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Existe limite mínimo do débito alimentar como condição a autorizar  a prisão civil?

18/ dezembro / 2023 Deixe um comentário

A prisão civil no Brasil é excecional, tendo o seu cabimento em nossa realidade apenas no caso da dívida alimentar. Todavia, a depender do caso, não será a integralidade da dívida que autorizará a coerção pessoal drástica.

Após entendimentos firmados na doutrina e na jurisprudência, o Código de Processo Civil de 2015 passou a dispor que “o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo”, nos termos do artigo 528, §7º, do CPC.

Decerto, da literalidade da lei decorrem duas conclusões. A primeira conclusão é que não será toda e qualquer dívida apta a ensejar prisão como meio coercitivo, pois apenas, no máximo, as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que vencerem durante o processo é que autorização o procedimento de cobrança via prisão. A segunda conclusão é que não é necessário aguardar o inadimplemento de três parcelas alimentares para a cobrança pelo rito da prisão, uma vez que a redação aponta que o débito alimentar que autoriza a prisão civil do alimentante é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores.

Considerando que não há grande polêmica entre o tempo máximo que possa ser instrumentalizado pelo procedimento da prisão civil, uma vez que o legislador apontou o lapso máximo de 3 prestações, além daquelas vencidas durante o curso do processo, passa-se ao exame e argumentação acerca da inexistência ou condição de período mínimo para que o procedimento da coação pessoal seja instrumentalizado. Ora, os artigos 528, §7º e 911 do CPC apenas apontaram limite máximo – até 03 (três) prestações – não mínimo de prestações vencidas. Logo, o inadimplemento de uma única parcela já configura mora e autoriza o uso do meio executório da prisão civil.

Aliás, a limitação a este período nada mais é do que uma estratégia a tentativa de dar efetividade a esse meio coercitivo, não onerando demasiadamente o devedor, de modo a inviabilizar o pagamento, em face do acúmulo de prestações em aberto.

Lado outro, também funciona como proteção ao alimentando que não pode ficar impedido de ter acesso à justiça para satisfazer o direito fundamental aos alimentos, à vida digna. Aliás, caso a interpretação fosse pela existência de uma condicionante mínima temporal de 03 (três) prestações, o credor estaria atuando contra o Duty To Mitigate The Loss, na medida em que ao ter que esperar o vencimento de 03 (três) prestações estaria piorando a situação do devedor que teria que arcar com o pagamento de valor maior para escapar da prisão civil. Nesse cenário, o quadro seria de violação da boa-fé objetiva que impõe o dever de atuar para minorar os prejuízos.

Ademais, importa lembrar da razão de existir da excepcional possibilidade de prisão civil: Os alimentos. Cuidando de natureza alimentar, que nada mais é corolário do direito à vida digna e, considerando que a criação de tal procedimento foi para proteger o alimentando, não é razoável admitir que justamente a lei criada para proteger o direito à vida do alimentando criasse a terrível condição de ter que aguardar o inadimplemento de 03 (três) prestações para acionar o sistema de justiça.

Em consonância com o entendimento exposto, Maria Berenice Dias critica interpretação no sentido de condicionar o procedimento de cobrança dos alimentos via prisão ao inadimplemento de 3 (três) parcelas: “existe a prática – muito difundida e para lá de perversa – de aguardar o inadimplemento de três prestações para a busca do pagamento sob a ameaça de o devedor ir para a cadeia”. (ALIMENTOS: Direito, Ação, Eficácia, Execução, 3ª edição. p.358 – Editora Juspodivm).

No sentido da inexistência de limite mínimo da dívida alimentar para a cobrança pelo procedimento da prisão, o Superior Tribunal de Justiça, estabeleceu a seguinte tese: O atraso de uma só prestação alimentícia, compreendida entre as três últimas atuais devidas, já é hábil a autorizar o pedido de prisão do devedor, nos termos do artigo 528, § 3° do NCPC (STJ – Jurisprudência e Tese – Edição 65, n° 6). Julgados: AgRg no AREsp 561453/SC, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 20/10/2015, DJe 27/10/2015. RHC 056773/PE, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, TERCEIRA TURMA, julgado em 06/08/2015, DJe 10/08/2015

Como se vê, atento a relevância do crédito por alimentos e a necessidade de uma execução mais célere, acompanhada do artigo 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, inexiste limite mínimo do débito alimentar como condição a autorizar  a prisão civil, de modo que reputa-se inviável o tarifamento mínimo de um certo período de inadimplência (três) parcelas como espécie de condição de admissibilidade de execução ou cumprimento de sentença.

A NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DA CONVIVÊNCIA E DA INSUFICIÊNCIA DA CLAUSULA “VISITAS LIVRES” OU “VISITAS MEDIANTE PRÉVIO AVISO”

16/ novembro / 2023 Deixe um comentário

A partir da Constituição de 1988, a convivência familiar passou a ser um direito fundamental da criança e do adolescente. Daí, como sujeito de direitos e a par da Doutrina da Proteção Integral é imperioso que o sistema de justiça tenha compromisso com a eficácia dos direitos fundamentais.

De mais a mais, deve ser preocupação do Judiciário que suas decisões evitem futuros conflitos. Assim, os acordos ou decisões devem funcionar para promoção de direitos humanos.

