Arquivo
É válido o testamento público quando ausente alguma formalidade prevista em lei?
O testamento é um principal instrumento, mecanismo da sucessão testamentário
A palavra é originária da expressão “testamentis”. Em outras palavras, “ a atestação da vontade, confirmação daquilo que está na vontade do testador.
O testamento seria um pacto de doação (Cartas Diplomáticas, Carta de são jerônimo.
O testamento, assim, é uma manifestação da vontade. É um negócio jurídico unilateral, gratuito, formal, mortis causa, revogável e personalíssimo.
Em razão disso, ouso dizer que o testamento é o ato mais formal e solene do ordenamento jurídico nas relações privadas.
Logo, não há que se falar que o testamento não é a vontade “do morto”, mas sim daquele que, quando vivo foi manifesta.
Qual o conteúdo do testamento? O testamento possui conteúdo patrimonial e pessoal. Veja o que diz o Art. 1857, § 2 o São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.
Qual a eficácia do testamento? Efeito Mortis causa. Embora feito em vida, só tem eficácia a partir da morte.
O testamento é revogável? CC, Art. 1.858. O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo.
O testamento é personalíssimo? CC, Art. 1.863. É proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo.
O testamento é gratuito? Sim, eventuais encargos para o legatário não retiram a características da gratuidade da sucessão testamentária.
Quais os requisitos essenciais do testamento público? Os requisitos estão previstos no artigo 1.864 do Código Civil
Art. 1.864. São requisitos essenciais do testamento público:
I – ser escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas, de acordo com as declarações do testador, podendo este servir-se de minuta, notas ou apontamentos;
II – lavrado o instrumento, ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e a duas testemunhas, a um só tempo; ou pelo testador, se o quiser, na presença destas e do oficial;
III – ser o instrumento, em seguida à leitura, assinado pelo testador, pelas testemunhas e pelo tabelião.
Parágrafo único. O testamento público pode ser escrito manualmente ou mecanicamente, bem como ser feito pela inserção da declaração de vontade em partes impressas de livro de notas, desde que rubricadas todas as páginas pelo testador, se mais de uma.
Essas formalidades podem sem afastadas? A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem afastado a exigência excessiva de tais formalidades, uma espécie de mitigação, em apreço à máxima “favor testamentis” e “preservação do negócio jurídico”.
Confira alguns julgados
STJ – INFORMATIVO N. 435 – TESTAMENTO. FORMALIDADES. EXTENSÃO. – Busca-se, no recurso, a nulidade de testamento, aduzindo o ora recorrente que a escritura não foi lavrada pelo oficial de cartório, mas por terceiro, bem como que as cinco testemunhas não acompanharam integralmente o ato. O tribunal a quo afirmou que não foi o tabelião que lavrou o testamento, mas isso foi feito sob sua supervisão, pois ali se encontrava, tendo, inclusive, lido e subscrito o ato na presença das cinco testemunhas. Ressaltou, ainda, que, diante da realidade dos tabelionatos, não se pode exigir que o próprio titular, em todos os casos, escreva, datilografe ou digite as palavras ditadas ou declaradas pelo testador. Daí, não há que declarar nulo o testamento que não foi lavrado pelo titular da serventia, mas possui os requisitos mínimos de segurança, de autenticidade e de fidelidade. Quanto à questão de as cinco testemunhas não terem acompanhado integralmente a lavratura de testamento, o TJ afirmou que quatro se faziam presentes e cinco ouviram a leitura integral dos últimos desejos da testadora, feita pelo titular da serventia. Assim, a Turma não conheceu do recurso por entender que o vício formal somente invalidará o ato quando comprometer sua essência, qual seja, a livre manifestação da vontade da testadora, sob pena de prestigiar a literalidade em detrimento da outorga legal à disponibilização patrimonial pelo seu titular. Não havendo fraude ou incoerência nas disposições de última vontade e não evidenciada incapacidade mental da testadora, não há falar em nulidade no caso. Precedente citado: REsp 302.767-PR, DJ 24/9/2001. REsp 600.746-PR, Rel. Min. Aldir Passarinho Junior, julgado em 20/5/2010.
RECURSO ESPECIAL Nº 1.677.931 – MG (2017/0054235-0) – 3ª Turma – 15/08/2017 CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TESTAMENTO. FORMALIDADES LEGAIS NÃO OBSERVADAS. NULIDADE. 1. Atendido os pressupostos básicos da sucessão testamentária – i) capacidade do testador; ii) atendimento aos limites do que pode dispor e; iii) lídima declaração de vontade – a ausência de umas das formalidades exigidas por lei, pode e deve ser colmatada para a preservação da vontade do testador, pois as regulações atinentes ao testamento tem por escopo único, a preservação da vontade do testador. 2. Evidenciada, tanto a capacidade cognitiva do testador quanto o fato de que testamento, lido pelo tabelião, correspondia, exatamente à manifestação de vontade do de cujus, não cabe então, reputar como nulo o testamento, por ter sido preterida solenidades fixadas em lei, porquanto o fim dessas – assegurar a higidez da manifestação do de cujus –, foi completamente satisfeita com os procedimentos adotados. 3. Recurso não provido
Como se vê, faltando uma outra formalidade, o STJ considera válido o testamento em respeito à preservação do negócio jurídico e respeito à autonomia.
MEU PITACO
Seria possível considerar um testamento público sem respeito a todas as formalidades? Penso que não. Ora, se há possibilidade de mitigar as formalidades, não se pode afastar todas, pois estaríamos impossibilitados de verificar a vontade plena do testador. O equilíbrio deve ser o termo para avaliação. Abdicar de todas as formalidades colocaria o testamento em descrédito.
