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O RACISMO SOCIAL E A IMPRESCRITIBILIDADE DA INJÚRIA RACIAL

racismo

A Constituição da República estabelece o repúdio ao racismo como um dos princípios nas relações internacionais – artigo 4º, VIII. Além disso, estabelece que a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei (art. 5º, XLII ). Como se vê, há repulsa constitucional e previsão de imprescritibilidade da prática do racismo.

Racismo é uma forma de pensamento, crença ou convicção que teoriza a respeito da existência de seres humanos divididos em ‘raças’, em face de suas características somáticas (físicas ou comportamentais), bem como conforme sua ascendência comum. A partir dessa separação de “raças”, apregoa-se a superioridade (hierarquia) de uns sobre outros, em atitude autenticamente preconceituosa e discriminatória.

Todavia, biologicamente, não se pode falar em diferença de “raças”, uma vez que segundo o Projeto Genoma, a humanidade é biologicamente una, por mais de 99,9% dos genes serem iguais entre todos os seres humanos [1]. Assim, não há que se falar em direntes “raças”. De mais a mais, há entre nós a igualdade constitucional (art. 5º, do caput).

Daí, para que em decorrência da unicidade biológica da raça humana não nos deparássemos com o crime impossível (absoluta impropriedade do objeto – artigo 17 do CP), o Supremo Tribunal Federal adotou o conceito de racismo social, diante de qualquer discriminação que inferiorize/desumanize determinados grupos relativamente a outros. Dessa forma, “raça” assume um significado sociológico, surgindo consequentemente, o RACISMO SOCIAL.

Como consequência do racismo social, passa a existir um fundamento racional para classificar algumas discriminações como racistas quando a discriminações/desumanizações contra grupos historicamente inferiorizados socialmente.

Superada o tratamento constitucional do tema e a análise do tema, é de se observar que a prática do racismo, norma de eficácia limitada, necessitava de lei para regulamentar. E foi justamente o que fez a Lei n. 7716/89 – a qual define os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor.

Nesse diapasão, reconheceu-se a imprescritibilidade do crime previsto no artigo 20 da sobredita lei: “Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.”, tudo em obediência à determinação constitucional.

Ocorre que passados 8 anos, foi sancionada a Lei n. 9459/97, a qual alterou o diploma da lei de crime de racismo, bem como acrescentou o parágrafo terceiro no artigo 140 do Código Penal.

Diante do novo cenário legislativo, a doutrina passou a comparar os crimes do artigo 20 (crime de racismo) e do artigo 140, parágrafo terceiro (injúria racial).

Para a Doutrina, em síntese, o crime de racismo seria uma manifestação generalizada, enquanto que na injúria qualificada, a ofensa seria dirigida a pessoa determinada [2].

Todavia, se por um lado houve consenso que os crimes previstos na Lei n. 7716/89 eram imprescritíveis, discussão passou a existir sobre a prescritibilidade da injúria qualificada pela diferença da raça.

Para a primeira corrente, o crime observaria o prazo prescricional do Código Penal. Para outra corrente, o crime seria imprescritível, na medida em que a injúria racial não passava de uma faceta, uma espécie do gênero “prática de racismo”.

O que entendeu o Superior Tribunal de Justiça? No julgamento do AREsp 686.965/DF, o STJ decidiu que a injúria racial deve ser considerada imprescritível.

O que devemos extrair é que a violação dos direitos fundamentais de um indivíduo não atinge (interessa) apenas a ele; quando o direito fundamental de alguém é violado, toda a comunidade é atingida.

De mais a mais, o sistema jurídico seria incoerente se tratasse de forma diversa a prescritibilidade da ofensa generalizada (Artigo 20 da Lei n. 7716/89) e da ofensa individualizada (artigo 140, §3º do Código Penal).

Todavia, observe que esta não foi a ideia do legislador, uma vez que ambos os crimes, possuem inclusive, as mesmas penas. Aliás, a Constituição considerou imprescritível “a prática do racismo” e não determinado crime ou situação de racismo.

Daí, o acerto do STJ ao aplicar a imprescritibilidade também ao crime previsto no Código Penal.

Mais que nunca é necessário compreender que não há espaço para hierarquia entre povos, intolerâncias, opressão entre Estados. Se biologicamente, constitucionalmente há identidade entre os seres humanos, lembremos, a Bíblia Sagrada considera todos os seres humanos como imagem de Deus [3]. SOMOS TODOS IGUAIS!

Para facilitar, segue quadro comparativo

INJÚRIA QUALIFICADA PELA RAÇA RACISMO
Artigo 140, parágrafo 3º, do CP Art. 20 da Lei n. 7716/89
Art. 140 – Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:

§ 3o Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:

Art. 20 – Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Pena – reclusão de um a três anos e multa Pena – reclusão de um a três anos e multa

a vítima é individualizada

manifestações preconceituosas proferidas de forma generalizadas (a todas as pessoas de uma raça qualquer) ou pela segregação racial

Ação Penal Pública condicionada à representação

Ação Penal Pública incondicionada

AMBOS IMPRESCRITÍVEIS:

STJ: AREsp 686.965/DF e Art. 5º, XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei –

Obs.: E se a discriminação não envolver grupos historicamente estigmatizados? Embora não seja racismo, as manifestações discriminatórias também violarão a Constituição, pois compreenderão discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais (artigo 5º, XLI),

ATUALIZAÇÃO JURISPRUDENCIAL:

A prática de injuria racial, prevista no art. 140, § 3º, do Código Penal, traz em seu bojo o emprego de elementos associados aos que se definem como raça, cor, etnia, religião ou origem para se ofender ou insultar alguém. Em ambos os casos, há o emprego de elementos discriminatórios baseados na raça para a violação, o ataque, a supressão de direitos fundamentais do ofendido. Sendo assim, não se pode excluir o crime de injúria racial do mandado constitucional de criminalização previsto no art. 5º, XLII, restringir-lhe indevidamente a aplicabilidade. STF. Plenário. HC 154248/DF, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 28/10/2021 (Info 1036).

A denominada injúria racial é mais um delito no cenário do racismo, sendo, portanto, imprescritível, inafiançável e sujeito à pena de reclusão. STJ. 6ª Turma. AgRg no REsp 1849696/SP, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 16/06/2020

REFERÊNCIAS:

[1] http://genoma.ib.usp.br/sites/default/files/projeto-genoma-humano.pdf

[2] MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Volume 2, 3ª edição. P. 185.

[3] E disse Deus: Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa semelhança – Bíblia Sagrada – Livro de Gênesis 1:26

Categorias:Constitucional, Penal
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