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DIREITO AO ESQUECIMENTO: Liberdade de expressão, Direitos da Personalidade e Direito Penal (STJ – Informativo n. 670)

Para começo de conversa, o Direito ao Esquecimento consiste no reconhecimento jurídico à proteção de fatos da vida passada, através da proibição de se ter revelado o nome, a imagem, bem como outras informações relativas à personalidade, de forma indefinida e indiscriminada (Imagine aí: “Eu tenho o direito de não ser lembrado”).

Decerto, a questão envolve na verificação sobre a existência do direito das pessoas em deixarem de serem lembradas por uma conduta passada que, por distintas razões, deve permanecer (apenas) no passado.

Nessa toada, discutirei aqui o Direito ao esquecimento basicamente em 03 (três) aspectos: Liberdade de expressão e direito à informação, Inviolabilidade da honra, intimidade e privacidade, Direito ao esquecimento na esfera criminal.

Ao olhar a Constituição, percebemos que de alguma forma, há proteção para os direitos envolvidos, logo no art. 5º da Constituição. Vejamos: Liberdade de manifestação de pensamento e proibição da censura (art. 5º, IX); Os direitos da personalidade (art. 5º, X) e vedação de pena de caráter pérpetuo (art. 5º, XLVII, “b’).

Como ponderá-los?

O Estado democrático tem como pilar a liberdade de manifestação de pensamento. Falar nisso é compreender que o Estado deve respeitar e se omitir de qualquer postura que impeça a livre manifestação do pensar, refletir e opinar. Não há espaço na democracia para censura ou “filtro” prévio. A liberdade de expressão é um dos pilares da própria cidadania.

E se a manifestação de pensamento violar a honra e a imagem de alguém? Estaremos diante de outros direitos fundamentais: O direito de resposta, sem prejuízo da indenização por dano material e moral (art. 5º, V).

Humm… Então quer dizer que ainda que exista um texto ofendendo alguém o Estado não pode impedir a publicação?

Exatanente. Isso, inclusive, foi objeto de discussão na ADI n. 4815. No caso, O STF reconheceu que não há qualquer necessidade de autorização para publicação de biografia de terceiro, sendo apenas resguardada a indenização material ou moral, em caso de desonra, violação de direitos fundamentais.

Ponto interessante é a análise do direito ao esquecimento no Direito Penal.

Isso porque, os institutos penais são (todos) marcados por limites temporais. Eis porque não existe prisão perpétua (art. 75 do CP), os crimes, em regra, são prescritíveis (art. 109 do CP), previsão da reabilitação após o prazo de dois anos (art. 93 e ss do CP), o efeito depurador da reincidência- limite de 05 (cinco) anos (art. 61, I, do CP). Todos esses institutos existem para garantir a ressocialização do acusado (uma das finalidades da pena) e evitar a perpetuidade da pena (art. 5º, XLVII, “b”).

Alguns casos envolvendo o direito ao esquecimento  repercutiram nacionalmente. Vejamos: O assassinato da Candelária, o caso Aída Jacob Curi (Recurso Especial 1.335.153) e o caso Xuxa Meneghel.

Claro que a imprensa tem o direito de noticiar crimes. Ocorre que a indicação de autores de eventuais delitos merece cautela, uma vez que os efeitos da mídia podem ser mais devastadores e constituir um efeito mais gravoso que a própria pena ao acusado que pode até ser inocentado depois. Assim, ganha relevo o princípio da presunção da inocência sobre o princípio da liberdade de imprensa.

Por ainda não existir certeza de condenação, o investigado/réu deve ser tratado como se inocente fosse (ainda que não seja de fato). Em razão disso, o processo deve guardar internamente o tratamento de inocente e externamente, a imprensa e a comunidade devem ter cautela, até porque pode ser que alguém no processo provará que não teve relação com o crime, Daí, qualquer tratamento diferente produz dano irreparável, uma vez que vida e liberdade são bens jurídicos inegociáveis, não há nada que os repare, porque possui relações temporais.

Nesse sentido, a Lei de Abuso de autoridade (Lei n. 13869/19) – artigos 13 e 38 – considera crime o constrangimento mediante grave ameaça ou violência ou redução de capacidade de resistência de exibição do corpo ou parte dele do investigado, ou situações vexatórias não previstas leis (Art. 13) e qualquer notícia que forme culpa, antes de concluída a apuração e formalizada a acusação (art. 38).

