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É possível o abate de animais em situação de maus tratos?
Por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal decidiu proibir o abate de animais silvestres ou domésticos apreendidos em situação de maus tratos – ADPF n. 640.
Segundo o Ministro Gilmar Mendes, a Constituição não autoriza abate de animais apreendidos em situação de maus tratos. No mesmo sentido, o parágrafo 2º do artigo 25 da Lei 9.605/98 firma o dever do poder público de zelar pelo “bem estar físico” dos animais apreendidos, até a entrega às instituições adequadas como jardins zoológicos, fundações ou entidades assemelhadas.
Portanto, instrumentalizar a proteção constitucional à fauna e de proibição de práticas cruéis (Artigo 225, parágrafo 1º, VII, da CF/88), de forma a permitir tais medidas inverteria a lógica de proteção dos animais apreendidos em situação de maus tratos para estabelecer, como regra, o abate.
Assim a ADPF foi julgada procedente, de forma a declarar a ilegitimidade da interpretação dos artigos 25, §§1º e 2º da Lei 9.605/1998, bem como dos artigos 101, 102 e 103 do Decreto 6.514/2008.
A transmissão de sinal de internet sem autorização da ANATEL é crime?
A transmissão de sinal de internet, via cabo, sem autorização da
ANATEL, configura o delito do artigo 183 da Lei Federal n. 9.472/97,
ainda que se trate de serviço de valor adicionado.
Trata-se de crime formal ou material?
O delito previsto no art. 183 da Lei Federal n. 9.472/97 é crime formal, de perigo abstrato, torna-se irrelevante a ocorrência de dano concreto causado pela conduta do agente.
O princípio da insignificância é aplicado ao crime?
Não se aplica o princípio da insignificância a casos de transmissão clandestina de sinal de internet via radiofrequência, que caracteriza o fato típico previsto no art. 183 da Lei n. 9.472/1997. (Súmula 606-STJ)
REFERÊNCIAS: STJ – AgRg no REsp 1862603/RJ; AgRg no REsp 1803359 /MG.
O silêncio parcial é possível?
O interrogatório é o momento ótimo do acusado, o seu ‘dia na Corte’ (day in Court) e possui duas partes.
A primeira parte é destinado a identificação do acusado. Em seguida, as perguntas estão relacionadas ao mérito.
Quanto ao direito ao silêncio, este pode ser mitigado em relação tão somente ao momento da identificação. “A primeira parte do interrogatório não se relaciona com o direito de não produzir prova contra si. Assim, o réu não pode atribuir a si identidade diversa, sob o risco de incorrer no crime de falsa identidade – Art. 307 do CP. Nesse sentido, “o direito a não se autoincriminar diz respeito ao mérito da pretensão punitiva, não à identificação do investigado/acusado’ (RHC 126.362/BA, Sexta Turma, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, DJe 29/09/2020, grifei).
Quanto às perguntas do mérito (segunda parte do interrogatório), esta é a única oportunidade, ao longo de todo o processo, em que o acusado tem voz ativa e livre para, se assim o desejar, apresentar sua versão dos fatos (rebater os argumentos, narrativas e provas do órgão acusador, apresentar álibis, indicar provas, justificar atitudes).
Destarte, o interrogatório é o momento do réu em que este pode silenciar ou afirmar tudo o que lhe pareça importante para a sua defesa, além, é claro, de responder às perguntas que quiser responder, de modo LIVRE, DESIMPEDIDO e VOLUNTÁRIO.

O RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO AUTORIZA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA?
O que é o reconhecimento?
É o ato de identificar o acusado como sendo o autor do fato criminoso apurado no processo penal.
O reconhecimento é um ato formal, no qual devem ser observadas as cautelas previstas no artigo 225 do Còdigo de Processo Penal:
CPP- Art. 226. Quando houver necessidade de fazer-se o reconhecimento de pessoa, proceder-se-á pela seguinte forma:
I – a pessoa que tiver de fazer o reconhecimento será convidada a descrever a pessoa que deva ser reconhecida;
Il – a pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la;
III – se houver razão para recear que a pessoa chamada para o reconhecimento, por efeito de intimidação ou outra influência, não diga a verdade em face da pessoa que deve ser reconhecida, a autoridade providenciará para que esta não veja aquela;
IV – do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas testemunhas presenciais.
