No aspecto normativo nacional, a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, no capítulo II – Termos e Definições, define a vulnerabilidade como o “estado de pessoas ou grupos que, por quaisquer razões ou motivos, tenham a sua capacidade de autodeterminação reduzida, sobretudo no que se refere ao consentimento livre e esclarecido”.

O reconhecimento das vulnerabilidades para além do critério econômico também foi reconhecido na XIV Conferência Judicial Ibero-americana (março/2008. Na ocasião, houve aprovação do documento intitulado “Regras de Brasília sobre Acesso à Justiça das Pessoas em Condição de Vulnerabilidade” (100 Regras de Brasília) [3]. Do texto, extraem-se as Regras 3 e 4 acerca da vulnerabilidade:

(3) Consideram-se em condição de vulnerabilidade aquelas pessoas que, por razão da sua idade, género, estado físico ou mental, ou por circunstâncias sociais, económicas, étnicas e/ou culturais, encontram especiais dificuldades em exercitar com plenitude perante o sistema de justiça os direitos reconhecidos pelo ordenamento jurídico.

(4) Poderão constituir causas de vulnerabilidade, entre outras, as seguintes: a idade, a incapacidade, a pertença a comunidades indígenas ou a minorias, a vitimização, a migração e o deslocamento interno, a pobreza, o género e a privação de liberdade. A concreta determinação das pessoas em condição de vulnerabilidade em cada país dependerá das suas características específicas, ou inclusive do seu nível de desenvolvimento social e económico

O reconhecimento de outras vulnerabilidades, além da econômica é salutar. Ora, a realidade contemporânea não comtempla apenas a hipossuficiência econômica. Isso fica acentuado com a realidade virtual das mais variadas relações (consumeristas, educacionais, familiares) que passaram a ter maior incidência e relevância pelas vias digitais.

Lúcio Kowarick [4] refere-se aos vulneráveis como a “vasta parcela daqueles que estão à margem, desligados ou desenraizados dos processos essenciais da sociedade, trata-se daquilo que se convencionou denominar os excluídos, noção ampla e escorregadia que se tornou uso corrente e que necessita ser trabalhada empírica e teoricamente”

Decerto, na atualidade, existem as vulnerabilidades podem se manifestar em diversos aspectos. A doutrina já reconheceu, além da vulnerabilidade econômica, a vulnerabilidade jurídica, organizacional e social.

Ana Mônica Anselmo de Amorim [5] sintetiza as modalidades de vulnerabilidade.

A Vulnerabilidade Processual [7]/Jurídica: A vulnerabilidade processual pode ser facilmente vislumbrada na necessária intervenção do órgão Defensorial no processo, para que realize a defesa processual, garantido primados como a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal, a exemplo de sua atuação como Curador Especial (artigo 72 do Código de Processo Civil) e na defesa daqueles que não constituíram advogados nos processos criminais, independente de suas condições financeiras;

A Vulnerabilidade social junge-se às situações em que o assistido, por sua própria condição física, etária, étnica, religiosa, racial, necessita de uma maior assistência, e um olhar diferenciado da Defensoria Pública. São pessoas que diante destas características ou escolhas, compõem grupos minoritários, e socialmente segregados. Indígenas, crianças e adolescentes, idosos pessoas com deficiência, negros, pardos, quilombolas, pessoas LGBTQIA+, exemplificativamente, compõem um amplo leque de indivíduos, que praticamente desde o berço lutam pela garantia de seus direitos

A vulnerabilidade circunstancial/Organizacional está relacionada aos cidadãos que por razão de uma circunstância fática ou social, necessitam de uma maior assistência da Defensoria Pública. Esta circunstância pode ser definitiva ou transitória, como exemplo as pessoas enfermas, presas, moradores em situação de rua, e inclusive, vive-se uma situação de vulnerabilidade circunstancial, uma vulnerabilidade pandêmica, que demanda uma maior atuação Defensorial, que neste momento, não se pode furtar uma assistência a todos e todas que busquem o auxílio do defensor público.