Atente-se ainda, que a intervenção mínima do Estado na família não impede de modo algum que o Judiciário atue para a proteção do direito de um vulnerável, no caso, a criança e o adolescente, destinatários do melhor interesse. Vale dizer, a autonomia existente nas relações privadas não é argumento para violação de direitos fundamentais, como no caso a convivência familiar da criança. Garantia esta que propicia o integral desenvolvimento de uma criança ou adolescente.

Por oportuno, registra-se o Enunciado n. 603 das Jornadas de Direito Civil: “A distribuição do tempo de convívio na guarda compartilhada deve atender precipuamente ao melhor interesse dos filhos, não devendo a divisão de forma equilibrada, a que alude o $ 2º do artigo 1.583 do Código Civil, representar convivência livre ou, ao contrário, repartição de tempo matematicamente igualitária entre os pais”.

Os argumentos apresentados não buscam tolir a vida das crianças. O que se deseja é que a decisão ou acordo funcionem como verdadeiro plano de parentalidade estabelecendo um parâmetro mínimo de tempo de cada um dos pais. Inclusive para evitar eventuais “desculpas” ou obstáculos para a convivência familiar.

A regulamentação da convivência com dias e horários a servirem de parâmetro entre os pais efetivará o Estatuto da Criança e do Adolescente, especialmente os artigo 18 (É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor e artigo 70 (É dever de todos prevenir a ocorrência de ameaça ou violação dos direitos da criança e do adolescente”).

Conrado Paulino da Rosa manifesta-se também acerca da necessidade de regulamentação da convivência: “Justamente por isso é que se torna inviável a determinação livre do regime de convivência de qualquer dos progenitores com a prole. Considerando que tal direito se trata de garantia fundamental, caso não haja sua observância, poder-se-á macular o integral desenvolvimento de uma criança ou adolescente.” [1]

Cumpre notar que a fixação da guarda compartilhada não gera qualquer óbice à regulamentação da convivência. Ora, a Lei n. 13.058, de 22 de dezembro de 2014, modificou o § 2º do art. 1.583 do Código Civil, para determinar que, na guarda compartilhada, deve ser dividido, de forma equilibrada, entre a mãe e o pai, o tempo de convívio com os filhos, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses destes últimos.

Decerto, a nova determinação legal não diminui a importância da fixação do regime de visitas ou convivência para o atendimento do melhor interesse das crianças, principalmente os de pouca idade. Isso porque a determinação do período de convivência com cada um dos pais permite a organização da rotina da criança, assim como a criação e o cumprimento de suas expectativas. Nesse sentido, o Enunciado N. 605 – CJF: A guarda compartilhada não exclui a fixação do regime de convivência.

Do mesmo modo, a tenra idade da criança não impede que dias e horários de convivência devam ser regulamentados, conforme se extraí do Enunciado n. 671 da IX Jornada de Direito Civil: “A tenra idade da criança não impede a fixação de convivência equilibrada com ambos os pais”.

Portanto, respeitado o equilíbrio determinado pela lei, deve ser estabelecido, sempre que possível, um regime de convívio com dias e horários. Inclusive, tal definição poderá permitir a averiguação do cumprimento ou não do dever de visitas, tanto por parte do que partilha a residência com a criança/adolescente, quanto daquele que tem outro endereço. Com essa interpretação, cumpre-se o art. 1.583 sem violação do art. 1.589, ambos do Código Civil.

Como se vê, a regulamentação da convivência de parâmetros de dias e horários efetiva o artigo 227 da Constituição da República, a Doutrina da Proteção Integral, ao passo que a fixação de “visitas livres” ou “mediante prévio aviso” não incentiva, nem disciplina os pais a desenvolverem uma rotina de convivência com os filhos, o que coloca em risco o direito fundamental da criança à convivência familiar

REFERÊNCIAS:

[1] ROSA, Conrado Paulino da. Direito de Família Contemporâneo. 10a ed. São Paulo. Editora Juspodivm. 2023.

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14 DE AGOSTO – DIA NACIONAL DE CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE A PATERNIDADE RESPONSÁVEL

13/ agosto / 2023 Deixe um comentário

A Lei n. 14623/23 instituiu 14 de agosto como a data comemorativa do Dia Nacional de Conscientização sobre a Paternidade Responsável.

Para começo de conversa, a paternidade responsável é um princípio expresso na Constituição da República – Artigos 226, §7° e 229. Nesses dispositivos, percebe-se que tal princípio fundamenta o planejamento familiar, assim como impõe o dever de cuidado, sustento e educação dos filhos.

A paternidade é fundamental para cada um de nós. Ela é fundante do sujeito. Não há como negar que a estruturação psíquica de uma pessoa decorre e repercute da relação que ela teve com seus pais.

A paternidade é responsável quando supera o reconhecimento em registro de nascimento, assim como a assistência material. Ora, é preciso, como sociedade, termos a consciência que a paternidade vai muito além dos deveres materiais (obrigação alimentar, pagamento das despesas, por exemplo), uma vez que estas são inegociáveis em uma sociedade capitalista.