Parágrafo único. O disposto no no III deste artigo não terá aplicação na fase da instrução criminal ou em plenário de julgamento.
Todavia, ainda na fase investigatória, nem sempre é possível que o autor do fato seja facilmente identificado pela vítima. Isso porque, geralmente nos crimes patrimoniais, por exemplo, não conhecemos o agente criminoso.
Diante dessa situação, e corroborando com a delinquência urbana que muitas vezes é marcada pela reincidência e habitualidade criminosa, as delegacias de polícia, diante da notícia de um crime somada ao modus operandi, localização do fato, oferecem fotografias com imagens de pessoas que já praticaram crimes naquela localidade e/ou daquela forma.
Contudo, é necessário deixar claro que tal forma de reconhecimento está em desconformidade com a previsão legal. Além disso, é grande a chance da indicação fotográfica apontar para alguém que não possui qualquer relação com o crime, haja vista a semelhança entre pessoas da mesma etnia, a emoção da vítima e, até mesmo, os preconceitos existentes na comunidade.
Nessa toada, registra-se que levantamento realizado pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro revelou que entre junho de 2019 e março/2020, houve 58 erros no reconhecimento fotográfico no Rio de Janeiro, dos quais 70% dos acusados injustamente eram negros. Outros 17% eram brancos e 13% não tinham essa informação. As vítimas dos erros acabaram processadas e até presas sem nenhum envolvimento com o crime que lhes era imputado. (Mais detalhes confira: https://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2020/09/racismo-reconhecimento-criminal-foto/)
Daí, o reconhecimento fotográfico não pode ser fundamento para condenação criminal. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça (HC 598.886):
1. O reconhecimento de pessoas deve observar o procedimento previsto no artigo 226 do Código de Processo Penal, cujas formalidades constituem garantia mínima para quem se encontra na condição de suspeito da prática de um crime
2. À vista dos efeitos e dos riscos de um reconhecimento falho, a inobservância do procedimento descrito na referida norma processual torna inválido o reconhecimento da pessoa suspeita e não poderá servir de lastro a eventual condenação, mesmo se confirmado o reconhecimento em juízo
3. Pode o magistrado realizar, em juízo, o ato de reconhecimento formal, desde que observado o devido procedimento probatório, bem como pode ele se convencer da autoria delitiva a partir do exame de outras provas que não guardem relação de causa e efeito com o ato viciado de reconhecimento
4. O reconhecimento do suspeito por mera exibição de fotografia(s), ao reconhecer, a par de dever seguir o mesmo procedimento do reconhecimento pessoal, há de ser visto como etapa antecedente a eventual reconhecimento pessoal e, portanto, não pode servir como prova em ação penal, ainda que confirmado em juízo
Como se vê, o reconhecimento é ato formal (art. 226 do CPP), de modo que o reconhecimento fotográfico não pode ser base para a condenação criminal
Agora, uma nova questão surge: O RECONHECIMENTO FOTOGRÁFICO PODE SERVIR DE FUNDAMENTO PARA DECRETAÇÃO DA PRISÃO PREVENTIVA?
Segundo o Superior Tribunal de Justiça, embora seja necessário o reconhecimento formal (art. 226 do CP), além do cotejo com outras provas, para a condenação criminal, a decretação da prisão preventiva depende dos requisitos e pressupostos do artigo 312 do CPP, dos quais, quanto à autoria exige apenas.
Assim, o reconhecimento fotográfico, embora não seja considerado para fins de juízo de certeza (condenação criminal), pode servir de lastro para a prisão preventiva, pois é um reconhecimento preparatório e antecedente, não definitivo (HC n. 651.595).
No caso examinado, o Superior Tribunal de Justiça recomendou a realização da confirmação do reconhecimento do paciente perante o juízo, nos moldes do artigo 226 do Código de Processo Penal, no prazo de 60 dias. CONCLUSÃO: O reconhecimento é ato formal (art. 226 do CPP). O reconhecimento fotográfico pode até autorizar a decretação da prisão preventiva, pois é um indício de autoria. De outro lado, jamais servirá de fundamento para a condenação criminal, pois o reconhecimento fotográfico é uma medida antecedente, não o ato em si, pois o reconhecimento só terá validade jurídica quando observadas todas as formalidades que servem para dar certeza ao Estado-Juiz para a condenação criminal.
O contrato de convivência entre companheiros pode ter efeitos retroativos?