De tantas manifestações da vulnerabilidades, é preciso reconhecer a vulnerabilidade geográfica. Nesse aspecto, a experiência deste autor no exercício do sistema de justiça no Estado do Amazonas não pode ficar esquecida.  Nos rincões da floresta, não há transporte fluvial ordinária, grande parte da população depende de canoas, inexistem cartórios, pois estes ficam nas sedes dos municípios, distantes horas, dias das comunidades e vilas. Independente da situação organizacional, econômica e jurídica, percebe-se que grande parte da população brasileira, em especial aquela localizada na Amazônia padece de vulnerabilidade geográfica para ter acesso à justiça.

O aspecto da vulnerabilidade geográfica foi lembrado por Roger Moreira de Queiroz [8]. Segundo o autor, este fator objetivo pode ser verificar quando a parte enfrenta obstáculos que inviabilizam a sua presença física e/ou de seus procuradores por se encontrar em localidade distante da sede do juízo e a sua ausência lhe acarrete prejuízo processual.

A vulnerabilidade prisional é aquela decorrente do estado de encarceramento. Nesse aspecto, a vulnerabilidade das pessoas privadas de liberdade já foi reconhecida nas Regras de Brasília sobre acesso à justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade (§§ 22 e 23) [9], nos casos “Dessy” e “Romero Cacharane” da Corte Suprema de Justiça da Nação Argentina e no caso “Instituto de Reeducación del Menor vs. Paraguay”, julgado em 2 de setembro de 2004 pela Corte Interamericana de Direitos Humanos.

Na doutrina nacional, Rodrigo Roig [11] anota que “a situação de encarceramento retira das pessoas presas ou internadas seus direitos fundamentais, com também as torna carecedoras de maior tutela, discriminação positiva e segurança por parte do Estado, considerando o estado de absoluta vulnerabilidade em que se encontram”.

Nesse cenário, a responsabilidade estatal pela proteção dos presos, grupo humano vulnerável, impõe o dever de atuação da Defensoria Pública, independente da situação financeira, mormente pelo senso comum existente em uma sociedade na qual impera o senso comum de vingança, fomentado pela mídia e opinião popular, as quais pressionam os agentes do sistema político e de justiça a romper os direitos humanos dos encarcerados, os quais uma vez violados, prejudicam toda a sociedade, não só pelos presos serem integrantes da comunidade, mas pelas consequências ao meio extramuros com o fortalecimento de facções para protege-los dentro e fora dos presídios e criação a um verdadeiro “estado paralelo”.

Assim, os grupos de consumidores, idosos, negros, mulheres vítimas de violência, presos, que, em muitos casos em que, embora com recursos financeiros, são tão vulneráveis por conta de se encontrarem em uma circunstância adversa, além de não possuírem estrutura para estrategicamente atuar.

A colenda jurisprudência brasileira já assentou a superação da noção de vulnerabilidade. No julgamento da ADI n.3943, o Supremo Tribunal Federal suplantou qualquer ideia de limitação da legitimidade coletiva da Defensoria Pública aos hipossuficientes econômicos. Por sua vez, o Superior Tribunal de Justiça reconheceu a possibilidade da atuação da Defensoria Pública em favor de necessitados jurídicos, não necessariamente de carentes de recursos financeiros (EREsp. 1.192.577).

Nessa pegada, e atento à dinâmica das novas realidades, este autor também considera a existência contemporânea da vulnerabilidade digital, a qualidade deve ser merecedora de proteção defensorial.

A pandemia COVID-19 repercutiu fortemente nisso, ao impor que muitos que não desenvolviam qualquer atividade via internet, ou atuavam em situações raras, passaram a “mergulhar” nas relações digitais e passaram a ser vítimas de muitas estratégias das redes sociais, algorítimos e outras tecnologias das telas. Assim, a Defensoria Pública deve reconhecer e prever estrategicamente instrumentos para amenizar a vulnerabilidade digital, especialmente aos grupos mais vulneráveis. A atuação da Defensoria Pública em favor de vulneráveis digitais já foi noticiada por Edilson Gonçalves Filho[10]:

“A vulnerabilidade digital, também denominada tecnológica, evidenciou-se durante a pandemia causada pela disseminação da Covid-19. No Brasil, o governo federal, ao estabelecer benefício assistencial destinado às pessoas que tiveram sua renda comprometida no período e se enquadrem nos demais critérios econômicos estabelecidos, vinculou o recebimento à necessidade do beneficiário possuir aparelho celular e endereço de e-mail, baixar aplicativo do programa e receber mensagem via SMS (serviço de mensagens curtas) para acioná-lo, o que gerou graves empecilhos de acesso ao direito por parte de grupos vulneráveis e levou a Defensoria Pública a ajuizar Ação Civil Pública visando superar tais exigências”.