Por isso, pais devem assumir os ônus e bônus da criação dos filhos. A partir da educação parental e conscientização, pais entenderão que há um conjunto de competências atribuídas, um conjunto de deveres (sustento, cuidado e educação) para atender ao melhor interesse da criança e do adolescente, principalmente no que tange à convivência familiar e educação.

Quanto ao afeto, importa que este não pode ser traduzido como um sentimento, pois o verdadeiro afeto é aquele materializado em uma conduta, um cuidado ao corpo, mas também à alma.

Com isso, não quer dizer que o direito trate de sentimentos, não essa órbita não pertence à ciência jurídica. Todavia, os efeitos decorrentes dos sentimentos são analisados e suas ausências podem ser objetos de discussão jurídica e até de sanção por parte do Estado (vide indenizações fixadas por abandono afetivo).

Compreende-se assim, que a paternidade responsável é aquela em que o pai está consciente e age como verdadeiro fornecedor de afetos, não se satisfaz em ter apenas um vínculo biológico, nem apenas em suprir materialmente, mas exerce a função afetiva na educação e na construção emocional do ser humano que a vida oportunizou ter como filho.

É POSSÍVEL REVOGAR (“cancelar”) O RECONHECIMENTO DE UM FILHO?

25/ novembro / 2021 Deixe um comentário

Imagine que alguém reconhece como seu filho, alguém que acredita ter vinculo biológico. No entanto, tempos depois, descobre que não possui tal ligação genética, razão pela qual deseja “anular”, “cancelar a paternidade. Isso é possível?

OLHA SÓ! O reconhecimento do vínculo de filiação, com o consequente registro civil é irrevogável (art. 1609 do Código Civil).

Logo, via de regra, a anulação da paternidade do registro será EXCEPCIONAL. Assim, o Superior Tribunal de Justiça exige 03 (três) requisitos para que seja permitida a anulação do registro de paternidade:
i) Inexistência do vínculo biológico
ii) prova robusta no sentido de que o pai foi de fato induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto e
iii) inexistência de relação socioafetiva entre pai e filho.

Confira julgados do Superior Tribunal de Justiça nesse sentido:

“não há erro no ato daquele que registra como próprio filho que sabe ser de outrem, ou ao menos tem sérias dúvidas sobre se é seu filho”. Portanto, é preciso que, no momento do registro, o indivíduo acreditasse ser o verdadeiro pai biológico da criança – (REsp 1.383.408/RS, Terceira Turma, DJe 30/05/2014).

“o assentamento no registro civil a expressar o vínculo de filiação em sociedade nunca foi colocado tão à prova como no momento atual, em que, por meio de um preciso e implacável exame de laboratório, pode-se destruir verdades construídas e conquistadas com afeto” (REsp 1.003.628/DF, 3a Turma, DJe 10/12/2008).

Decerto, a divergência entre a paternidade biológica e a declarada no registro de nascimento não é apta, por si só, para anular o ato registral, dada a proteção conferida a paternidade socioafetiva (STJ – REsp 1.829.093-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 01/06/2021)

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Novos Enunciados IBDFAM 2021

31/ outubro / 2021 Deixe um comentário

O Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) publicou nesta semana durante o XIII Congresso Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões novos enconcados.

Confira a redação de cada um deles:

Enunciado 31 – A conversão da união estável em casamento é um procedimento consensual, administrativo ou judicial, cujos efeitos serão ex tunc, salvo nas hipóteses em que o casal optar pela alteração do regime de bens, o que será feito por meio de pacto antenupcial, ressalvados os direitos de terceiros.

Enunciado 32 – É possível a cobrança de alimentos, tanto pelo rito da prisão como pelo da expropriação, no mesmo procedimento, quer se trate de cumprimento de sentença ou de execução autônoma.

Enunciado 33 – O reconhecimento da filiação socioafetiva ou da multiparentalidade gera efeitos jurídicos sucessórios, sendo certo que o filho faz jus às heranças, assim como os genitores, de forma recíproca, bem como dos respectivos ascendentes e parentes, tanto por direito próprio como por representação.

Enunciado 34 – É possível a relativização do princípio da reciprocidade, acerca da obrigação de prestar alimentos entre pais e filhos, nos casos de abandono afetivo e material pelo genitor que pleiteia alimentos, fundada no princípio da solidariedade familiar, que o genitor nunca observou.

Enunciado 35 – Nas hipóteses em que o processo de adoção não observar o prévio cadastro, e sempre que possível, não deve a criança ser afastada do lar em que se encontra sem a realização de prévio estudo psicossocial que constate a existência, ou não, de vínculos de socioafetividade.

Enunciado 36 – As famílias acolhedoras e os padrinhos afetivos têm preferência para adoção quando reconhecida a constituição de vínculo de socioafetividade.

Enunciado 37 – Nos casos que envolverem violência doméstica, a instrução processual em ações de família deve assegurar a integridade física, psicológica e patrimonial da vítima.

Enunciado 38 – A interação pela via digital, ainda que por videoconferência, sempre que possível, deve ser utilizada de forma complementar à convivência familiar, e não substitutiva.

Enunciado 39 – A liberdade de expressão dos pais em relação à possibilidade de divulgação de dados e imagens dos filhos na internet deve ser funcionalizada ao melhor interesse da criança e do adolescente e ao respeito aos seus direitos fundamentais, observados os riscos associados à superexposição.

