O DÉBITO ALIMENTAR FIXADO EM RAZÃO DA PRÁTICA DE VIOLÊNCIA DOMESTICA AUTORIZA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL?
A questão é curiosa, uma vez que o tema é interdisciplinar.
Olha só! Para responder a questão, passamos pelo Direito Constitucional, Direitos Humanos, Direito Processual Civil, Direito Processual Penal e o Direito das Famílias.
Vamos lá!
Como sabemos, a única exceção de prisão civil prevista no ordenamento jurídico é a divida alimentar. Isso porque, malgrado a Constituição da República admita a prisão civil para o depositário infiel, a internalização do Pacto de São José da Costa Rica afasta a possibilidade da prisão neste caso (Ver (art. 7º, 7 da Convenção Americana de Direito dos Humanos). Neste sentido, confira a Sumula Vinculante n. 25: É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade de depósito.
Assim, resta a prisão civil decorrente do débito alimentar prevista no artigo 528 do Código de Processo Civil, o qual entre outros aspectos, deixa claro que o débito autorizador da prisão é o que compreende até as 3 (três) prestações anteriores ao ajuizamento da execução e as que se vencerem no curso do processo.
Superadas as linhas iniciais, voltemos a pergunta: O DÉBITO ALIMENTAR FIXADO EM RAZÃO DA PRÁTICA DE VIOLÊNCIA DOMESTICA AUTORIZA A DECRETAÇÃO DA PRISÃO CIVIL?
SIM. A decisão proferida em processo penal que fixa alimentos provisórios ou provisionais em favor da companheira e da filha, em razão da prática de violência doméstica, constitui título hábil para imediata cobrança e, em caso de inadimplemento, passível de decretação de prisão civil.
O art. 14 da Lei n. 11.340/2006 estabelece a competência híbrida (criminal e civil) da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, para o julgamento e execução das causas decorrentes da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher.
A amplitude da competência conferida pela Lei n. 11.340/2006 à Vara Especializada tem por propósito justamente permitir ao mesmo magistrado o conhecimento da situação de violência doméstica e familiar contra a mulher, permitindo-lhe bem sopesar as repercussões jurídicas nas diversas ações civis e criminais advindas direta e indiretamente desse fato.
Providência que, a um só tempo, facilita o acesso da mulher, vítima de violência doméstica, ao Poder Judiciário, e confere-lhe real proteção. Assim, se afigura absolutamente consonante com a abrangência das matérias outorgadas à competência da Vara Especializada da Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher o deferimento de medida protetiva de alimentos, de natureza cível, no âmbito de ação criminal destinada a apurar crimes de violência doméstica e familiar contra a mulher.
Entre as medidas protetivas, o artigo 22, V, da Lei n. 11340/06, permite ao juiz a fixação de alimentos provisionais ou provisórios, É de se reconhecer, portanto, que a medida protetiva de alimentos, fixada por Juízo materialmente competente é, por si, válida e eficaz, não se encontrando, para esses efeitos, condicionada à ratificação de qualquer outro Juízo, no bojo de outra ação, do que decorre sua natureza satisfativa, e não cautelar.
Tal decisão consubstancia, em si, título judicial idôneo a autorizar a credora de alimentos a levar a efeito, imediatamente, as providências judiciais para a sua cobrança, com os correspondentes meios coercitivos que a lei dispõe (perante o próprio Juízo) não sendo necessário o ajuizamento, no prazo de 30 (trinta) dias, de ação principal de alimentos (propriamente dita), sob pena de decadência do direito. Compreensão diversa tornaria inócuo o propósito de se conferir efetiva proteção à mulher, em situação de hipervulnerabilidade.
Portanto, o débito alimentar fixado em razão da prática de violência doméstica autoriza a decretação da prisão civil.
Fonte: STJ – RHC 100.446-MG, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, por unanimidade, julgado em 27/11/2018, DJe 05/12/2018 (Informativo n. 640).