Aqui, importante citar a atuação da Defensoria Pública do Estado do Amazonas[11] no tocante aos cuidados coma exposição de crianças nas redes sociais, bem como os perigos da intoxicação digital.  Por intermédio da Portaria n. Portaria n.º 1241/2021-GDPG/DPE/AM, a Defensoria Pública instituiu o Projeto Defensoria Pública Digital e criou o Centro de Estudos das Vulnerabilidades Digitais – CEVD, trabalho coordenado pelo Defensor Publico Marcelo Pinheiro.

Como se vê, a assistência jurídica deve ser prestada pela Defensoria Pública ao necessitado, entendido todo aquele que estiver em situação de vulnerabilidade, ou seja aquele que se encontre com insuficiência de recursos, seja essa carência econômica, jurídica, organizacional, social, geográfica ou digital, pois a noção de vulnerabilidade não está restrita ao aspecto econômica, mas deve ser compreendida de forma ampla, ao ponto de proteger qualquer ser humano que se encontre de alguma forma limitado e frágil.

REFERÊNCIAS

1. ROCHA, Amélia Soares da. Defensoria pública – Fundamentos, organização e funcionamento. São Paulo: Atlas, 2013. p.80.

2. QUEIROZ, Roger de Moreira. Defensoria Pública e vulnerabilidades: para além da hipossuficiência econômica. Belo Horizonte/São Paulo. D’Placido. 2021. p. 44

3. REGRAS de Brasília sobre acesso à justiça das pessoas em condição de vulnerabilidade.  Disponível em: https://forumjustica.com.br/wp-content/uploads/2011/10/100-Regras-de-Brasilia-versao-reduzida.pdf. Acesso em 16 nov 2021.

4. KOWARICK, Lúcio. Sobre a vulnerabilidade socioeconômica e civil: Estados Unidos, França 5. Brasil. Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 18, N° 51, fev./2003, p. 61-85.

6. AMORIM, Ana Mônica Anselmo de. Público-alvo da Defensoria e parâmetros de elegibilidade: quem são os vulneráveis? Disponível em www.conjur.com.br. Acesso em 15 nov 2021.

7. TARTUCE, Fernanda. Igualdade e Vulnerabilidade no Processo Civil. São Paulo: Método, 2012, p. 184. Segundo a autora, vulnerabilidade processual é a suscetibilidade do litigante que o impede de praticar atos processuais em razão de uma limitação pessoal involuntária; a impossibilidade de atuar pode decorrer de fatores de saúde e/ou de ordem econômica, informacional, técnica ou organizacional de caráter permanente ou provisório.

8. QUEIROZ, Roger de Moreira. Defensoria Pública e vulnerabilidades: para além da hipossuficiência econômica. Belo Horizonte/São Paulo. D’Placido. 2021. P. 53.

9. As 100 Regras de Brasília: Item 10: (22) A privação da liberdade, ordenada por autoridade pública competente, pode gerar dificuldades para exercer com plenitude perante o sistema de justiça os restantes direitos dos quais é titular a pessoa privada da liberdade, especialmente quando concorre com alguma causa de vulnerabilidade enumerada nos parágrafos anteriores. (23) Para efeitos destas Regras, considera-se privação de liberdade a que foi ordenada pela autoridade pública, quer seja por motivo da investigação de um delito, pelo cumprimento de uma condenação penal, por doença mental ou por qualquer outro motivo.

10 GONÇALVES FILHO, Edilson Santana. Acesso à Justiça é impactado pela vulnerabilidade digital. www.conjur.com.br, acessado em 11 nov 2021. 11. Com foco em conflitos impactados pelas novas tecnologias, DPE-AM lança projeto Defensoria Digital. Disponível https://www.defensoria.am.def.br/post/com-foco-em-conflitos-impactados-pelas-novas-tecnologias-dpe-am-lan%C3%A7a-projeto-defensoria-digital. Acesso em 30 ago 2022.