Enunciado 40 – A herança digital pode integrar a sucessão do seu titular, ressalvadas as hipóteses envolvendo direitos personalíssimos, direitos de terceiros e disposições de última vontade em sentido contrário.

Enunciado 41 – Em tempos de pandemia, o regime de convivência que já tenha sido fixado em decisão judicial ou acordo deve ser mantido, salvo se, comprovadamente, qualquer dos pais for submetido a isolamento ou houver situação excepcional que não atenda ao melhor interesse da criança ou adolescente.

Enunciado 42 – O namoro qualificado, diferentemente da união estável, não engloba todos os requisitos cumulativos presentes no art. 1.723 do Código Civil.

Enunciado 43 – É desnecessária a manifestação do Ministério Público nos reconhecimentos extrajudiciais de filiação socioafetiva de pessoas maiores de dezoito anos.

Enunciado 44 – Existindo consenso sobre a filiação socioafetiva, esta poderá ser reconhecida no inventário judicial ou extrajudicial.

Enunciado 45 – A ação de divórcio já ajuizada não deverá ser extinta sem resolução de mérito, em caso do falecimento de uma das partes.

Enunciado 46 – Excepcionalmente, e desde que justificada, é possível a decretação do divórcio em sede de tutela provisória, mesmo antes da oitiva da outra

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O contrato de convivência entre companheiros pode ter efeitos retroativos?

31/ agosto / 2021 Deixe um comentário

O contrato de convivência (ou simplesmente “contrato”) é o documento firmado pelos companheiros para regulamentar as questões patrimoniais da união estável.

Cumpre notar que o contrato não é indispensável para reconhecimento da união estável, pois a essência deste arranjo familiar é a informalidade. Para saber mais sobre o contato de convivência da união estável, clique aqui

Feitas as linhas essenciais sobre o contrato celebrado na união estável, surge a pergunta: O contrato de convivência entre companheiros pode ter efeitos retroativos?

Em 2015, o STJ afirmou que não é lícito aos conviventes atribuírem por contrato efeitos retroativos à união estável elegendo regime de bens para a sociedade de fato  – STJ – Recurso Especial n. 1.383.624 – MG (02/06/2015).

No entanto, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina chegou a reconhecer a possibilidade de efeitos retroativos ao contrato de união estável. Confira:

(…) O contrato de convivência pode ser celebrado antes e durante a união estável. Iniciada essa sem convenção do regime patrimonial, o regime de bens incidente, de forma imediata, é o da comunhão parcial (art. 1.725, CC). Realizado pacto intercorrente, esse tem a capacidade de produzir efeitos de ordem patrimonial tanto a partir da sua celebração quanto em relação a momento pretérito à sua assinatura, dependendo de exame o caso concreto. A cláusula que prevê a retroatividade dos efeitos patrimoniais do pacto só deve ser declarada nula quando houver elemento incontestável que demonstre vício de consentimento, quando viole disposição expressa e absoluta de lei ou quando esteja em desconformidade com os princípios e preceitos básicos do direito, gerando enriquecimento sem causa, ensejando fraude contra credores ou trazendo prejuízo diverso a terceiros e outras irregularidades. (Apelação Cível n. 2015.026497-8, Relatora: Desa. Maria do Rocio Luz Santa Ritta, data da decisão: 18/05/2015, TJ-SC).

Todavia, em Agosto/2021, o Superior Tribunal de Justiça repisou o entendimento:

(…) Conquanto não haja a exigência legal de formalização da união estável como pressuposto de sua existência, é certo que a ausência dessa formalidade poderá gerar consequências aos efeitos patrimoniais da relação mantida pelas partes, sobretudo quanto às matérias que o legislador, subtraindo parte dessa autonomia, entendeu por bem disciplinar. 5- A regra do art. 1.725 do CC/2002 concretiza essa premissa, uma vez que o legislador, como forma de estimular a formalização das relações convivenciais, previu que, embora seja dado aos companheiros o poder de livremente dispor sobre o regime de bens que regerá a união estável, haverá a intervenção estatal impositiva na definição do regime de bens se porventura não houver a disposição, expressa e escrita, dos conviventes acerca da matéria. 6- Em razão da interpretação do art. 1.725 do CC/2002, decorre a conclusão de que não é possível a celebração de escritura pública modificativa do regime de bens da união estável com eficácia retroativa, especialmente porque a ausência de contrato escrito convivencial não pode ser equiparada à ausência de regime de bens na união estável não formalizada, inexistindo lacuna normativa suscetível de ulterior declaração com eficácia retroativa. 7- Em suma, às uniões estáveis não contratualizadas ou contratualizadas sem dispor sobre o regime de bens, aplica-se o regime legal da comunhão parcial de bens do art. 1.725 do CC/2002, não se admitindo que uma escritura pública de reconhecimento de união estável e declaração de incomunicabilidade de patrimônio seja considerada mera declaração de fato pré-existente, a saber, que a incomunicabilidade era algo existente desde o princípio da união estável, porque se trata, em verdade, de inadmissível alteração de regime de bens com eficácia ex tunc. 8- Na hipótese, a união estável mantida entre as partes entre os anos de 1980 e 2015 sempre esteve submetida ao regime normativamente instituído durante sua vigência, seja sob a perspectiva da partilha igualitária mediante comprovação do esforço comum (Súmula 380/STF), seja sob a perspectiva da partilha igualitária com presunção legal de esforço comum (art. 5º, caput, da Lei nº 9.278/96), seja ainda sob a perspectiva de um verdadeiro regime de comunhão parcial de bens semelhante ao adotado no casamento (art. 1.725 do CC/2002). 9- Recurso especial conhecido e parcialmente provido.  (STJ – REsp: 1845416 MS 2019/0150046-0, Relator: Ministra Nancy Andrighi , Data do julgamento:17/08/2021)