O contrato de convivência (ou simplesmente “contrato”) é o documento firmado pelos companheiros para regulamentar as questões patrimoniais da união estável.
Cumpre notar que o contrato não é indispensável para reconhecimento da união estável, pois a essência deste arranjo familiar é a informalidade. Para saber mais sobre o contato de convivência da união estável, clique aqui
Feitas as linhas essenciais sobre o contrato celebrado na união estável, surge a pergunta: O contrato de convivência entre companheiros pode ter efeitos retroativos?
Em 2015, o STJ afirmou que não é lícito aos conviventes atribuírem por contrato efeitos retroativos à união estável elegendo regime de bens para a sociedade de fato – STJ – Recurso Especial n. 1.383.624 – MG (02/06/2015).
No entanto, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina chegou a reconhecer a possibilidade de efeitos retroativos ao contrato de união estável. Confira:
(…) O contrato de convivência pode ser celebrado antes e durante a união estável. Iniciada essa sem convenção do regime patrimonial, o regime de bens incidente, de forma imediata, é o da comunhão parcial (art. 1.725, CC). Realizado pacto intercorrente, esse tem a capacidade de produzir efeitos de ordem patrimonial tanto a partir da sua celebração quanto em relação a momento pretérito à sua assinatura, dependendo de exame o caso concreto. A cláusula que prevê a retroatividade dos efeitos patrimoniais do pacto só deve ser declarada nula quando houver elemento incontestável que demonstre vício de consentimento, quando viole disposição expressa e absoluta de lei ou quando esteja em desconformidade com os princípios e preceitos básicos do direito, gerando enriquecimento sem causa, ensejando fraude contra credores ou trazendo prejuízo diverso a terceiros e outras irregularidades. (Apelação Cível n. 2015.026497-8, Relatora: Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, data da decisão: 18/05/2015, TJ-SC).
Todavia, em Agosto/2021, o Superior Tribunal de Justiça repisou o entendimento:
(…) Conquanto não haja a exigência legal de formalização da união estável como pressuposto de sua existência, é certo que a ausência dessa formalidade poderá gerar consequências aos efeitos patrimoniais da relação mantida pelas partes, sobretudo quanto às matérias que o legislador, subtraindo parte dessa autonomia, entendeu por bem disciplinar. 5- A regra do art. 1.725 do CC/2002 concretiza essa premissa, uma vez que o legislador, como forma de estimular a formalização das relações convivenciais, previu que, embora seja dado aos companheiros o poder de livremente dispor sobre o regime de bens que regerá a união estável, haverá a intervenção estatal impositiva na definição do regime de bens se porventura não houver a disposição, expressa e escrita, dos conviventes acerca da matéria. 6- Em razão da interpretação do art. 1.725 do CC/2002, decorre a conclusão de que não é possível a celebração de escritura pública modificativa do regime de bens da união estável com eficácia retroativa, especialmente porque a ausência de contrato escrito convivencial não pode ser equiparada à ausência de regime de bens na união estável não formalizada, inexistindo lacuna normativa suscetível de ulterior declaração com eficácia retroativa. 7- Em suma, às uniões estáveis não contratualizadas ou contratualizadas sem dispor sobre o regime de bens, aplica-se o regime legal da comunhão parcial de bens do art. 1.725 do CC/2002, não se admitindo que uma escritura pública de reconhecimento de união estável e declaração de incomunicabilidade de patrimônio seja considerada mera declaração de fato pré-existente, a saber, que a incomunicabilidade era algo existente desde o princípio da união estável, porque se trata, em verdade, de inadmissível alteração de regime de bens com eficácia ex tunc. 8- Na hipótese, a união estável mantida entre as partes entre os anos de 1980 e 2015 sempre esteve submetida ao regime normativamente instituído durante sua vigência, seja sob a perspectiva da partilha igualitária mediante comprovação do esforço comum (Súmula 380/STF), seja sob a perspectiva da partilha igualitária com presunção legal de esforço comum (art. 5º, caput, da Lei nº 9.278/96), seja ainda sob a perspectiva de um verdadeiro regime de comunhão parcial de bens semelhante ao adotado no casamento (art. 1.725 do CC/2002). 9- Recurso especial conhecido e parcialmente provido. (STJ – REsp: 1845416 MS 2019/0150046-0, Relator: Ministra Nancy Andrighi , Data do julgamento:17/08/2021)
Como se vê, segundo o STJ, é impossível reconhecer retroatividade ao contrato de convivência da união estável no tocante à alteração de regime de bens, pois no período anterior vigorou regime de bens diverso, ainda que inexistente contrato, pois no silêncio dos envolvidos, a relação convivencial é regulamentada pelo regime da comunhão parcial de bens, nos termos do artigo 1725 do Código Civil.