11. Roig, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal : teoria crítica  – 4. ed. – São Paulo : Saraiva Educação, 2018. p. 31

O JUDICIÁRIO PODE APLICAR MEDIDAS CAUTELARES (ART. 319 DO CPP) CONTRA PARLAMENTAR?

30/ março / 2022 Deixe um comentário

Sabemos que “desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão – Art. 5, §2º, da CRFB.

Todavia, desde a Lei n. 12403/11, o processo penal superou a bipolaridade (prisão versus liberdade), pois foram criadas as medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do CPP).

Daí, surge a questão: O Judiciário não pode decretar a prisão preventiva, mas poderia decretar medidas cautelares diversas da prisão?

A resposta exige um exame cuidadoso.

SE A MEDIDA CAUTELAR NÃO OBSTA O EXERCÍCIO DO MANDATO, o Judiciário, por autoridade própria (ou seja, sem qualquer necessidade de submissão à Casa Legislativa), pode determinar as medidas cautelares previstas no artigo 319 do CPP (STF: ADI n. 5526).

Isso porque, a proteção prevista na Constituição da República não é pessoal, mas serve para proteger o exercício do cargo, do mandato e evitar a intervenção da função jurisdicional na função legislativa. Decerto, segundo o Supremo, a aplicação de uma medida cautelar que não impede o exercício do mandato, não incidiria em intromissão do Judiciário no Legislativo.    

OLHA SÓ!

SE A MEDIDA CAUTELAR IMPLICAR NA IMPOSSIBILIDADE DO EXERCÍCIO DO MANDATO, as seguintes observações devem ser atendidas (STF – ADI n. 5526 – 11/10/2017):

a) Desde a expedição do diploma, não cabe falar-se em prisão preventiva ou, ainda, qualquer medida cautelar diversa da prisão que implique a impossibilidade o afastamento do exercício do mandato pelo parlamentar, seja ele componente do Legislativo Federal ou Estadual, sem que haja, para tanto, ratificação de decisões judiciais nesse sentido pela respectiva Casa no prazo de 24 horas.

b) Qualquer ato emanado do Poder Judiciário que houver aplicado medida cautelar que impossibilite direta ou indiretamente o exercício regular do mandato legislativo deve ser submetido ao controle político da Casa Legislativa respectiva, nos termos do art. 53, § 2º, da CF.

Nestes casos (quando a medida cautelar impossibilita o exercício do mandato), a Casa Legislativa poderá revogar as medidas impostas pelo Judiciário, conforme deixou assinalado o Supremo Tribunal Federal em recente oportunidade:

É constitucional resolução da Assembleia Legislativa que, com base na imunidade parlamentar formal (art. 53, § 2º c/c art. 27, § 1º da CF/88), revoga a prisão preventiva e as medidas cautelares penais que haviam sido impostas pelo Poder Judiciário contra Deputado Estadual, determinando o pleno retorno do parlamentar ao seu mandato. O Poder Legislativo estadual tem a prerrogativa de sustar decisões judiciais de natureza criminal, precárias e efêmeras, cujo teor resulte em afastamento ou limitação da função parlamentar. STF. Plenário. ADI 5823 MC/RN, ADI 5824 MC/RJ e ADI 5825 MC/MT, rel. orig. Min. Edson Fachin, red. p/ o ac. Min. Marco Aurélio, julgados em 8/5/2019 (Info 939).

CONCLUSÃO:

  • Se a medida cautelar (art. 319 do CPP) não impede o exercício do mandato, o Judiciário pode aplicar, sem qualquer necessidade de avaliação posterior pela Casa Legislativa.
  • Se a medida cautelar (art. 319 do CPP) impede o exercício do mandato (afastamento do cargo, por exemplo), o Judiciário pode impor, mas precisa comunicar em até 24 horas a respectiva Casa Legislativa, para que esta faça a avaliação (sustar ou manter a medida).

SE LIGA! O entendimento exposto acima é limitado a parlamentares federais e estaduais (por força do Art. 27, § 1º, da CRFB). Quanto aos vereadores, estes podem até ser afastados do cargo, sem qualquer necessidade de comunicação à casa Legislativa para deliberação  (STJ: Informativo n.

ACREDITE EM MIM: Um convite à reflexão, ao acolhimento.

