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É possível “cancelar” a paternidade registrada diante da descoberta de inexistência de vínculo genético?

Para começo de conversa, devemos lembrar que foi-se o tempo em que a paternidade era apenas um vínculo genético.

Ao longo do tempo, ao afeto passou a ser reconhecido valor jurídico, de forma que a socioafetividade passou a ser critério para vinculo paterno-filial, sem qualquer hierarquia com critério biológico. Aliás, cumpre notar que é perfeitamente possível a coexistência de ambos os critérios de forma simultânea. Tal instituto é conhecido como multiparentalidade (STF – Repercussão Geral 622, Recurso Extraordinário 898.060).

Agora, a questão é outra: Imagine que alguém reconhece como seu filho, alguém que acredita ter vinculo biológico. No entanto, tempos depois, descobre que não possui tal ligação genética, razão pela qual deseja “anular”, “cancelar a paternidade. Isso é possível?

Importante saber que o reconhecimento do vínculo de filiação, com o consequente registro civil é irrevogável (art. 1609 do Código Civil). Logo, via de regra, a anulação da paternidade do registro será excepcional.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça exige 02 (dois) requisitos, a saber: (i) prova robusta no sentido de que o pai foi de fato induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto e (ii) inexistência de relação socioafetiva entre pai e filho.

Quanto ao erro, “para que fique caracterizado o erro, é necessária a prova do engano não intencional na manifestação da vontade de registrar” (REsp 1.383.408/RS, Terceira Turma, DJe 30/05/2014). Nesse mesmo julgado, consignou-se que “não há erro no ato daquele que registra como próprio filho que sabe ser de outrem, ou ao menos tem sérias dúvidas sobre se é seu filho”. Portanto, é preciso que, no momento do registro, o indivíduo acreditasse ser o verdadeiro pai biológico da criança.

Quanto à inexistência de vinculo sociafetivo, é preciso atentar que a constante instabilidade, dinamicidade e volatilidade das relações conjugais na sociedade atual não podem e não devem impactar as relações de natureza filial que se constroem ao longo do tempo e independem do vínculo de índole biológica, pois “o assentamento no registro civil a expressar o vínculo de filiação em sociedade nunca foi colocado tão à prova como no momento atual, em que, por meio de um preciso e implacável exame de laboratório, pode-se destruir verdades construídas e conquistadas com afeto” (REsp 1.003.628/DF, 3ª Turma, DJe 10/12/2008).

Vejamos outros julgados sobre o tema:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. FAMÍLIA, AÇÃO ANULATORIA DE REGISTRO CIVIL (C/2002, ART. 1.604). FALSIDADE IDEOLÓGICA. FILHOS DO AUTOR FALECIDO. LEGITIMIDADE ATIVA. INTERESSADOS. RECURSO PROVIDO. 1. A anulação do registro de nascimento ajuizada com fulcro no art. 1.604 do Código Civil de 2002, em virtude de falsidade ideológica, pode ser pleiteada por todos que tenham interesse em tornar nula a falsa declaração. 2. Recurso especial provido. (REsp 1238393/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚ-JO, QUARTA TURMA, julgado em 02/09/2014, DJe 18/09/2014).

(…) 1. O reconhecimento espontâneo de filho no registro público é irrevogável e ir-retratável, somente podendo ser anulado se maculado por vício de consentimento, como erro, dolo, coação, simulação ou fraude. 2. In casu, ausente a comprovação de vício de consentimento quando do ato registral, aliada à existência de vínculo socioafetivo, impõe-se a improcedência da pretensão inaugural. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, Apelação (CPC) 5043214-70.2018.8.09.0107, Rel. ALAN SEBASTIÃO DE SENA CONCEIÇÃO, 5ª Câmara Cível, julgado em 03/05/2019, DJe de 03/05/2019).

(…) 7. A registro depende não apenas da ausência de vínculo biológico, mas também da ausência de vínculo familiar, cuja análise resta pendente no caso concreto, sendo ônus do autor atestar a inexistência dos laços de filiação ou eventual mácula no registro público. 8. Recurso especial provido.(REsp 1664554/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe
15/02/2019).

Decerto, a divergência entre a paternidade biológica e a declarada no registro de nascimento não é apta, por si só, para anular o ato registral, dada a proteção conferida a paternidade socioafetiva.STJ – REsp 1.829.093-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 01/06/2021

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