DOUTOR GAMA: É possível aprender no cativeiro

É possível aprender no cativeiro.
Luiz Gama viveu há menos de 200 anos. Vendido, escravizado e com todas as situações propícias para que fosse mais uma vítima da sociedade preconceituosa é acostumada a negar direitos.
No entanto, Gama descobriu no conhecimento a oportunidade de mudar sua história. Contrariando regras, aprendeu a ler e a escrever, encontrou Antônio – alguém que decidiu o ajudar, mesmo sabendo que nada receberia em troca (a verdadeira solidariedade).
Daí, Luiz Gama percebeu que aquilo tinha aprendido não serviria apenas para si, mas só faria sentido se fosse utilizado para trazer transformação social, mudança na vida dos outras pessoas.
Ao assistir “Doutor Gama”, somos advertidos que a simples existência da lei não garante a efetivação de direitos, que muitos praticam crimes e atrocidades em nome da “liberdade”, somos inspirados a acreditar que é possível aprender no cativeiro, somos estimulados a conquistar nas adversidades, a mudar a jornada da nossa existência e contribuir para que os outros descubram a esperança de ser livre.
Ousemos ser “Gama” para termos coragem de mudar o rumo da nossa existência. Sejamos “Antônio” para estender a mão a quem quer viver uma nova realidade, quem sonha com dias melhores.
O filho pode “tirar do registro” o nome do pai ou da mãe?
O reconhecimento de filho é um ato jurídico stricto sensu unilateral, cujos efeitos jurídicos decorrem pura e simplesmente de lei. No entanto, a relação paterno-filial envolve aspectos existenciais e patrimoniais.
Destarte, a exigência de consentimento do filho maior, bem como a possibilidade de impugnação é medida protetiva ao ser humano.
Como se percebe, o reconhecimento de filho é um ato unilateral receptício, pois depende da aceitação da outra parte. Isso porque, o ato de reconhecimento é o que predomina nessa hipótese. Assim, o artigo 1.614 do Código Civil exige o consentimento do filho maior para que este seja reconhecido pelo pai interessado. Da mesma forma, possibilita que o filho, após o alcance da maioridade ou emancipação impugne o reconhecimento já feito.
Quanto ao prazo decadencial assinalado de 04 (quatro) anos, este merece melhor exame. Ora, por envolver questão referente ao estado de pessoas e à dignidade humana, relacionado ao direito à busca da verdade biológica e ao direito fundamental à filiação, não é possível estabelecer termo decadencial ou prescricional à dignidade da pessoa humana.
Obtempere-se, por oportuno, que a possibilidade de impugnação ganha relevo quando não fora desenvolvida parentalidade socioafetiva, posse de estado de filho, nem vínculo de afeto foi formado.
O Superior Tribunal de Justiça não limita a impugnação judicial da paternidade ao prazo de 04 (quatro) anos, restringindo a incidência do lapso temporal para impugnações administrativas. Nessa linha:
“O prazo decadencial de 4 anos estabelecido nos arts. 178, § 9º, inc. VI e 362 do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 1.614 do Código Civil atual) aplica-se apenas aos casos em que se pretende, exclusivamente, desconstituir o reconhecimento de filiação, não tendo incidência nas investigações de paternidade, hipótese dos autos, nas quais a anulação do registro civil constitui mera consequência lógica da procedência do pedido. Precedentes da 2ª Seção” (STJ, Ag. Rg. no REsp 1.259.703/MS, 4.ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 24.02.2015, DJe 27.02.2015).
“O prazo do artigo 1.614 do Código Civil refere-se ao filho que deseja impugnar reconhecimento de paternidade, e não à ação de investigação desta. Ademais, o prazo previsto no artigo supracitado vem sendo mitigado pela jurisprudência desta Corte Superior” (STJ, AgRg no Ag 1.035.876/AP, 3.ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 04.09.2008, DJe 23.09.2008).