6/ março / 2022 Deixe um comentário

O abuso sexual contra crianças e adolescentes, hoje é preocupação em escala mundial. Ferir a infância e sua dignidade sexual é uma das mais graves violações aos direitos fundamentais, qual seja, a violação a dignidade da pessoa humana.

Trata-se de um crime que provoca mais que marcas físicas na vítima, pois sequelas psicológicas do ocorrido se perpetuam durante o restante de toda sua vida.

Tais abusos sexuais contra crianças, adolescentes, em grande parte, se repetem em razão da incredulidade e negação daqueles que deviam acreditar e acolher.

Por outro lado, a lei do silêncio é aliada dos abusos intrafamiliares, pois o segredo passa a tomar conta da vítima quando não recebe o que mais deseja: Respeito, dignidade, compreensão e solidariedade, além da conduta ética dos agentes envolvidos no caso.

Com se vê, o abuso sexual infantil é uma forma de violência que envolve poder, coação e/ou sedução. É uma violência que envolve duas desigualdades básicas: de gênero e geração.

O filme ACREDITE EM MIM, além de contar uma história real, alerta para o risco de nós, enquanto familiares, sociedade, amigos e até mesmo o sistema de investigação e justiça precisam se policiar para não serem revitimizadores no processo de violação da dignidade daquelas que buscam escuta, empatia e acolhimento.

Lançar dúvidas ou recusar peremptoriamente as declarações de crianças, adolescentes sobre notícias de abusos sexuais só aumentará os problemas e nos tornará cúmplices dos crimes sexuais que acontecem ao nosso redor, sobretudo quando clandestinos.

Se de um lado, tomar tudo como verdade é perigoso. Desacreditar de forma absoluta o que a vítima diz potencializa os problemas e estima a reiteração da conduta pelos criminais.

Cabe a nós, conduzirmos tais noticiantes aos órgãos e profissionais capacitados para que procedam a escuta individualizada e tratem a questão de forma profissional e científica.

É preciso refletir sobre isso,
É preciso escutar,
É preciso acolher,
É preciso ACREDITAR!

Estados ou Municípios podem obrigar os pais a vacinarem seus filhos?

10/ fevereiro / 2022 Deixe um comentário

Para começo de conversa, importante compreender que a criança e adolescente são sujeitos de direitos e não meros objetos.

Ao longo dos anos, a criança sequer tinha consideração de autonomia. Nas antigas sociedades (grega ou romana), a criança e o adolescente sequer eram considerados suscetíveis de proteção jurídica, pois eram meros objetos de propriedade estatal ou paternal, caracterizados por um estado de imperfeição que se perdia somente com o passar do tempo, e unicamente suavizado por um dever ético-religioso de piedade.

O conceito de infância e a própria proteção das crianças só começou a ganhar corpo a partir do século XIX. Até então eram consideradas como pequenos adultos sobre os quais os pais poderiam exercer poder praticamente ilimitado. Eram encaradas como uma espécie de propriedade parental, entendimento derivado da concepção absolutista de pátrio poder proveniente do Direito Romano.

Em Roma, o Pater podia castigar corporalmente seus filhos sem qualquer limitação, modificar seu status social, dar esposa ao filho, dar sua filha em casamento (recebendo dote), divorciar seus filhos, transferi-los a outra família, dá-los em adoção, e até mesmo vendê-los. As crianças eram menos que pessoas e se aproximavam muito da categoria de objetos, de coisas.

Como se percebe, a evolução histórica de superação e reconhecimento de direito das crianças coincide com a necessidade de reconhecimento de outros grupos vulneráveis (mulheres, estrangeiros, negros, prisioneiros, deficientes, pessoas de etnias minoritárias).

Nos últimos 200 (duzentos) anos, um fato marcante foi  o caso “Mary Ellen Wilson” (EUA, 1874). Ellen era uma criança (9 anos de idade) que era violentada pela mãe e não tinha qualquer convívio com o mundo externo, comunitário. Um certo dia, os vizinhos perceberam que a criança tinha o corpo muito fraco (pequeno até para uma criança de 5 anos de idade) e apresentava diversos hematomas (“trajada com roupas rasgadas e sujas e tinha uma grande cicatriz que ia do seu olho esquerdo ao queixo, fruto de um golpe de tesoura desferido por sua mãe adotiva”). Ao noticiarem os fatos, as autoridades públicas, embora existente uma norma de negligência dos pais, disseram que não poderiam atuar, pois prevaleceria a autoridade da mãe.

