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Crime de redução à condição análoga de escravo: De quem é a competência?

Inicialmente, considerava-se  da Justiça Comum Estadual.

Contudo, a reforma efetuada pela Lei 10.823/2003, que deu nova redação ao caput do art. 149 do CP, revelou a nítida preocupação do legislador com a liberdade de trabalho.  Assim, haveria o interesse em tutelar a organização do trabalho, o que o coloca entre os delitos de competência da Justiça Comum Federal, nos termos do art. 109, VI, da CF.

Daí, chegou-se a afirmar que seria competente a Justiça Estadual quando o crime fosse cometido contra uma única pessoa, ou então no tocante a poucas pessoas, e não a um grupo de trabalhadores.

Ocorre que em 26.11.2015, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, ao examinar o RECURSO EXTRAORDINÁRIO 459.510 – MATO GROSSO decidiu que a competência para processar e julgar o crime de redução à condição análoga de escravo será da Justiça Federal, ainda que seja contra uma única pessoa, pois neste caso já está configurada a violação a organização do trabalho. Confira o resumo do julgado:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. COMPETÊNCIA. REDUÇÃO A CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO. CONDUTA TIPIFICADA NO ART. 149 DO CÓDIGO PENAL. CRIME CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. ARTIGO 109, INCISO VI, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. CONHECIMENTO E PROVIMENTO DO RECURSO.

1. O bem jurídico objeto de tutela pelo art. 149 do Código Penal vai além da liberdade individual, já que a prática da conduta em questão acaba por vilipendiar outros bens jurídicos protegidos constitucionalmente como a dignidade da pessoa humana, os direitos trabalhistas e previdenciários, indistintamente considerados.

2. A referida conduta acaba por frustrar os direitos assegurados pela lei trabalhista, atingindo, sobremodo, a organização do trabalho, que visa exatamente a consubstanciar o sistema social trazido pela Constituição Federal em seus arts. 7º e 8º, em conjunto com os postulados do art. 5º, cujo escopo, evidentemente, é proteger o trabalhador em todos os sentidos, evitando a usurpação de sua força de trabalho de forma vil.

3. É dever do Estado (lato sensu) proteger a atividade laboral do trabalhador por meio de sua organização social e trabalhista, bem como zelar pelo respeito à dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, inciso III).

4. A conjugação harmoniosa dessas circunstâncias se mostra hábil para atrair para a competência da Justiça Federal (CF, art. 109, inciso VI) o processamento e o julgamento do feito.

OLHA SÓ! Não confunda a situação narrada acima com a competência dos crimes contra a organização do trabalho previstos entre os artigos 197 e 207 do Código Penal.

Segundo o STF, somente são da competência da Justiça Federal os crimes contra a organização do trabalho (arts. 197 a 207 do CP) quando causarem prejuízo à ordem pública, econômica ou social e ao trabalho coletivo (RE 599943 AgR, Relator Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, julgado em 02/12/2010).

Em outro caso, o STF afirmou que a interpretação do que seja crime contra a organização do trabalho, para o fim constitucional de determinar a competência, não decorre da capitulação do Código Penal. Decerto, se no caso concreto, houve retenção momentânea, mediante violência, de um único empregado, impedido de adentrar à empresa onde laborava, verifica-se ofensa à liberdade individual e não à organização do trabalho como um todo. Logo, a competência, nessa hipótese, é da Justiça estadual (ARE 706368 AgR, Relator Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 30/10/2012).

Em resumo, os delitos previstos nos artigos 197 a 207 do CP poderão ser de competência da Justiça Federal, desde que tenha ocorrido lesão ao direito dos trabalhadores coletivamente considerados ou organização geral do trabalho. Caso seja apenas contra uma pessoa ou bens particulares, a competência será da Justiça Estadual. Por sinal, o STJ possui o mesmo entendimento – CC 108.867/SP, DJe de 19/4/2010.

Vamos ao quadro comparativo:

CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

Crime

Competência

Crimes previstos nos

197 ao 207 do CP

Justiça Federal, desde que ocorra lesão ao direito dos trabalhadores coletivamente considerados ou organização geral do trabalho.

Caso Contrário, Justiça Estadual.

 

Art. 149 do CP

Redução à condição análoga de escravo

Justiça Federal

 

Categorias:Processo Penal
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