Como se vê, a legislação e a jurisprudência reconhecem o direito contemporâneo, o qual homenageia a liberdade e autodeterminação existencial do ser humano, de modo que a ninguém pode ser imposto ter como pai a quem não aceita como o tal, da mesma forma não impõe limite temporal para manifestação de um direito existencial.
JUSTIÇA – O sistema de justiça & a desumanização
“Justiça” evidencia a rotina do sistema de justiça que burocratiza os envolvidos em uma rotina que tenta nos tirar o principal: A humanidade.

Atuar no sistema de justiça brasileiro tem sido cada vez mais superficial e despreocupado das reais necessidades do indivíduo.
Ledo engano é pensar que o processo de indignidade é exclusivo do processo penal. Isso já superou os muros da justiça criminal, alcança muitas vezes, processos indenizatórios por abalo a direitos da personalidade, conflitos familiares, até mesmo as salas de aula dos cursos de Direito.
É preciso refletir e compreender que a exclusão da sujeira dos humanos depende da inclusão e reconhecimento que a realidade faz parte de nós.
A exclusão, o preconceito e o sentimento de superioridade são formas de aumentar a marginalidade social, jamais promoverão inclusão e ressocialização.
“Justiça” é um alerta para que nós, personagens do sistema de justiça, compreendamos que desumanizar o outro sujeito processual, rotinizar friamente o nosso papel, atenta contra a nossa própria dignidade, pois nos arranca a empatia, a sensibilidade e outros atributos exclusivos do ser humano.
A desumanização no sistema de justiça não ocorre somente de forma dolosa, mas imperceptível, espontânea.
Permitir que isso aconteça é violar a própria dignidade da pessoa humana de todos envolvidos, é abdicar de ser humano, é deixar de ser gente.
Disponível no NETFLIX
É POSSÍVEL O RESTABELECIMENTO DO PODER FAMILIAR?
O poder familiar consiste no conjunto de atribuições (poderes e deveres) na relação entre pais e filhos.
Na atualidade, a doutrina adverte que a compreensão constitucional do Direito das Famílias indica que o termo mais adequado seria de “função parental”, uma vez que o exercício se manifesta em deveres, como se depreende do artigo 1634 do Código Civil.
Estão sujeitos ao poder familiar, os menores de 18 (dezoito) anos de idade – art. 1631 do Código Civil.
Todavia, caso os pais descumpram os deveres inerentes à criação e cuidado aos filhos, a perda do poder familiar se configurará, a qual ocorrerá, necessariamente, mediante decisão judicial. Confira a legislação atinente:
Art. 24 da Lei 8.069/90: A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.
No mesmo sentido, o artigo 1.638, V do Código Civil (CCB/02): Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: II – deixar o filho em abandono”.
Como se vê, afora o caso de decisão judicial, todas as hipóteses de extinção do poder familiar são ocorrências naturais do ciclo da vida e que não retornam por questões de lógica. Lado outro, a perda do poder familiar possui caráter sancionatório, pois decorre da violação dos deveres impostos pela legislação.
Registre-se, ainda, que que a destituição do poder familiar depende de procedimento específico para sua decretação, previsto no artigo 155 da Lei n. 8069/90.
Ocorre que é preciso enfrentar o seguinte questionamento: Uma vez destituído o poder familiar, é possível restabelecer o poder familiar?
Em prima facie, poder-se-ia afirmar que a perda do familiar seria permanente, definitiva. No entanto, como já diferenciado acima, a extinção é modalidade natural de encerramento do poder familiar, como se extrai das hipóteses do artigo 1635 do Código Civil (dos pais ou do filho; pela emancipação; pela maioridade; pela adoção; por decisão judicial).
No entanto, repise-se, a perda do poder familiar possui caráter sancionatório, decorrente do descumprimento do dever inerente à função parental. Por ser pena, por analogia, deve se atentar à vedação constitucional das penas de caráter perpétuo (artigo 5º, XLVIII, “b”, da CRFB). Logo, cessado o motivo ensejador da perda, é possível o seu restabelecimento.
Cumpre notar que a reversão da decisão que destituiu o poder familiar, permite a reinserção da criança em sua família natural, de forma a efetivar o direito fundamental à convivência familiar – art. 227 da CRFB.
