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Exercício Regular de Direito: Desforço imediato & Legítima defesa da posse
Hoje, vamos fazer um diálogo entre alguns sistemas do Direito Civil e Direito Penal, uma vez que compreender o direito como um sistema é a maneira mais inteligente de agregar o conhecimento de forma holística e completa. Vamos lá!
A regra é que a tutela dos direitos seja feita através do Poder Judiciário, o qual solucionará o conflito. Todavia, o sistema jurídico permite em alguns momentos que o passuidor exerça diretamente a proteção da posse. Tratam-se da legítima defesa da posse e do desforço imediato.
Importante, deseja já, ficar esclarecido que a proteção não pode ir além do indispensável à manutenção ou à restituição da posse, isto é, só acontecem no caso de turbação e esbulho.
A TURBAÇÃO da posse é todo fato ou ato impeditivo do livre exercício da posse de um bem pelo seu possuidor.
Por sua vez, no ESBULHO, o impedimento ao livre exercício da posse já se consumou.
Enquanto na turbação se configura a ameaça ao seu livre exercício, no esbulho, a ocupação já foi consumada ou já houve a tomada do bem.
Superados os conceitos iniciais, vejamos a disposição legal sobre o tema, prevista no Código Civil:
CC, Art. 1.210. O possuidor tem direito a ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado.
§ 1 O possuidor turbado, ou esbulhado, poderá manter-se ou restituir-se por sua própria força, contanto que o faça logo; os atos de defesa, ou de desforço, não podem ir além do indispensável à manutenção, ou restituição da posse.
CC, Art. 1.224. Só se considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, quando, tendo notícia dele, se abstém de retornar a coisa, ou, tentando recuperá-la, é violentamente repelido.
A legítima defesa da posse consiste no direito de autoproteção da posse no caso do possuidor, apesar de presente na coisa, estar sendo perturbado. Neste caso, ainda não chegou a haver perda da posse (turbação).
O desforço imediato consiste no direito de autoproteção da posse no caso de esbulho, de perda da posse. A lei apenas permite o desforço imediato se a vítima do esbulho agir imediatamente após a agressão ou logo que possa agir.
O possuidor legítimo ausente só perderá esse direito se não agir logo após tomar conhecimento da agressão à sua posse, ou tentando recuperá-la for.
Sob o enfoque do Direito Penal, o agente que atuar nessas condições estará protegido pela excludente do exercício regular de um direito (artigo 23, III, do Código Penal).
Ora, quem está autorizado a praticar um ato, reputado pela ordem jurídica como o exercício de um direito, age licitamente e não pode sofrer represálias de uma parte do ordenamento.
A REVISÃO CRIMINAL SERIA UMA AÇÃO PENAL INVERTIDA?
A revisão criminal é a ação autônoma que visa impugnar sentença condenatória ou decisão condenatória proferida por Tribunal, que tenha transitado em julgado. Trata-se de exceção à coisa julgada em matéria criminal.
Todavia, é necessário deixar claro que o ajuizamento somente é possível em favor do sentenciado (não existe revisão pro societate).
Nessa ideia, poderia surgir a questão: A revisão criminal seria uma ação penal invertida? O interessado poderia alegar qualquer argumento em seu favor?
A resposta é negativa. Isso porque, a revisão criminal necessita de “fundamentação vinculada” com esteio no artigo 621 do Código de Processo Penal:
Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:
I – quando a sentença condenatória for contrária ao texto expresso da lei penal ou à evidência dos autos;
II – quando a sentença condenatória se fundar em depoimentos, exames ou documentos comprovadamente falsos;
III – quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.
Registra-se que parte da doutrina e jurisprudência indicam a nulidade do processo, como outro cabimento da revisão criminal (artigo 626 do CPP).
Decerto, em face dos requisitos específicos para a admissibilidade da revisão criminal, tal via não é tão ampla, portanto, não se trata de uma nova ação penal invertida, isto é, promovida pelo acusado, razão pela qual se fala que, para a propositura de tal ação, é necessária que ela tenha, em sua petição inicial, uma “fundamentação vinculada”, alusiva “às hipóteses de cabimento da ação”.