Como se vê, segundo o STJ, é impossível reconhecer retroatividade ao contrato de convivência da união estável no tocante à alteração de regime de bens, pois no período anterior vigorou regime de bens diverso, ainda que inexistente contrato, pois no silêncio dos envolvidos, a relação convivencial é regulamentada pelo regime da comunhão parcial de bens, nos termos do artigo 1725 do Código Civil.

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O filho pode “tirar do registro” o nome do pai ou da mãe?

22/ agosto / 2021 Deixe um comentário

O reconhecimento de filho é um ato jurídico stricto sensu unilateral, cujos efeitos jurídicos decorrem pura e simplesmente de lei. No entanto, a relação paterno-filial envolve aspectos existenciais e patrimoniais.

Destarte, a exigência de consentimento do filho maior, bem como a possibilidade de impugnação é medida protetiva ao ser humano.

Como se percebe, o reconhecimento de filho é um ato unilateral receptício, pois depende da aceitação da outra parte. Isso porque, o ato de reconhecimento é o que predomina nessa hipótese. Assim, o artigo 1.614 do Código Civil exige o consentimento do filho maior para que este seja reconhecido pelo pai interessado. Da mesma forma, possibilita que o filho, após o alcance da maioridade ou emancipação impugne o reconhecimento já feito.  

Quanto ao prazo decadencial assinalado de 04 (quatro) anos, este merece melhor exame. Ora, por envolver questão referente ao estado de pessoas e à dignidade humana, relacionado ao direito à busca da verdade biológica e ao direito fundamental à filiação, não é possível estabelecer termo decadencial ou prescricional à dignidade da pessoa humana.

Obtempere-se, por oportuno, que a possibilidade de impugnação ganha relevo quando não fora desenvolvida parentalidade socioafetiva, posse de estado de filho, nem vínculo de afeto foi formado.

O Superior Tribunal de Justiça não limita a impugnação judicial da paternidade ao prazo de 04 (quatro) anos, restringindo a incidência do lapso temporal para impugnações administrativas. Nessa linha:

“O prazo decadencial de 4 anos estabelecido nos arts. 178, § 9º, inc. VI e 362 do Código Civil de 1916 (correspondente ao art. 1.614 do Código Civil atual) aplica-se apenas aos casos em que se pretende, exclusivamente, desconstituir o reconhecimento de filiação, não tendo incidência nas investigações de paternidade, hipótese dos autos, nas quais a anulação do registro civil constitui mera consequência lógica da procedência do pedido. Precedentes da 2ª Seção” (STJ, Ag. Rg. no REsp 1.259.703/MS, 4.ª Turma, Rel. Min. Maria Isabel Gallotti, j. 24.02.2015, DJe 27.02.2015).

“O prazo do artigo 1.614 do Código Civil refere-se ao filho que deseja impugnar reconhecimento de paternidade, e não à ação de investigação desta. Ademais, o prazo previsto no artigo supracitado vem sendo mitigado pela jurisprudência desta Corte Superior” (STJ, AgRg no Ag 1.035.876/AP, 3.ª Turma, Rel. Min. Sidnei Beneti, j. 04.09.2008, DJe 23.09.2008).

Como se vê, a legislação e a jurisprudência reconhecem o direito contemporâneo, o qual homenageia a liberdade e autodeterminação existencial do ser humano, de modo que a ninguém pode ser imposto ter como pai a quem não aceita como o tal, da mesma forma não impõe limite temporal para manifestação de um direito existencial.

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É POSSÍVEL O RESTABELECIMENTO DO PODER FAMILIAR?

O poder familiar consiste no conjunto de atribuições (poderes e deveres) na relação entre pais e filhos.

Na atualidade, a doutrina adverte que a compreensão constitucional do Direito das Famílias indica que o termo mais adequado seria de “função parental”, uma vez que o exercício se manifesta em deveres, como se depreende do artigo 1634 do Código Civil.

Estão sujeitos ao poder familiar, os menores de 18 (dezoito) anos de idade – art. 1631 do Código Civil.

Todavia, caso os pais descumpram os deveres inerentes à criação e cuidado aos filhos, a perda do poder familiar se configurará, a qual ocorrerá, necessariamente, mediante decisão judicial. Confira a legislação atinente:

Art. 24 da Lei 8.069/90: A perda e a suspensão do poder familiar serão decretadas judicialmente, em procedimento contraditório, nos casos previstos na legislação civil, bem como na hipótese de descumprimento injustificado dos deveres e obrigações a que alude o art. 22.

No mesmo sentido, o artigo 1.638, V do Código Civil (CCB/02): Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que: II – deixar o filho em abandono”.