Ora, se à época da destituição haviam causas para sua decretação, cessado o fundamento autorizador, é possível a reintegração da criança no seio familiar, e consequentemente, o restabelecimento do poder familiar, conforme entendimento jurisprudencial:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. ECAE PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REESTABELECIMENTO DE PODER FAMILIAR. COISA JULGADA. OFENSA. – INTERLOCUTÓRIO DE AFASTAMENTO NA ORIGEM. RECUSO DO MP. (1) DESTITUIÇÃO PASSADA EM JULGADO. REESTABELECIMENTO DO PODER FAMILIAR. AJUIZAMENTO POSSÍVEL. AÇÕES DISTINTAS. CAUSAS DE PEDIR DISTINTAS. – É possível o ajuizamento de ação de reestabelecimento do poder familiar após sentença definitiva de destituição poder familiar após sentença definitiva de destituição porque seus elementos identificadores são distintos, notadamente as causas de pedir: a retomada funda-se na ausência de adoção, na melhora do quadro social, e na manutenção dos vínculos; já na destituição, o contexto era diemetralmente opostos. (2) DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. REVERSIBILIDADE. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. MELHOR INTERESSE. PRIORIZAÇÃO DA REINTEGRAÇÃO À FAMÍLIA NATURAL (EXEGESE DO §1º DO ART. 39 DO ECA). AFETIVIDADE POSSIVELMENTE RESTAURADA ENTRE PAI E FILHOS. SEGUIMENTO DA MARCHA PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO – A interpretação conjugada dos dispositivos contidos no Estatuto da Criança e do Adolescenteinduz à compreensão de que a única medida irreversível é a adoção, consoante disciplina o seu §1º do artigo 39ao preceituar: “A adoção é medida excepcional e irrevogável,à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo únicodo art. 25desta Lei”. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJ/RS: AI 2015049497 Turvo 2015.044949-7. Quinta câmara de Direito Civil. Desembargador Relator Henry Petry Junior. Julgado em 18 de Abril de 2016).
Percebe-se que a única sentença capaz de fazer romper os laços de parentesco definitivamente é aquela que permite a colocação da prole, por meio de adoção, em família substituta.
Importante, neste momento, diferenciar os conceitos de averbação e cancelamento de registros: “Averbar é fazer constar na folha de um registro todas as ocorrências que, por qualquer modo, o alterem”. Já o cancelamento, torna sem efeito jurídico o registro anterior. Nos termos do Estatuto, com a adoção, não só há o cancelamento do registro original, como a confecção de novo, estabelecendo assim novos vínculos de parentesco, agora em relação aos adotantes e adotados. (VIEIRA JUNIOR; MELOTTO, 2011, p. 34).
Na doutrina, Luiz Carlos de Azevedo, citado por Vieira Júnior e Melotto, trata que:
“Ao declarar a suspensão do poder familiar, a sentença deverá estabelecer o tempo de sua duração, pois se trata de medida de caráter temporário, a qual cessará após o termo de sua vigência, retornando a situação ao estado anterior. O mesmo não acontece com a destituição do poder familiar, a qual é determinada em caráter permanente. Tanto no primeiro caso como no segundo, todavia, tais sentenças referem-se à relação jurídica continuativa, de sorte que, se sobrevier modificação no estado de fato ou de direito, poderão as partes requerer a revisão do que ficou estatuído no julgado. Em tais condições, poderão requerer a cessação da suspensão, antes do término do prazo fixado na sentença, ou a restituição do direito ao poder familiar, assim fixado na sentença, ou a restituição do direito ao poder familiar, assim procedendo por meio de ação própria, na qual deverão demonstrar que os motivos que autorizam a suspensão ou a perda já não mais subsistem. (…) Em um caso, no entanto, esta revisão ou modificação da situação, com fundamento da cláusula rebus sic stantibus, já não mais poderá ocorrer: isto é, quando, após a perda do poder familiar, seguiu-se a adoção da criança ou do adolescente, por meio da qual se transferiu aquele direito em caráter definitivo aos pais adotivos. No momento em que consumada a adoção, ingressou o menor na família do adotante, fez parentesco com os demais membros da família, desfez-se, por completo, o vínculo que existia com a família natural. A irrevogabilidade do decreto de adoção (art. 48 do Estatuto) e o atributo e condição de filho do adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive os sucessórios, desligando-se por completo de qualquer vínculo que possuía com os pais naturais (art. 41 do Estatuto), tornando impossível o retorno à situação anterior. (CURY, Munir et al (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, 11.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 767)”. (VIEIRA JUNIOR; MELOTTO, 2011, p. 35) [grifou-se].