Foi aí que surgiu a seguinte tese desenvolvida Herny Bergh, líder do movimento de proteção dos animais e fundador da “Sociedade Americana para a Prevenção da Crueldade contra Animais” (ASPCA): Mary Ellen é certamente um pequeno animal e se as crianças são parte do reino animal podem ser protegidas sob a égide das mesmas leis que protegem os animais contra a crueldade”.

E assim aconteceu: A mãe foi condenada pelos maus-tratos e a criança foi acolhida pela Sheltering Arms, uma entidade protetiva, e posteriormente adotada.

No Século XX, o quadro se aperfeiçoou, pois surgiu um olhar para a criança e o adolescente como uma pessoa no sentido pleno do termo, permitindo-lhe atingir direitos e liberdades de que são beneficiários como condição geral, mesmo no período de tempo durante o qual estão em processo de formação.

Na segunda metade do século XX, crianças e adolescentes deixam de ser vistos como meros sujeitos passivos, objeto de decisões de outrem (ou seu representante legal), sem qualquer capacidade para influenciarem a condução da sua vida, e passaram a ser vistos como sujeitos de direitos (pessoas dotadas de uma progressiva autonomia) no exercício de seus direitos em função da sua idade, maturidade e desenvolvimento das suas capacidades. Sim, crianças possuem “cidadania social”.

No nível internacional, a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção Internacional dos Direitos da Criança (1989) são instrumentos que estabelecem a criança como sujeito destinatário de direitos e proteção física e mental, cuidado especial, devendo, ainda, ser amparado por uma legislação apropriada.

Atenta ao movimento mundial de proteção, a Constituição da República (art. 227) impôs o dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

No plano infraconstitucional, fora aprovado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8069/90), um dos diplomas legais mais avançados do mundo em matéria de proteção infantil.

Nessa toada, cumpre observar que uma simples leitura do art. 1634 do Código Civil deixa claro que as atribuições dos pais em relação aos filhos é tratada com uma série de deveres, obrigações e responsabilidades (cuidar, sustento, educar, proteger), como manifestação do princípio da parentalidade responsável

Assim, os pais não são titulares, nem podem ser obstáculos para que crianças e adolescentes exerçam direitos. Ao contrário, Família, Estado e Sociedade possuem o DEVER (não mera faculdade) de efetivar direitos da criança e do adolescente.

Então, o Poder Público pode obrigar a vacinação?

É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no programa nacional de imunizações; (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei; (iii) seja objeto de determinação da união, estados e municípios, com base em consenso médico científico. (STF n. 6586 e 6587).

Especificamente quanto às crianças, é obrigatória a vacinação nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. (art. 14, §1º, do ECA – Lei n. 8069/90).

E no caso da COVID-19, a vacinação também poderá ser obrigatória?

SIM. Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, poderão ser adotadas, entre outras, as seguintes medidas: d) vacinação e outras medidas profiláticas (art. 3º da Lei n. 13.979/2020).

Se a União não determinou obrigatoriedade, o Estado ou Município pode obrigar a vacinação de crianças e adolescentes?

SIM. A efetivação do direito à saúde é concorrente entre os entes, razão pela qual deve ser observada a autonomia dos entes. Art 23, I c/c 198, I da Constituição da República.

Segundo o Supremo Tribunal Federal, as medidas de proteção à saúde seguem a lógica do constitucionalismo horizontal. Desse modo, qualquer dos entes podem adotar medidas sanitárias nos seus limites, independente da União. (STF: ADIs n. 6341 & 756)

Os pais podem ser obrigados a vacinarem seus filhos?

SIM. Segundo o artigo 29 do Decreto n. 78231/76, “É dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha a guarda ou responsabilidade, à vacinação obrigatória“.

Todas as crianças estão obrigadas a serem vacinadas? Existem exceções para vacinação?

Só será dispensada da vacinação obrigatória, a pessoa que apresentar Atestado Médico de contraindicação explícita da aplicação da vacina. (Decreto n. 78231/76 Art. 29. Parágrafo Único).

Mas a vacina para crianças não é de caráter experimental?