Como se vê, afora o caso de decisão judicial, todas as hipóteses de extinção do poder familiar são ocorrências naturais do ciclo da vida e que não retornam por questões de lógica. Lado outro, a perda do poder familiar possui caráter sancionatório, pois decorre da violação dos deveres impostos pela legislação.

Registre-se, ainda, que que a destituição do poder familiar depende de procedimento específico para sua decretação, previsto no artigo 155 da Lei n. 8069/90.

Ocorre que é preciso enfrentar o seguinte questionamento: Uma vez destituído o poder familiar, é possível restabelecer o poder familiar?

Em prima facie, poder-se-ia afirmar que a perda do familiar seria permanente, definitiva. No entanto, como já diferenciado acima, a extinção é modalidade natural de encerramento do poder familiar, como se extrai das hipóteses do artigo 1635 do Código Civil (dos pais ou do filho; pela emancipação; pela maioridade; pela adoção; por decisão judicial).

No entanto, repise-se, a perda do poder familiar possui caráter sancionatório, decorrente do descumprimento do dever inerente à função parental. Por ser pena, por analogia, deve se atentar à vedação constitucional das penas de caráter perpétuo (artigo 5º, XLVIII, “b”, da CRFB). Logo, cessado o motivo ensejador da perda, é possível o seu restabelecimento.

Cumpre notar que a reversão da decisão que destituiu o poder familiar, permite a reinserção da criança em sua família natural, de forma a efetivar o direito fundamental à convivência familiar – art. 227 da CRFB.

Ora, se à época da destituição haviam causas para sua decretação, cessado o fundamento autorizador, é possível a reintegração da criança no seio familiar, e consequentemente, o restabelecimento do poder familiar, conforme entendimento jurisprudencial:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ECAE PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE REESTABELECIMENTO DE PODER FAMILIAR. COISA JULGADA. OFENSA. – INTERLOCUTÓRIO DE AFASTAMENTO NA ORIGEM. RECUSO DO MP. (1) DESTITUIÇÃO PASSADA EM JULGADO. REESTABELECIMENTO DO PODER FAMILIAR. AJUIZAMENTO POSSÍVEL. AÇÕES DISTINTAS. CAUSAS DE PEDIR DISTINTAS. – É possível o ajuizamento de ação de reestabelecimento do poder familiar após sentença definitiva de destituição poder familiar após sentença definitiva de destituição porque seus elementos identificadores são distintos, notadamente as causas de pedir: a retomada funda-se na ausência de adoção, na melhora do quadro social, e na manutenção dos vínculos; já na destituição, o contexto era diemetralmente opostos. (2) DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. REVERSIBILIDADE. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. MELHOR INTERESSE. PRIORIZAÇÃO DA REINTEGRAÇÃO À FAMÍLIA NATURAL (EXEGESE DO §1º DO ART. 39 DO ECA). AFETIVIDADE POSSIVELMENTE RESTAURADA ENTRE PAI E FILHOS. SEGUIMENTO DA MARCHA PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO – A interpretação conjugada dos dispositivos contidos no Estatuto da Criança e do Adolescenteinduz à compreensão de que a única medida irreversível é a adoção, consoante disciplina o seu §1º do artigo 39ao preceituar: “A adoção é medida excepcional e irrevogável,à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo únicodo art. 25desta Lei”. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO. (TJ/RS: AI 2015049497 Turvo 2015.044949-7. Quinta câmara de Direito Civil. Desembargador Relator Henry Petry Junior. Julgado em 18 de Abril de 2016).

Percebe-se que a única sentença capaz de fazer romper os laços de parentesco definitivamente é aquela que permite a colocação da prole, por meio de adoção, em família substituta.

Importante, neste momento, diferenciar os conceitos de averbação e cancelamento de registros: “Averbar é fazer constar na folha de um registro todas as ocorrências que, por qualquer modo, o alterem”. Já o cancelamento, torna sem efeito jurídico o registro anterior. Nos termos do Estatuto, com a adoção, não só há o cancelamento do registro original, como a confecção de novo, estabelecendo assim novos vínculos de parentesco, agora em relação aos adotantes e adotados. (VIEIRA JUNIOR; MELOTTO, 2011, p. 34).

Na doutrina, Luiz Carlos de Azevedo, citado por Vieira Júnior e Melotto, trata que:

Ao declarar a suspensão do poder familiar, a sentença deverá estabelecer o tempo de sua duração, pois se trata de medida de caráter temporário, a qual cessará após o termo de sua vigência, retornando a situação ao estado anterior. O mesmo não acontece com a destituição do poder familiar, a qual é determinada em caráter permanente. Tanto no primeiro caso como no segundo, todavia, tais sentenças referem-se à relação jurídica continuativa, de sorte que, se sobrevier modificação no estado de fato ou de direito, poderão as partes requerer a revisão do que ficou estatuído no julgado. Em tais condições, poderão requerer a cessação da suspensão, antes do término do prazo fixado na sentença, ou a restituição do direito ao poder familiar, assim fixado na sentença, ou a restituição do direito ao poder familiar, assim procedendo por meio de ação própria, na qual deverão demonstrar que os motivos que autorizam a suspensão ou a perda já não mais subsistem. (…) Em um caso, no entanto, esta revisão ou modificação da situação, com fundamento da cláusula rebus sic stantibus, já não mais poderá ocorrer: isto é, quando, após a perda do poder familiar, seguiu-se a adoção da criança ou do adolescente, por meio da qual se transferiu aquele direito em caráter definitivo aos pais adotivos. No momento em que consumada a adoção, ingressou o menor na família do adotante, fez parentesco com os demais membros da família, desfez-se, por completo, o vínculo que existia com a família natural. A irrevogabilidade do decreto de adoção (art. 48 do Estatuto) e o atributo e condição de filho do adotado, com os mesmos direitos e deveres, inclusive os sucessórios, desligando-se por completo de qualquer vínculo que possuía com os pais naturais (art. 41 do Estatuto), tornando impossível o retorno à situação anterior. (CURY, Munir et al (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado, 11.ª ed., São Paulo: Malheiros, 2010, p. 767)”. (VIEIRA JUNIOR; MELOTTO, 2011, p. 35) [grifou-se].

No mesmo sentido, Silvio Rodrigues afirma sobre a possibilidade de restituição do poder familiar: “Tanto assim é que, cessadas as causas que conduziram à suspensão ou destituição do poder familiar e transcorrido um período mais ou menos longo de consolidação, pode o poder paternal ser devolvido aos antigos titulares”.  (Direito Civil: Direito de Família, 28ª edição, São Paulo: Saraiva, 2004, p. 369, v.6).

Como se vê. a restituição do poder familiar atende aos fins sociais da norma (artigo 6º da Lei n. 8069/90), na medida em que resgata o direito fundamental à convivência familiar, o que materializa o melhor interesse da criança.

APELAÇÃO CÍVEL. ECA. AÇÃO DE RESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. POSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. PROTEÇÃO INTEGRAL E PRIORITÁRIA DOS DIREITOS DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE. DESCONSTITUIÇÃO DA SENTENÇA EXTINTIVA. 1. A atenta e sistemática leitura dos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente permite concluir que apenas a adoção tem caráter irrevogável, porque expressamente consignado no § 1º do art. 39. Diante do silêncio da lei acerca do restabelecimento do poder familiar, também se pode concluir, a contrário senso, pela possibilidade da reversão da destituição do poder familiar, desde que seja proposta ação própria para tanto, devendo restar comprovada a modificação da situação fática que ensejou o decreto de perda do poder familiar. Desse modo, impõe-se a desconstituição da sentença que extinguiu o processo por impossibilidade jurídica do pedido. 2. À luz da doutrina da proteção integral e prioritária dos direitos da criança e do adolescente preconizada pelo ECA, a intervenção do Estado deve atender prioritariamente aos superiores interesses dos menores, nos termos do art. 100, inc. II e IV, do ECA, de modo que, caso o retorno dos menores ao convívio materno se mostre a medida que melhor atenda aos seus interesses, não há motivos para que se obste tal retorno, com a restituição do poder familiar pela genitora, mormente porque os menores não foram encaminhados à adoção. 3. Trata-se, no caso, de uma relação jurídica continuativa, sujeita, portanto, à ação do tempo sobre seus integrantes (tal qual ocorre com as relações jurídicas que envolvem o direito a alimentos). Logo, a coisa julgada, formal e material, que antes se tenha produzido, fica preservada desde que as condições objetivas permaneçam as mesmas (cláusula rebus sic stantibus). No entanto, modificadas estas, outra poderá ser a decisão, sem que haja ofensa à coisa julgada. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70058335076, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 22/05/2014). Conforme se depreende das decisões, o restabelecimento do poder familiar é medida plenamente possível e adequada, sobretudo quando a criança ainda não foi adotada, pois prestigia o melhor interesse da criança o direito fundamental à convivência familiar.

A criança e o adolescente “sob guarda” podem ser considerados dependentes no Regime Geral da Previdência social?

15/ junho / 2021 Deixe um comentário

A Lei 8.213/1990 informa que são beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado, entre outros, o enteado e o menor sob tutela, pois estes são equiparados a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica, na forma estabelecida no Regulamento (“Art. 16, §2º).

Como se vê, a legislação deixou de fora as crianças e adolescentes que estiverem sob a guarda, modalidade de colocação em família substituta diversa da tutela.

Daí, questiona-se: É possível interpretar de forma a incluir a criança e o adolescente sob como guarda como dependentes do segurado no Regime Geral da Previdência Social (RGPS)?  

A doutrina da proteção integral, consagrada no art. 227 da Constituição Federal (CF) e nos tratados internacionais vigentes sobre o tema, dos quais sobressai a Convenção dos Direitos das Crianças (Decreto 99.710/1990), estabelece o estatuto protetivo de crianças e adolescentes, conferindo-lhes status de sujeitos de direito.

Os direitos e garantias dos infantes devem ser universalmente reconhecidos, diante de sua especial condição de pessoas em desenvolvimento. Decerto, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, seus direitos fundamentais é dever que se impõe não apenas à família e à sociedade, mas também ao Estado.