No mesmo sentido, Silvio Rodrigues afirma sobre a possibilidade de restituição do poder familiar: “Tanto assim é que, cessadas as causas que conduziram à suspensão ou destituição do poder familiar e transcorrido um período mais ou menos longo de consolidação, pode o poder paternal ser devolvido aos antigos titulares”. (Direito Civil: Direito de Família, 28ª edição, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 369, v.6).
Como se vê. a restituição do poder familiar atende aos fins sociais da norma (artigo 6º da Lei n. 8069/90), na medida em que resgata o direito fundamental à convivência familiar, o que materializa o melhor interesse da criança.
APELAÇÃO CÍVEL. ECA. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. PROTEÇÃO INTEGRAL E PRIORITÁRIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA EXTINTIVA. 1. A atenta e sistemática leitura dos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente permite concluir que apenas a adoção tem caráter irrevogável, porque expressamente consignado no § 1º do art. 39. Diante do silêncio da lei acerca do restabelecimento do poder familiar, também se pode concluir, a contrário senso, pela possibilidade da reversão da destituição do poder familiar, desde que seja proposta ação própria para tanto, devendo restar comprovada a modificação da situação fática que ensejou o decreto de perda do poder familiar. Desse modo, impõe-se a desconstituição da sentença que extinguiu o processo por impossibilidade jurídica do pedido. 2. À luz da doutrina da proteção integral e prioritária dos direitos da criança e do adolescente preconizada pelo ECA, a intervenção do Estado deve atender prioritariamente aos superiores interesses dos menores, nos termos do art. 100, inc. II e IV, do ECA, de modo que, caso o retorno dos menores ao convívio materno se mostre a medida que melhor atenda aos seus interesses, não há motivos para que se obste tal retorno, com a restituição do poder familiar pela genitora, mormente porque os menores não foram encaminhados à adoção. 3. Trata-se, no caso, de uma relação jurídica continuativa, sujeita, portanto, à ação do tempo sobre seus integrantes (tal qual ocorre com as relações jurídicas que envolvem o direito a alimentos). Logo, a coisa julgada, formal e material, que antes se tenha produzido, fica preservada desde que as condições objetivas permaneçam as mesmas (cláusula rebus sic stantibus). No entanto, modificadas estas, outra poderá ser a decisão, sem que haja ofensa à coisa julgada. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70058335076, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 22/05/2014). Conforme se depreende das decisões, o restabelecimento do poder familiar é medida plenamente possível e adequada, sobretudo quando a criança ainda não foi adotada, pois prestigia o melhor interesse da criança o direito fundamental à convivência familiar.
A PROPRIEDADE E A ENTREGA DA COISA: O constituto possessório e tradito brevi manu
Nas pesgadas do artigo 1267 do Código Civil, a propriedade é transferida no momento da tradição.
O que é a tradição?
Tradição é a forma de aquisição derivada da propriedade móvel, que consiste na efetiva entrega do bem (tradição real), na entrega de alguma coisa que a simbolize, como as chaves entregues ao locatário de um automóvel (tradição simbólica),
Assim, o título de aquisição de um veículo automotor pode ser um contrato de compra e venda, mas a propriedade somente se transmitirá com a tradição do bem. É ledo engano imaginar que o registro junto ao Departamento de Trânsito seja o momento de transferência do domínio, pois trata-se apenas de uma medida adminsitrativa.
Por fim, a tradição consensual pode ocorrer para os bens móveis prevista no artigo 1267, parágrafo único, do Código Civil. Esta consiste em uma forma de tradição consensual ou virtual em que uma pessoa que era titular de um bem em nome próprio passa a possuí-lo em nome do adquirente.
Por fim, na vereda do artigo 1267, paragrafo único, do Còdigo Civil, subentende-se a tradição por intermédio de 02 (dois) institutos:
a) Constituto possessório – “o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório” – a posse permanece com a pessoa, mas a titularidade é perdida – a pessoa deixa de ser proprietário, mas permanece na posse por comodato ou locação.
b) Traditio brevi manu – “quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico”.- ocorre quando a pessoa já se encontra na posse de um bem por ocasião de um negócio jurídico (posse direta) e o adquire, a título gratuito ou oneroso (o locatório compra o bem e passa a ser o proprietário).