NÃO. As vacinas pediátricas não são “experimento”. Não há que se falar em cobaia ou fase de testes, uso emergencial. Isso porque, as vacinas pediátricas da Pfizer (aplicada no Brasil), Coronavac e Astrazenica já possuem a autorização definitiva para utilização. A Janssen já é usada na Europa para crianças. Portanto, o tratamento vacinal disponível para crianças não é experimental.

Os pais podem deixar de vacinar seus filhos sob o argumento da consciência filosófica ou exercício da liberdade de consciência?  

NÃO. A obrigatoriedade da vacina não caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar. STF – Tese 1103 – ARE 1267879. Logo, a escusa imotivada ou baseada em convicções filosóficas não prevalece.

Os pais podem ser multados pode deixarem de vacinar seus filhos?

SIM. Descumprir, dolosa ou culposamente, os deveres inerentes ao pátrio poder, poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda, bem assim determinação da autoridade judiciária ou Conselho Tutela pode resultar em multa de três a vinte salários de referência, aplicando-se o dobro em caso de reincidência (art. 249 do ECA).

A recusa dos pais pode configurar crime?

SIM. A recusa imotivada dos pais pode confirmar o crime de Infração de medida sanitária preventiva Código Penal: Art. 268. Infringir determinação do poder público, destinada a impedir introdução ou propagação de doença contagiosa: Pena – detenção, de um mês a um ano, e multa.

Portanto, qualquer ente público pode impor a vacinação obrigatória às crianças, pois inexiste o direito dos pais em contrariar à efetivação do direito à saudade dos filhos, pois estes são sujeitos de direitos.

MEU PITACO:

As escolas públicas podem condicionar à matricula das crianças ao passaporte vacinal?

Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei – Ar.t 5º, da CRFB.

A Portaria n. 597/2004 do Ministério da Saúde prevê no § 2º do art. 5º a obrigatoriedade de se apresentar o cartão de vacinação com as vacinas elencadas no Plano Nacional de Imunização para matricular em creches, pré-escola, ensino fundamental, ensino médio e universidade. Como a vacina contra o coronavírus não está elencada no PNI, em tese, não é possível que as escolas exijam, por conta própria, o cartão de vacinação contra a Covid-19.

Por outro lado, o Supremo Tribunal Federal (ADI n. 6586) decidiu que a União, os Estados e Municípios podem adotar medidas indiretas para determinar a vacinação compulsória, desde que haja previsão diretamente na lei ou decorra da lei. Logo, o passaporte vacinal só poderá ser condicionante para matricula escolar nos Estados ou Municípios em que houver lei que autorize restringir o acesso de crianças e adolescentes às escolas.

O tempo transcorrido após o crime gera o dever de exclusão da matéria jornalística pela imprensa?

9/ fevereiro / 2022 Deixe um comentário

O direito à liberdade de imprensa não é absoluto, devendo sempre ser alicerçado na ética e na boa-fé, sob pena de caracterizar-se abusivo.

O Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento que o exercício da imprensa deve pautar-se em três pilares: (I) dever de veracidade, (II) dever de pertinência e (III) dever geral de cuidado.

Decerto, o exercício do direito à liberdade de imprensa será considerado legítimo se o conteúdo transmitido for verdadeiro, de interesse público e não violar os direitos da personalidade do indivíduo noticiado.

Qualquer inobservância que resulte em ofensa a direito da personalidade da pessoa objeto da comunicação, surgirá para o ofendido o direito de ser reparado.

Nessa toada, fatos relativos à esfera penal evidenciam o interesse público na notícia. Portanto, ainda que a notícia interfira negativamente na vida profissional do noticiado,  se a divulgação do fato pela imprensa não teve o propósito de ofender a honra, não há que falar em abuso da liberdade de imprensa.

O tempo transcorrido desde a ocorrência do fato é capaz, por si só, de justificar a imposição do dever de proceder à exclusão da matéria jornalística?

O STJ mudou o entendimento. Antes, afirmou-se que os efeitos jurídicos da passagem do tempo, faria com que o Direito estabilizasse o passado e conferisse previsibilidade ao futuro por meio de diversos institutos (prescrição, decadência, perdão, anistia, irretroatividade da lei, respeito ao direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada)

Todavia, agora em apreço ao entendimento do Supremo Tribunal Federal (Tema 786), o Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento que o simples decurso ido tempo não é capaz de justificar a atribuição da obrigação de excluir a publicação relativa a fatos verídicos.