Além disso, o art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao tratar do “menor sob guarda”, confere a ele condição de dependente, para todos os efeitos jurídicos, abrangendo, também, a esfera previdenciária:

Lei 8.069/1990: “Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. (…) § 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários

Nesse sentido, a interpretação que assegura ao “menor sob guarda” o direito à proteção previdenciária deve prevalecer, não apenas porque assim dispõem a CRFB e o ECA, mas porque direitos fundamentais devem observar o princípio da máxima eficácia. 

Portanto, as crianças e adolescentes “sob guarda” devem ser incluídos dependentes do Regime Geral de Previdência Social, tudo em atenção ao princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, desde que comprovada a dependência econômica, nos termos da legislação previdenciária.

Obs.: A expressão “menor” foi utilizada no texto, pois foi usada no julgado do STF. Todavia, é preciso alertar que tal expressão deve superada, na medida em que significantes possuem valor no direito. A expressão foi substituída desde o texto constitucional de 1988 para “criança e adolescente”.

STF: ADI n. 4878/DF & ADI 5083/DF

É possível “cancelar” a paternidade registrada diante da descoberta de inexistência de vínculo genético?

13/ junho / 2021 Deixe um comentário

Para começo de conversa, devemos lembrar que foi-se o tempo em que a paternidade era apenas um vínculo genético.

Ao longo do tempo, ao afeto passou a ser reconhecido valor jurídico, de forma que a socioafetividade passou a ser critério para vinculo paterno-filial, sem qualquer hierarquia com critério biológico. Aliás, cumpre notar que é perfeitamente possível a coexistência de ambos os critérios de forma simultânea. Tal instituto é conhecido como multiparentalidade (STF – Repercussão Geral 622, Recurso Extraordinário 898.060).

Agora, a questão é outra: Imagine que alguém reconhece como seu filho, alguém que acredita ter vinculo biológico. No entanto, tempos depois, descobre que não possui tal ligação genética, razão pela qual deseja “anular”, “cancelar a paternidade. Isso é possível?

Importante saber que o reconhecimento do vínculo de filiação, com o consequente registro civil é irrevogável (art. 1609 do Código Civil). Logo, via de regra, a anulação da paternidade do registro será excepcional.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça exige 02 (dois) requisitos, a saber: (i) prova robusta no sentido de que o pai foi de fato induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto e (ii) inexistência de relação socioafetiva entre pai e filho.

Quanto ao erro, “para que fique caracterizado o erro, é necessária a prova do engano não intencional na manifestação da vontade de registrar” (REsp 1.383.408/RS, Terceira Turma, DJe 30/05/2014). Nesse mesmo julgado, consignou-se que “não há erro no ato daquele que registra como próprio filho que sabe ser de outrem, ou ao menos tem sérias dúvidas sobre se é seu filho”. Portanto, é preciso que, no momento do registro, o indivíduo acreditasse ser o verdadeiro pai biológico da criança.

Quanto à inexistência de vinculo sociafetivo, é preciso atentar que a constante instabilidade, dinamicidade e volatilidade das relações conjugais na sociedade atual não podem e não devem impactar as relações de natureza filial que se constroem ao longo do tempo e independem do vínculo de índole biológica, pois “o assentamento no registro civil a expressar o vínculo de filiação em sociedade nunca foi colocado tão à prova como no momento atual, em que, por meio de um preciso e implacável exame de laboratório, pode-se destruir verdades construídas e conquistadas com afeto” (REsp 1.003.628/DF, 3ª Turma, DJe 10/12/2008).

Vejamos outros julgados sobre o tema:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. FAMÍLIA, AÇÃO ANULATORIA DE REGISTRO CIVIL (C/2002, ART. 1.604). FALSIDADE IDEOLÓGICA. FILHOS DO AUTOR FALECIDO. LEGITIMIDADE ATIVA. INTERESSADOS. RECURSO PROVIDO. 1. A anulação do registro de nascimento ajuizada com fulcro no art. 1.604 do Código Civil de 2002, em virtude de falsidade ideológica, pode ser pleiteada por todos que tenham interesse em tornar nula a falsa declaração. 2. Recurso especial provido. (REsp 1238393/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚ-JO, QUARTA TURMA, julgado em 02/09/2014, DJe 18/09/2014).

(…) 1. O reconhecimento espontâneo de filho no registro público é irrevogável e ir-retratável, somente podendo ser anulado se maculado por vício de consentimento, como erro, dolo, coação, simulação ou fraude. 2. In casu, ausente a comprovação de vício de consentimento quando do ato registral, aliada à existência de vínculo socioafetivo, impõe-se a improcedência da pretensão inaugural. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, Apelação (CPC) 5043214-70.2018.8.09.0107, Rel. ALAN SEBASTIÃO DE SENA CONCEIÇÃO, 5ª Câmara Cível, julgado em 03/05/2019, DJe de 03/05/2019).

(…) 7. A registro depende não apenas da ausência de vínculo biológico, mas também da ausência de vínculo familiar, cuja análise resta pendente no caso concreto, sendo ônus do autor atestar a inexistência dos laços de filiação ou eventual mácula no registro público. 8. Recurso especial provido.(REsp 1664554/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe
15/02/2019).

Decerto, a divergência entre a paternidade biológica e a declarada no registro de nascimento não é apta, por si só, para anular o ato registral, dada a proteção conferida a paternidade socioafetiva.STJ – REsp 1.829.093-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 01/06/2021

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