E se for o sujeito já foi condenado? Aí, não há problema, pois o crime já foi esclarecido e ocorre apenas a notícia de um fato, até porque, lembremos, existe o direito do cidadão em ser informado. A liberdade de expressão não existe apenas para imprensa, mas para o cidadão ter conhecimento dos acontecimentos.

Agora, observando o direito à informação e os limites temporais do direito penal, pensemos: Haveria um limite temporal para que a imprensa noticie crimes? O Estado ou particular (imprensa incluída) podem continuar tratando do tema após longo período?

De início, cumprida ou extinta a pena, não constarão da folha corrida, atestados ou certidões fornecidas por autoridade policial ou por auxiliares da Justiça, qualquer notícia ou referência à condenação, salvo para instruir processo pela prática de nova infração penal ou outros casos expressos em lei – art. 202 da Lei n. 7210/84 – Lei de Execução Penal.

Da leitura do texto da Lei de Execução Penal, ao que parece, após a extinção da pena, não há mais que se falar no crime, como se fosse um cobertor da proteção da não-perpetuidade.

Sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal já se manifestou incidentalmente, em alguns casos.

Ao analisar a reincidência penal, Ministro Gilmar Mendes afirmou que “o direito ao esquecimento, a despeito de inúmeras vozes contrárias, também encontra respaldo na seara penal, enquadrando-se como direito fundamental implícito, corolário da vedação à adoção de pena de caráter perpétuo e dos princípios da dignidade da pessoa humana, da igualdade, da proporcionalidade e da razoabilidade” (HC 126.315/ SP, rel. Min Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 15-9-2015).

Por sua vez, em outro julgado, o Ministro Dias Toffoli, “o homem não pode ser penalizado eternamente por deslizes em seu passado pelos quais já tenha sido condenado e tenha cumprido a reprimenda imposta em regular processo penal. Faz ele jus ao denominado ‘direito ao esquecimento’, não podendo perdurar indefinidamente os efeitos nefastos de uma condenação anterior, já regularmente extinta” (RHC 118.977/ MS, rel. Min. Dias Toffoli, 1ª Turma, j. 18-3-2014).

Agora, vejamos o que o Superior Tribunal de Justiça entendeu no julgamento veiculado no Informativo n. 670 (REsp 1.736.803-RJ, julgado em 28/04/2020).

Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a exploração midiática de dados pessoais de egresso do sistema criminal configura violação do princípio constitucional da proibição de penas perpétuas, do direito à reabilitação e do direito de retorno ao convívio social, garantidos pela legislação infraconstitucional, nos arts. 41, VIII e 202, da Lei n. 7.210/1984 e 93 do Código Penal.

Todavia, apesar de haver nítida violação dos mencionados direitos e princípios, apta a ensejar condenação pecuniária posterior (lembre-se: proibição da censura prévia) à ofensa, a tese do direito ao esquecimento não foi acolhida no caso em comento.

O interesse público prepondera quando as informações divulgadas a respeito de fato criminoso notório forem marcadas pela historicidade, permanecendo atual e relevante para a memória coletiva.

Assim, o STJ concluiu que, diante de evidente interesse social no cultivo à memória histórica e coletiva de delito notório, incabível o acolhimento da tese do direito ao esquecimento para proibir qualquer veiculação futura de matérias jornalísticas relacionadas ao fato criminoso, sob pena de configuração de censura prévia, vedada pelo ordenamento jurídico pátrio.

Por outro lado, no mesmo julgamento, ficou registrado que a veiculação de matéria jornalística sobre delito histórico que expõe a vida cotidiana de terceiros não envolvidos no fato criminoso, em especial de criança e de adolescente, representa ofensa ao princípio da intranscendência.

Como se vê, o direito ao esquecimento no Direito Penal não prepondera diante de um crime histórico, em respeito à memória coletiva. Assim, o interesse público à matéria jornalística prepondera sobre o direito à honra e a imagem, quando o assunto envolver crimes históricos. Todavia, a liberdade jornalística não pode abranger a vida cotidiana de terceiros não envolvidos no fato criminoso, sobretudo crianças e adolescentes

Categorias:Constitucional, Geral, Penal
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