STJ – Informativo n. 723 – REsp 1.961.581-MS (3ª Turma)

Confira a tese aprovada pelo STF (Tema 786 – 10/02/2021):

É incompatível com a Constituição Federal a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social – analógicos ou digitais. Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais, especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral, e as expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e civel”

Categorias:Constitucional, Penal

Libertação do campo de concentração Auschwitz & E o Direito à memória

30/ janeiro / 2022 Deixe um comentário

No dia 27 de janeiro de 1945, ocorreu a Libertação do campo de concentração Auschwitz

Antes go holocausto (5, 10 anos), ninguém imaginava que o maior extermínio humano aconteceria.

Tempos depois, podemos refletir quais fatores influenciaram para tal bárbarie?

Foi uma escalada de fanatismo, de nacionalismo exarcebado e pregação do diferente como uma armação que culminaram na matança.

Não custa lembrar que a justificativa inicial para o campo de extermínio foi a criação de uma prisão para inimigos políticos

A necessidade de relembrar o holocausto é fundamental para que tal fato não ocorra novamente. Banalizar o holocausto não é apenas negar sua existência, mas ignorar os sentimentos que levaram a si o ocorrência

A COMUNIDADE JUDAICA NO BRASIL JÁ IDENTIFICOU MAIS DE 10 MIL PESSOAS QUE SE MANIFESTARAM (MEIO DE COMUNICAÇÃO, REDES SÓCIOS, EVENTOS PRESENCIAIS), OU ATÉ MESMO DIRETAMENTE AOS JUDEUS, NEGANDO OU JUSTIFICANDO O HOLOCAUSTO.

A BANALIZAÇÃO DO HOLOCAUSTO NÃO É ALGO CONTRA OS JUDEUS, MAS BANALIZAÇÃO DO SOFRIMENTO HUMANO.
O FANATISMO ATUAL, VER A DIVERSIDADE COMO AMEAÇA, O DESEJO EM ANIQUILAR O DIFERENTE, O NACIONALISMO EXARCENBARDO E RETÓRICO SÃO ELEMENTOS PRESENTES NA NOSSA SOCIEDADE.

ONTEM, FORAM OS NEGROS, OS JUDEUS….
E HOJE?
TODO CUIDADO É POUCO!

É POSSÍVEL REVOGAR (“cancelar”) O RECONHECIMENTO DE UM FILHO?

25/ novembro / 2021 Deixe um comentário

Imagine que alguém reconhece como seu filho, alguém que acredita ter vinculo biológico. No entanto, tempos depois, descobre que não possui tal ligação genética, razão pela qual deseja “anular”, “cancelar a paternidade. Isso é possível?

OLHA SÓ! O reconhecimento do vínculo de filiação, com o consequente registro civil é irrevogável (art. 1609 do Código Civil).

Logo, via de regra, a anulação da paternidade do registro será EXCEPCIONAL. Assim, o Superior Tribunal de Justiça exige 03 (três) requisitos para que seja permitida a anulação do registro de paternidade:
i) Inexistência do vínculo biológico
ii) prova robusta no sentido de que o pai foi de fato induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto e
iii) inexistência de relação socioafetiva entre pai e filho.

Confira julgados do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido:

“não há erro no ato daquele que registra como próprio filho que sabe ser de outrem, ou ao menos tem sérias dúvidas sobre se é seu filho”. Portanto, é preciso que, no momento do registro, o indivíduo acreditasse ser o verdadeiro pai biológico da criança – (REsp 1.383.408/RS, Terceira Turma, DJe 30/05/2014).

“o assentamento no registro civil a expressar o vínculo de filiação em sociedade nunca foi colocado tão à prova como no momento atual, em que, por meio de um preciso e implacável exame de laboratório, pode-se destruir verdades construídas e conquistadas com afeto” (REsp 1.003.628/DF, 3a Turma, DJe 10/12/2008).

Decerto, a divergência entre a paternidade biológica e a declarada no registro de nascimento não é apta, por si só, para anular o ato registral, dada a proteção conferida a paternidade socioafetiva (STJ – REsp 1.829.093-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 01/06/2021)

Categorias:Famílias, Geral