Nesse sentido, vejamos o que dizem a doutrina e a jurisprudência brasileira:
“… Mas como a coisa julgada desempenha também um papel de certa relevância para as decisões judiciais condenatórias, compreende-se que a via aberta à revisão criminal não seja assim tão alargada, como se tratasse de uma nova ação penal invertida, isto é, promovida pelo acusado. Por isso, há requisitos mínimos para o ajuizamento de tais ações, a impor que tenham elas fundamentação vinculada…” (Pacelli, Eugênio, Curso de Processo Penal, 16ª Ed., Ed. Atlas).
“… O objetivo da revisão não é permitir uma “terceira instância” de julgamento, garantido ao acusado mais uma oportunidade de ser absolvido ou ter reduzida sua pena, mas, sim, assegurar-lhe a correção de um erro judiciário…” (Nucci, Guilherme de Souza, Código de Processo Penal Comentado, Ed. 2013, Ed. Revista dos Tribunais).
“… Em outras palavras, a revisão criminal exige que a decisão se mostre, a olho desarmado, afrontosa ao texto legal…” (Mucio, Hidejalma, Curso de Processo Penal, 2ª Ed., Ed. Método).
“A finalidade da revisão criminal não é rever a analise de provas colhidas e consideradas válidas para efeito de condenação, pois não se trata de apelação, mas de ação penal autônoma que se discute, na existência de uma sentença condenatória, a ocorrência de uma das hipóteses elencadas no art. 621 do Código de Processo Penal…” (TRF – 1ª Rev. 0014226-59.2011.01.000/MT, Rel. Tourinho Neto, julgado em 10/08/2012).
Como se vê, embora seja exclusivamente em favor do réu, não se pode confundir a revisão criminal como se fosse uma ação penal invertida, na medida em que seu cabimento está vinculado e limitado às hipóteses legais.
Valeu “Seu Nelson”

Extremamente angustiado com o falecido do querido aluno Sr. Nelson. Alguém que quase aos 70 anos de idade compreendeu que a aprendizagem não tem ponto final.
Além de sua disposição e dedicação em aprender, era a marca o “bom humor” que alegrava a todos em aula, o carinho e admiração que tinha pelas meninas da sala.
Com lágrimas nos olhos, lembro das vezes em que ele era o último a sair da sala e me acompanhava até à sala dos professores.
Há cerca de duas semanas, ele me cumprimentou na cantina, me acompanhou até a escada e comentou sobre seu desafio na saúde. Falei que ele era meu exemplo, pois daquela idade, ainda tinha forças para caminhar para faculdade e aprender.
Três Histórias do seu Nelson;
1. Na semana jurídica do ano passado, o encontrei encostado na calçada da faculdade por volta das 22h15. Ele me contou que o carro tinha “pifado”. Eu o ofereci carona. Ele recusou, afirmando que o filho viria buscá-lo.
No dia seguinte, ele me encontra e diz sorrindo: “por que recusei aí carona? Meu filho só chegou quase meia-noite”.
Eu questionei: “o senhor ficou bravo com ele?”
Ele respondeu: “Fiquei nada, ele tinha muita coisa para fazer, eu não tinha nada. O importante é que veio”
2. Em uma aula de sábado, ele chegou quase uma hora atrasado. Fui questioná-lo do atraso. Ele mega irritado disse que o tinham informado da sala errada. Murmurou alto com a turma.
Vinte minutos depois, ele estava fazendo mil gracas para a turma e cortando minha aula com seus comentários salientes e ousados….
3. Em uma das aulas, ele me falou que estava bastante cansado, que pensava em desistir, mas lembrou que ia ter aula de Direito Penal. E, por isso, resolveu vir à faculdade. Ao final, me acompanhou nas escolas e agradeceu pela aula. Disse que tinha pensando em mim e por isso veio, que se tivesse ficado em casa, não tinha aprendido o assunto. Só agradeci e dei um forte abraço.
Hoje, eu, “professor” agradeço o aluno que em um semestre me deu mais lições de vida que o dei. Na verdade, “seu Nelson” é que me ensinava com sua perseverança.
Ao querido “seu Nelson” fica a gratidão por aceitar ser sempre usado de exemplo nas minhas ilustrações em aula.
A todos nós fica o exemplo de nunca desistir dos sonhos e persistir no desejo de buscar o conhecimento, tendo apenas a morte como termo final do desejo de aprender.
Estou certo que o “seu Nelson” estará na minha memória e da querida turma.