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O sistema brasileiro aceita o “fishing expeditions”?

Na última semana, o Ministro Celso de Melo, ao analisar o Inquérito n. 4831/DF, utilizou a expressão “fishing expeditions”.  O que é isso?

Philipe Benoni Melo e Silva [1] afirma que fishing expedition é a situação em que são lançadas as redes da investigação com a esperança de ‘pescar’ qualquer prova, para subsidiar uma futura acusação.

É uma investigação prévia, ampla e genérica (devassa) para buscar evidências sobre a prática de futuros crimes, que ainda sequer são conhecidos.

Em grossas linhas, imagine que alguém deseja perseguir um terceiro, Escolhido o investigado, inicia-se a investigação para encontrar algo errado. Daí, utliza-se das “regras” do jogo e das espetacularização.

Segundo o Manual de Cooperação Internacional do Ministério da Justiça e Segurança Pública, a “fishing expedition” é expressão utilizada internacionalmente no âmbito da cooperação jurídica para indicar que o pedido formulado foi extremamente genérico e não individualizou suficientemente o que se pretende obter no exterior.

Um exemplo citado no Manual citado sobre “fishing expedition” ocorre no pedido de auxílio jurídico em que o Estado requerente solicita o bloqueio de todo e qualquer valor encontrado em nome da pessoa investigada, ou quando se requer a quebra do sigilo bancário de todas as contas eventualmente encontradas em nome de uma determinada empresa, sem fornecer maiores especificações sobre as diligências solicitadas.

De fato, os Estados não costumam enxergar com bons olhos essas solicitações elaboradas abertamente, caracterizando “fishing expedition”, pois como o próprio nome indica, pode haver entendimento de que o Estado requerente não envidou esforços suficientes para delimitar o conteúdo do pedido e está jogando a rede para ver o que consegue encontrar no exterior, além de estar transferindo parcela da investigação criminal para o Estado requerido, pois é este que terá que se esforçar para encontrar eventuais bem ou valores.

No Brasil, tal comportamento pode ser verificado em mandados de busca e apreensão coletivos [2], interceptação telefônica por longo prazo sem objeto certo, acesso a dados de celulares sem autorização judicial (whatasapp, redes sociais etc.)

Além dos exemplos citados é possível verificar o perigo do “fishing expeditions” nos crimes permanente, quando a violação do domicílio ocorre sem qualquer fundada suspeita(indício) para encontrar eventual prática do crime (expressão popular: “se procurar,  acha”; “Na favela, há crime”; “Não tenho provas, mas estou convicto).

Em reação a tais condutas, é importante verificar a tese fixada recentemente pelo Supremo Tribunal Federal no Recurso Extraordinário 603.616: “a entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade dos atos praticados“

Isso é aceito no Brasil?

Segundo o Ministro Celso de Melo, o sistema jurídico, além de amparar o princípio constitucional da intimidade pessoal, repele atividades probatórias que caracterizem verdadeiras e lesivas medidas de obtenção de prova que se traduzam em ilícitas investigações meramente especulativas ou randômicas, de caráter exploratório, também conhecidas como diligências de prospecção.

Segundo Alexandre Morais da Rosa, o “fishing expedition” é o aproveitamento dos espaços de exercício de poder para subverter a lógica das garantias constitucionais, vasculhando-se a intimidade, a vida privada, enfim, violando-se direitos fundamentais, para além dos limites legais. (Guia de Processo Penal, conforme a Teoria dos Jogos – Emais  Editora, 6ª edição, página 675).

Jurisprudência do STF e do STJ

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (HC 106.566/SP, Rel. Min. GILMAR MENDES – HC 137.828/RS, Rel. Min. DIAS TOFFOLI já rejeitou a validade.

O Superior Tribunal de Justiça veda tal aplicação, conforme se depreende dos seguintes julgados: RHC 66.126/PR, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS; RHC 72.065/RS, Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA; RHC 96.585/PR, Rel. Min. FELIX FISCHER.

Referências para aprofundamento:

[1] PHILIPE BENONI MELO E SILVA, “Fishing Expedition: A Pesca Predatória por Provas por parte dos Órgãos de Investigação”, “in” Empório do Direito, 2017;

[2] AURY LOPES JR. e ALEXANDRE MORAIS DA ROSA, “A Ilegalidade de Fishing Expedition via Mandados Genéricos em Favelas”, “in” Consultor Jurídico, 2017;

[3] VIVIANI GHIZONI DA SILVA, PHILIPE BENONI MELO E SILVA e ALEXANDRE MORAIS DA ROSA, “Fishing Expedition e Encontro Fortuito na Busca e na Apreensão: Um Dilema Oculto do Processo Penal”, 2019, EM/EMais Editora.

[4] Manual de Cooperação Internacional. Matéria Penal e Recuperação de Ativos. Disponível em https://www.justica.gov.br/sua-protecao/lavagem-de-dinheiro/institucional-2/publicacoes/arquivos/manual-penal-online-final.pdf Acesso 10 Mai 2020.

Categorias:Processo Penal
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