O princípio da insignificância nos crimes de telecomunicações (Rádio Clandestina): Divergências entre STF & STJ.
O princípio da insignificância funciona como vetor limitador da interpretação da lei penal. Assim, reconhecendo-se a amplitude da legislação, busca-se afastar o direito penal naquelas condutas que não são capazes de lesar ou no mínimo de colocar em perigo o bem jurídico tutelado pela norma penal.
Em consequência, a insignificância repercutirá na atipicidade, uma vez que materialmente esta não estará presente.
Em prima facie, a aplicabilidade do princípio da insignificância não está limitada aos crimes patrimoniais, mas pode ser aplicado em qualquer crime, desde que com ele seja compatível.
Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, os requisitos da insignificância são: (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada
Na verdade, tais requisitos funcionam como manifestação da politica criminal que deve ser praticada no caso concreto.
Superada a noção básica do princípio da insignificância, vamos ao caso do crime de Rádio clandestina/Rádio Pirata (art. 183 da Lei n. 9.472/97), para conferirmos a divergência existente nos tribunais superiores acerca da aplicabilidade da bagatela.
POSIÇÃO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
O STJ não aceita o princípio da insignificância nos crimes de rádio pirata:
DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO DELITO PREVISTO NO ART. 183 DA LEI 9.472/1997. Não se aplica o princípio da insignificância à conduta descrita no art. 183 da Lei 9.472/1997 (“Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação”). Isso porque se trata de crime de perigo abstrato. Precedentes citados: AgRg no REsp 1.323.865-MG, Quinta Turma, DJe 23/10/2013; e AgRg no REsp 1.186.677-DF, Sexta Turma, DJe 28/10/2013. AgRg no REsp 1.304.262-PB, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 16/4/2015, DJe 28/4/2015.
DIREITO PENAL. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO DELITO PREVISTO NO ART. 183 DA LEI 9.472/1997. Não se aplica o princípio da insignificância à conduta descrita no art. 183 da Lei 9.472/197 (“Desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação”). Isso porque o referido crime é considerado formal, de perigo abstrato, tendo como bem jurídico tutelado a segurança e o regular funcionamento dos meios de comunicação. Além disso, a exploração clandestina de sinal de internet, sem autorização do órgão regulador (ANATEL), já é suficiente a comprometer a regularidade do sistema de telecomunicações, razão pela qual o princípio da insignificância deve ser afastado. Sendo assim, ainda que constatada a baixa potência do equipamento operacionalizado, tal conduta não pode ser considerada de per si, um irrelevante penal. Precedentes citados: AgRg no AREsp 383.884-PB, Sexta Turma, DJe 23/10/2014; e AgRg no REsp 1.407.124-PR, Sexta Turma, DJe 12/5/2014. AgRg no AREsp 599.005-PR, Rel. Min. Nefi Cordeiro, julgado em 14/4/2015, DJe 24/4/2015.
O ultimo julgado do STJ inadmite o reconhecimento da insignificância (17/02/2017):
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. ART. 183 DA LEI N. 9.472/97. CRIME CONTRA AS TELECOMUNICAÇÕES. ESTAÇÃO DE RÁDIO CLANDESTINA. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. 1. A instalação de estação de radiodifusão clandestina é delito formal, de perigo abstrato, bastante, por si só, para comprometer a segurança e a regularidade do sistema de telecomunicações do país. Desse modo, inviável a aplicação do princípio da insignificância, ainda que se trate de serviço de baixa potência. Precedentes. 2. Agravo regimental a que se nega provimento. (publicado em 21/02/2017).
POSIÇÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O STF possuía entendimento pela inaplicabilidade da insignificância:
Princípio da insignificância e rádio clandestina. A 2ª Turma denegou habeas corpus no qual se requeria o trancamento da ação penal pelo reconhecimento da aplicação do princípio da insignificância à conduta de operar de forma clandestina rádios com frequência máxima de 25W. No caso, o paciente fora condenado pelo delito de atividade clandestina de telecomunicações (Lei 9.472/97, art. 183). Entendeu-se que a conduta perpetrada pelo réu conteria elevado coeficiente de danosidade, já que comprovado, por laudo da Anatel, clara interferência à segurança do tráfego aéreo com eventuais consequências catastróficas. Destacou-se que estaria ausente um dos elementos necessários para a incidência do aludido postulado, qual seja, a indiferença penal do fato. HC 111518/DF, rel. Min. Cármen Lúcia, 5.2.2013. (HC-111518)
HC N. 115.423-SP – RELATOR: MIN. ROBERTO BARROSO – Ementa: HABEAS CORPUS ORIGINÁRIO IMPETRADO CONTRA ACÓRDÃO QUE NEGOU PROVIMENTO A AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. ATIVIDADE CLANDESTINA DE TELECOMUNICAÇÕES. HABITUALIDADE. EMISSORA CLANDESTINA QUE INTERFERE NO TRÁFEGO AÉREO. INAPLICABILIDADE DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA PENAL. ORDEM DENEGADA. 1. O acórdão impugnado está em conformidade com a jurisprudência de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal no sentido de que “o uso clandestino e habitual de serviços de telecomunicações amolda-se ao tipo penal do art. 183 da Lei 9.472/1997” (HC 115.137, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma). Precedentes. 2. Constatado pelas instâncias de origem que a rádio clandestina operada pelo paciente estava interferindo no tráfego aéreo, não é possível a adoção do princípio da insignificância penal. 3. Violação do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora. Precedente: HC 119.979, Rel.ª Min.ª Rosa Weber. 3. Ordem denegada.
