O exercício da acupuntura configura o delito de exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica (art. 282 do CP) ?
Nos termos do art. 5º, inc. XIII, da Constituição Federal “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer” Da leitura, percebe-se que estamos diante de uma norma constitucional de eficácia contida. Vale dizer, a regra é a liberdade de trabalho, ofício ou profissão, mas o próprio constituinte originário admitiu a imposição de exigências, pelo legislador ordinário, para o desempenho de tais atividades.
Nessa toada, existem requisitos legais para o exercício da medicina, da odontologia e da atividade farmacêutica. Isso decorre da relevância da saúde pública dessas profissões e o risco da saúde pública diante de eventual exercício ilegal. Daí, o Código Penal estabeleceu como crime a conduta de “Exercer, ainda que a título gratuito, a profissão de médico, dentista ou farmacêutico, sem autorização legal ou excedendo-lhe os limites” – Art. 282 do CP.
Daí, percebemos que se um técnico em prótese dentária exercer de forma habitual a profissão de dentista, este incidirá no crime previsto no art. 282 do CP
E a acupuntura?
Segundo a Classificação Brasileira de Ocupações do Ministério do Trabalho e Emprego, a acupuntura é uma profissão de nível técnico, cabendo ao profissional o exercício de “prognósticos energéticos por meio de métodos da medicina tradicional chinesa para harmonização energética, fisiológica e psico-orgânica”.
Como se vê, a prática de acupuntura tem definição própria distinta da medicina. Por tal razão, seu exercício não pode ser considerado crime do artigo 282 do CP justamente porque não há exercício irregular da medicina. Este foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
DIREITO PENAL. ATIPICIDADE PENAL DO EXERCÍCIO DA ACUPUNTURA.
O exercício da acupuntura não configura o delito previsto no art. 282 do CP (exercício ilegal da medicina, arte dentária ou farmacêutica). É cediço que o tipo penal descrito no art. 282 do CP é norma penal em branco e, por isso, deve ser complementado por lei ou ato normativo em geral, para que se discrimine e detalhe as atividades exclusivas de médico, dentista ou farmacêutico. Segundo doutrina, “A complementação do art. 282 há de ser buscada na legislação federal que regulamenta as profissões de médico, dentista ou farmacêutico. Dispõem sobre o exercício da medicina a Lei n. 3.268, de 20.09.57 e o Dec. n. 20.931, de 11.01.32”. Das referidas leis federais, observa-se que não há menção ao exercício da acupuntura. Nesse passo, o STJ reconhece que não há regulamentação da prática da acupuntura, sendo da União a competência privativa para legislar sobre as condições para o exercício das profissões, consoante previsto no art. 22, XVI, da CF (RMS 11.272-RJ, Segunda Turma, DJ 4/6/2001). Assim, ausente complementação da norma penal em branco, o fato é atípico. RHC 66.641-SP, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 3/3/2016, DJe 10/3/2016. Disponível no Informativo n. 578
Infere-se, portanto, que apenas o exercício irregular da profissão de médico, dentista ou farmacêutico (ou além dos limites) caracterizará o crime do art. 282 do CP.
Por fim, seguindo o mesmo raciocínio afasta-se a tipicidade do exercício irregular da profissão de enfermeiro, parteiro e massagista, por exemplo, uma vez que tais profissões não estão previstas no artigo 282 do CP.