A PROTEÇÃO DO IDOSO – A Lei n. 13.228/2015 e o “Constitucionalismo Fraternal”
A Lei nº 13.228/2015 acrescentou um parágrafo ao art. 171. Vejamos a seguinte redação:
“Estelionato contra idoso
- 4º Aplica-se a pena em dobro se o crime for cometido contra idoso.”
Dai, percebemos que a lei não inovou no núcleo jurídico do crime, apenas estabeleceu uma CAUSA DE AUMENTO (dobro), quando a vítima for idosa – isto é – pessoa com idade igual ou superior a 60 anos, conforme o art. 1º da Lei nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso).
Infere-se, portanto, ser equivocada a expressão “a pena do estelionato contra o idoso foi dobrada” ou, “agora a pena do estelionato é de 2 a 10 anos” (tomando que o estelionato possui balizas – pens mínimas e máximas de 1 a 5 anos). Vale dizer, não estamos diante de um estelionato qualificado (o qual possui diferentes balizas (penas mínimas e máximas), mas, diante de um ESTELIONATO MAJORADO (com causa de aumento, no caso, o dobro).
ESTELIONATO CONTRA IDOSO E SURSIS PROCESSUAL. IMPOSSIBILIDADE. Embora a suspensão condicional do processo (sursis processual) seja um instituto previsto para a pessoa acusada por crime cuja pena mínima seja igual ou inferior a 1 ano (art. 89 da Lei nº 9.099/95) e o crime de estelionato possua tal pena mínima, o sursis não será aplicado ao acusado pela prática de crime de estelionato contra a vítima for idoso, uma vez que a existência de causas de aumento e de diminuição, qualificadoras, privilégios são levados em conta para se aferir o cabimento da suspensão condicional do processo.
ESTELIONATO CONTRA IDOSO E PRESCRIÇÃO. PRAZO DIFERENCIADO. Olhando para os artigos 171 e 109 do Código Penal, chegamos a conclusão que o crime de estelionato prescreveria em 12 anos, uma vez que possui pena máxima de 5 anos (ver artigo 109, III, do CP).
Acontece que causas de aumento repercutem no prazo prescricional, uma vez que elas são aptas a superar as balizas máximas estabelecidas pelo legislador. Dessa forma, aplicando-se a causa de aumento (dobro) à pena máxima de 5 anos, chegamos a pena máxima abstrata de 10 anos ao estelionato praticado contra idoso, razão pela qual, o prazo prescricional do crime nesta situação passa a ser de 16 anos, conforme o artigo 109, II, do Código Penal.
Por fim, importante salientar que antes da nova lei, o crime contra o idoso já tinha repercussão na segunda fase da pena (agravante – artigo 61, II, “h” do CP), entretanto naquela situação, exigia-se um nexo de dependência entre a situação de fragilidade e ofendido, agora há uma situação de “vulnerabilidade legal”, ou seja, estelionato praticado contra o idoso já incide a causa de aumento.
Todavia, tal causa de aumento somente incide se o autor do crime tiver ciência que a vítima é idosa. Assim, está afastada a responsabilidade penal objetiva.
Superada a análise da novidade legislativa, passo a dar alguns pitacos sobre a proteção do idoso.
A primeira coisa que devemos lembrar é que a o idoso faz parte dos grupos hipervulneráveis, o que fica evidenciado pela próprio ordenamento jurídico. A Constituição da República dispõe sobre tal situação para desempate nas eleições presidenciais (art. 77, § 5º), contemplando o benefício da segurança social (art. 203, V) e ainda, como destinatários da proteção (direito social) da Família, Sociedade e Estado em prol da dignidade e efetividade do direito personalíssimo ao envelhecimento. Além da Lei Maior, a Lei n. 8.842/94 (Política Nacional do Idoso) e Lei n. 10741/2003 (Estatuto do Idoso) formam o sistema principiológico e de regramento.
A proteção ao idoso é, nas palavras do Ministro Ayres Brito [1], mais que um direito social, mas efetivação do “Constitucionalismo fraternal” ou “Constitucionalismo altruístico”, devendo receber ações distribuidoras de solidariedade.
Lamentavelmente, não só pessoas mal-intencionadas atentam contra os idosos. Os maiores problemas são familiares (filhos que abandonam seus pais), do Estado (com escassa rede de apoio e empoderamento), sem falar dos grandes grupos econômicos que sujeitam os nossos “velhinhos” a práticas abusivas nos planos de saúde, relacionamentos bancários e constrangimento no transporte (terrestre, marítimo e aéreo), sem qualquer advertência estatal.
Por fim, se por um lado, o Estado utilizou em uma das suas mãos a espada para inflacionar o direito penal, espera-se que a outra mão, a amiga, passe a cada dia a ser mais estendida e as políticas públicas de assistência não fiquem apenas em uma promessa frustrada, sob o pretexto da mera retórica da reserva do possível.
Independente da religião, o cuidado ao idoso também é um ensinamento bíblico. Veja só alguns trechos sobre o tema: “aprendam primeiro a exercer piedade para com a sua própria família, e a recompensar seus pais; porque isto é bom e agradável diante de Deus” (1 Timóteo 5.4); “Honra a teu pai e a tua mãe (que é o primeiro mandamento com promessa), para que te vá bem, e sejas de longa vida sobre a terra” (Efésios 6:2-3)” e “Ouve teu pai, que te gerou, e não desprezes tua mãe, quando vier a envelhecer” (Provérbios de Salomão 23.22).
Estamos caminhando para a terceira idade. Um dia, idosos todos nós seremos! Proteger o idoso é cuidar do nosso futuro!
Na velhice, nada é ultrapassado, pois como diz Arnaldo Antunes, “a coisa mais moderna que existe nessa vida é envelhecer”.
REFERÊNCIAS
[1] Voto proferido na ADI 3.768. Citado por Pedro Lenza em Direito Constitucional Esquematizado. 19ª edição. 2015. P. 1466.