Contudo, recentes julgados, demonstram admitido a aplicabilidade da insignificância:
Princípio da insignificância e rádio comunitária de baixa potência. Em conclusão de julgamento, a 2ª Turma, por maioria, proveu recurso ordinário em habeas corpus para conceder a ordem e restabelecer a rejeição da denúncia proferida pelo juízo de origem. No caso, o magistrado de 1º grau aplicara o princípio da insignificância ao crime descrito no art. 183 da Lei 9.472/1997 (desenvolver clandestinamente atividade de telecomunicação), por não haver prova pericial que constatasse, in loco, que a rádio comunitária operara com potência efetiva radiada acima do limite de segurança. Dessa forma, o magistrado considerara que o desvalor — insegurança — não estaria demonstrado, e essa prova seria essencial para constatação do fato típico. Contra essa decisão, fora interposto recurso em sentido estrito para o TRF que, provido, determinara o recebimento da denúncia. O STJ mantivera esse entendimento — v. Informativo 734. A Turma assentou a ausência, na espécie, de comprovação da materialidade delitiva da infração penal. Ressaltou que não teria sido constatada a lesão aos bens jurídicos penalmente tutelados. Considerou, entretanto, que o Poder Público poderia ter outro tipo de atuação, como, por exemplo, a via administrativa. Vencidos os Ministros Teori Zavascki e Gilmar Mendes, que negavam provimento ao recurso. O primeiro consignava que a falta de elementos que comprovassem que a rádio comunitária interferia, ou não, na segurança não seria motivo para rejeitar a denúncia por insignificância. Destacava que essa prova poderia e deveria ser realizada no curso da ação penal. O Ministro Gilmar Mendes aduzia que a instalação de estação clandestina de radiofrequência, sem autorização do órgão competente, seria suficiente para comprometer a regularidade do sistema de telecomunicações. Sublinhava que o legislador buscara tutelar a segurança dos meios de comunicação, especialmente para evitar interferência em diversos sistemas como, por exemplo, o aéreo. Assim, seria prescindível a comprovação de prejuízo efetivo para a consumação do delito. RHC 119123/MG, rel. Min. Cármen Lúcia, 11.3.2014. (RHC-119123)
Rádio comunitária clandestina e princípio da insignificância. Ante as circunstâncias do caso concreto, a 2ª Turma, por maioria, aplicou o princípio da insignificância e concedeu habeas corpus impetrado em favor de denunciado por supostamente operar rádio comunitária sem autorização legal. Destacou-se que perícia efetuada pela Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel atestaria que o serviço de rádio difusão utilizado não teria capacidade de causar interferência nos demais meios de comunicação, que permaneceriam incólumes. Enfatizou-se que aquela emissora operaria com objetivos de evangelização e prestação de serviços sociais, do que decorreria ausência de periculosidade social e de reprovabilidade da conduta além de inexpressividade de lesão jurídica. Restabeleceu-se decisão de 1º grau, que trancara ação penal sem prejuízo da apuração dos fatos atribuídos ao paciente na esfera administrativa. Vencido o Min. Teori Zavascki que denegava a ordem. Entendia que, na espécie, a incidência desse princípio significaria a descriminalização da própria conduta tipificada como crime. HC 115729/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, 18.12.2012. (HC-115729)
Por fim, no recente Informativo n. 853, publicado em março de 2017, consta julgado da 2ª Turma do STF:
A Segunda Turma concedeu a ordem em “habeas corpus” para absolver o paciente, denunciado pela alegada prática de desenvolver clandestinamente atividades de telecomunicação (Lei 9.472/1997, art. 183), em face da aplicação do princípio da insignificância.
No caso, tratava-se de proprietário de rádio comunitária cujo sinal supostamente causaria interferência nos serviços de comunicações instalados na região.
A Turma ressaltou que a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL), em laudo técnico, reconheceu que, se a alegada interferência se confirmasse, atingiria canais que não estão sequer outorgados a operar na pequena área de cobertura da rádio comunitária.
Asseverou não ser possível reconhecer a tipicidade material da conduta ante a incidência na hipótese do princípio da insignificância. Afinal, o bem jurídico tutelado pela norma (segurança dos meios de comunicação) permaneceu incólume, sem sofrer qualquer espécie de lesão nem ameaça de lesão a merecer intervenção do Direito Penal. Nesse sentido, não foi demonstrada lesividade concreta, mas apenas potencial. Assim, a matéria deveria ser resolvida na esfera administrativa. Salientou, por fim, a importância das rádios comunitárias como prestadoras de serviço público e a aparente boa-fé do paciente. HC 138134/BA, rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgamento em 7.2.2017. (HC-138134)
O exame pericial é necessário?
Também é controverso.
Considerando o crime formal e de perigo abstrato, o STJ considera desnecessária a realização da perícia para averiguar a capacidade de causar interferência nos demais meios de comunicação.
Por sua vez, o STF considera necessária e imprescindível a realização da perícia nos equipamentos para averiguar a capacidade de causar interferência nos demais meios de comunicação, uma vez que o laudo será o cerne para verificar se os requisitos da insignificância no crime em comento estão preenchidos.
EM RESUMO:
1. O STJ não aceita o principio da insignificância nas rádios clandestinas.
2. O STF tem admitido, mas requer para tanto que seja comprovado por perícia:
(a) impossibilidade de comprometer os outros meios de comunicação e a segurança do tráfego aéreo;
(b) utilização da atividade de telecomunicação com objetivos de evangelização e prestação de serviços sociais
(c) localidades afastadas dos grandes centros urbanos.
Acho de deveria ser mais facil legalizar
Essas rádios de 1km
É o sonho de muita gente