CRIPTOIMPUTAÇÃO: Conceito e efeitos no processo penal.
O que é criptoimputação?
A doutrina designa de criptoimputação a inicial acusatória que está contaminada por grave deficiência na narrativa dos fatos imputados, ou seja, situação em que não há a exposição do fato criminoso com a indicação precisa de todas as circunstâncias concretas, que integram a tipicidade da infração penal, restando configurada a inépcia da exordial.
Em outras palavras, fala-se em criptoimputação quando a narração do fato está eivada de grave deficiência, mencionando superficialmente elementos do tipo penal em abstrato e sem os mínimos elementos para a identificação do fato como típico e antijurídico. Segundo Nestor Távora e Rosmar Alencar [1], trata-se de imputação confusa, incompreensível, que dificulta o exercício de defesa .
Quais os efeitos da criptoimputação no processo penal?
Diante da ausência dos elementos mínimos caracterizadores do fato delituoso, o juiz deverá rejeitar a denúncia eivada pela criptoimputação, declarando sua inépcia (art. 395, inc. I, do CPP}, ainda que não arguida pela defesa, uma vez que se refere a pressuposto de constituição e desenvolvimento válido do processo.
Neste sentido, ensina Guilherme Nucci [2]:
“A inépcia da peça acusatória ficará evidente caso os requisitos previstos no art. 41 do CPP não sejam fielmente seguidos. Na realidade, a parte principal da denúncia ou queixa, que merece estar completa e sem defeitos, é a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias. Afinal, é o cerne da imputação, contra o qual se insurge o réu, pessoalmente, em autodefesa, bem como por intermédio da defesa técnica. Se for constatada a falta de aptidão d3 inicial acusatória deve o juiz rejeitá-la de início (art. 395,1, CPP).”
E se a denúncia for recebida? A ausência deverá ser sustentada na resposta à acusação. Daí, ocorrerá a absolvição sumária, com fundamento no artigo 397, III, do CPP, em razão da deficiência na narrativa dos fatos imputados inviabiliza a identificação de sua tipicidade.
E se o réu não for absolvido sumariamente? Será cabível o habeas corpus (forte no art. 647 c/c 648, VI, do CPP), pois a ausência de elementos essenciais à caracterização do fato delituoso é, inevitavelmente, uma causa de nulidade absoluta (art. 564, inc. IV. do CPP).
O Supremo Tribunal Federal compreendeu cabível Habeas Corpus para trancamento de ação penal por falta ou deficiência na exposição do fato:
HABEAS CORPUS. PENAL. PROCESSUAL PENAL. DENÚNCIA. INÉPCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL.
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4. O Código de Processo Penal, no artigo 41, prescreve que a denúncia deverá conter a exposição do fato criminoso, com todas as circunstâncias, a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, a classificação do crime (indicação de rol de testemunhas, se houver), exigências que encontram fundamento na necessidade de o representante do Ministério Público precisar os limites da imputação, possibilitando ao acusado, prima facie, o conhecimento da alegação de infringência à norma incriminadora e o exercício da ampla defesa.
5. O artigo 41 do Código de Processo Penal é de necessária observância, posto que a inépcia da denúncia baseada em descrição do fato delituoso, viola as garantias constitucionais do devido processo legal e do contraditório, integrantes do núcleo essencial do due process of Law. (STF, HC 110015, Rei. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 19/03/2013, DJe 11/04/2013)
Por conseguinte, com o escopo de evitar a criptoimputação, o Ministério Público deve fazer constar da denúncia, de forma precisa e minuciosa, a descrição dos elementos estruturais que integram o tipo penal, prestigiando o princípio da presunção de inocência e o exercício da ampla defesa.
CUIDADO! Nos crimes de autoria coletiva, não é necessária a descrição MINUCIOSA e INDIVIDUALIZADA da ação decada acusado. Basta que o Parquet narre as condutas delituosas e a suposta autoria, com elementos suficientes para garantir o direito à ampla defesa e ao contraditório. Embora não seja necessária a descrição PORMENORIZADA da conduta de cada denunciado, o Ministério Público deve narrar qual é o vínculo entre o denunciado e o crime a ele imputado,sob pena de ser a denúncia inepta. STJ. 5ª Turma. HC 214.861-SC, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 28/2/2012
REFERÊNCIAS:
1. Curso de Processo Penal. Nestor Távora e Rosmar Rodrigues Alencar. Editora Juspodivm. 11ª edição: 2015. Juspodivm. p. 284
2. Manual de Processo Penal e Execução Penal. NUCCI, Guilherme de Souza. 11. ed. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2014, p. 172