SIM, pessoas inocentes alegam a Quinta!
A Quinta Emenda da Constituição dos EUA afirma o direito de permanecer calado e evitar assim a autoincriminação, o direito de ser julgado apenas uma vez sobre mesmos fatos (vedação ao bis in idem), o direito a justa compensação por bens desapropriados. Além disso, a emenda traz a cláusula de devido processo legal, segundo a qual “ninguém pode ser privado de sua vida, liberdade ou propriedade sem o devido processo legal de todos os humanos“.
O senso comum chega a afirmar – tal qual na série Suits – que pessoas inocentes não recorrem ao exercício do direito ao silêncio.
Contudo, pensar desse modo é justamente uma ideia contrária ao direito fundamental do silêncio (princípio do nemo tenetur se detegere) previsto no artigo 5º, LXIII, da CRFB, no Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 14.3, “g”), e na Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8º, § 2º, “g”).
Neste sentido, o direito ao silêncio consiste em uma manifestação de uma garantia muito maior, o nemo tenetur se detegere, segundo o qual o sujeito passivo não pode sofrer nenhum prejuízo jurídico por omitir-se de colaborar em uma atividade probatória da acusação ou por exercer o seu direito de silêncio no momento do interrogatório.
Neste sentido, a jurisprudência e doutrinam reputam ilegal a expedição de mandado de condução coercitiva objetivando a consecução das seguintes finalidades
a) prestar declarações perante Comissão Parlamentar de Inquérito [1];
b) comparecer à audiência de instrução e julgamento [2];
c) participar de reconstituição simulada do crime ou fornecer padrões gráficos ou vocais para perícia criminal [3];
d) fazer exame pericial de dosagem alcoólica [4];
e) prestar declarações em Delegacia de Polícia [5];
f) participar de acareação, etc.
Como se vê, diante do exercício do direito ao silêncio não poderá sobrevir qualquer presunção de culpabilidade ou prejuízo jurídico ao imputado, pois se assim o fosse, o exercício do silêncio teria efeito diametralmente oposto ao que objetiva: Proteger o indivíduo contra excessos cometidos pelo Estado, na persecução penal, incluindo-se nele o resguardo contra violências físicas e morais, empregadas para compelir o indivíduo a cooperar na investigação e apuração de delitos, bem como contra métodos proibitivos de interrogatório, sugestões e dissimulações.
Sim! pessoas inocentes alegam a Quinta!
EM TEMPO: No último dia 13 de junho, o STF, ao julgar as ADPF´s 395 e 444, reconheceu que o artigo 260 do CPP não foi recepcionado pela Constituição da República de 1988. Assim, a condução coercitiva do investigado ou acusado é inconstitucional, seja na fase investigativa, seja na fase processual.
Referências:
1. STF, 2ª Turma, HC 119.941/DF, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 25/03/2014, DJe 80 28/04/2014.
2. No sentido de que a possibilidade de o acusado não comparecer à audiência é uma expressão do direito constitucional ao silêncio (art. 5º, LXIII, da CF/88), pois “nemo tenetur se deterege”: STF, 1ª Turma, RHC 109.978/DF, Rel. Min. Luiz Fux, j. 18/06/2013, DJe 154 07/08/2013. Com entendimento semelhante: FERNANDES,Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 6ª ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010. p. 264.
3. STF, 2ª Turma, HC 99.289/RS, Rel. Min. Celso de Mello, j. 23/06/2009, DJe 149 03/08/2011.
4. No sentido de que não se pode presumir a embriaguez de quem não se submete a exame de dosagem alcoólica, porquanto a Constituição impede que se extraia qualquer conclusão desfavorável àquele que, suspeito ou acusado de praticar alguma infração penal, exerce o direito de não produzir prova contra si mesmo: STF, 1ª Turma, HC 93.916/PA, Rel. Min. Cármen Lúcia, j. 10/06/2008, DJe 117 26/06/2008.
5. No sentido de que o não comparecimento do investigado à delegacia de polícia para prestar depoimento não autoriza, por si só, a decretação de sua custódia cautelar: STF, 2ª Turma, HC 89.503/RS, Rel. Min. Cezar Peluso, j. 03/04/2007, DJe 32 06/06/2007.