Impactos do COVID-19 nos Sistemas de Justiça

O Global Access to Justice (Acesso Global à Justiça – tradução literal), avaliou entre os dias 7 e 27 de abril, dados de 51 países sobre os impactos da pandemia nos sistemas judiciais e de assistência jurídica. É um estudo preliminar coordenado por pessoas de vários países, entre elas os brasileiros Cleber Francisco Alves e o friburguense Diogo Esteves, ambos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro e da UFF..
Todos os 51 países tomaram medidas restritivas para conter o avanço do vírus como distanciamento social, uso de equipamentos de proteção e higienização. Em 47% dessas nações, houve a proibição total de saída do domicílio – exceto para compra de medicamentos e alimentos, 20% limitaram o número de saídas de casa por dia e 59% limitaram a permissão do número de pessoas reunidas em um ambiente. Em 41% desses países, quem descumprisse as determinações poderia ser preso.
A pesquisa pode está disponível no site do Global Access to Justice Project: http://globalaccesstojustice.com/impacts-of-covid-19/
O canto da sereia (neoconstitucionalismo, ativismo judicial, precedentes…)
A ideia de Constituição mudou nos últimos anos (Pós-Guerra). Isso é uma manifestação da própria noção do papel do Estado.
Ora, se o Estado passa de uma figura de garantia de liberdade e passa a também a ter responsabilidade por prestações sociais, isso repercute no próprio constitucionalismo.
Assim, o caráter ideológico do constitucionalismo vai da limitação do Estado (constitucionalismo moderno) para a necessidade de atuação para concretização de direitos fundamentais (constitucionalismo contemporâneo). Este fenômeno é conhecido como neoconstitucionalismo.
Assim, o neoconstitucionalismo objetiva garantir a eficácia das normas constitucionais, principalmente dos direitos fundamentais.
Como o neoconstitucionalismo alcança seu objetivo? Quais instrumentos são utilizados?
Reconhecer a necessidade de concretizar direitos fundamentais implica reconhecer, de início, a força normativa dos princípios e diga-se, um maior reconhecimento da eficácia dos princípios constitucionais, ainda que não escritos. Daí, é possível até mesmo se sobrepujar sobre as regras, ainda que constitucionais. Além disso, fortalece-se a necessidade de estabelecer uma hermêutica constitucional e garantir a supremacia da Constituição. Por tal razão, a Constituição de 1988 ampliou os instrumentos e legitimados para exame de constitucionalidade. Além disso, amplia-se a possibilidade do exercício da jurisdição constitucional (controle concentrado e difuso) e por fim, é reconhecido um maior protagonismo da função jurisdicional.
Nessa toada surge a ideia de ativismo judicial, a qual está relacionada, em grossas linhas, em uma ‘intervenção do Judiciário em políticas públicas” ou atuação como “legislador”. Para muitos, é o exagero, a ação desmesurada do Poder Judiciário, liga-se à violação à “separação dos Poderes”.
Ocorre que tal critica é justamente o argumento daqueles que defendem o ativismo judicial. Ora, se a Constituição é a norma mais importante do ordenamento jurídico e vincula todos os Poderes do Estado, sendo o Judiciário o guardião da Constituição, é natural que a função jurisdicional exija e se comprometa com o cumprimento das normas constitucionais, inclusive as definidoras de direitos sociais.
Conceituar o ativismo judicial em poucas linhas seria algo parcial e limitante. O uso do conceito de ativismo traz consigo um ônus argumentativo, o qual – pela força semântica negativa que adquiriu – termina por ser deixado de lado interrompendo–se o debate crítico.
Daí, prefiro fazer uma necessária distinção. Não se deve confundir “ativismo judicial” com maior “protagonismo do Poder Judiciário”, ou acreditar que o “ativismo judicial” só possui malefícios.
Isso porque, seja maior “protagonismo do Poder Judiciário” ou “ativismo judicial”, nada mais é uma consequência do neoconstitucionalismo, uma ferramenta de efetivação na implementação dos direitos fundamentais.
Isso ocorre no controle das políticas públicas (não é aprimoramento, tampouco substituição) e na consecução de sua função contramajoritária, assegurando os direitos fundamentais de uma minoria, ainda que contra a vontade de uma maioria episódica.
O Judiciário (“guardião da Constituição”) tem o dever de garantir a força normativa da Constituição, questionando os atos e as omissões do Poder Público que descumprem os ditames constitucionais.
Como se percebe, a retórica de qualquer manifestação do Judiciário seja uma violação à “separação dos poderes” é rasa e desconhece o significado da abrangência.
Em primeiro lugar, a “o princípio da separação dos poderes” (para aqueles que entendem existir, pois compreendo que o Poder é uno, havendo apenas repartições de funções, a partir das lições de Montesquieu) não pode ter uma concepção estática. As funções do Estado não são ilhas distantes e e incomunicáveis.
Ao contrário, a pretensão do constituinte de 1988 criou um modelo dinâmico, cooperativo, que, cada Função do Estado (Legislativa, Executivo, Jurisdicional) com as ferramentas próprias, deve compartilhar autoridade e responsabilidade em favor da efetividade da Constituição (força normativa).
Em segundo lugar, ainda que se reconhecesse como plenamente vigente esse modelo estático de poderes que se excluem funcionalmente, a violação massiva de direitos fundamentais autorizam a mitigação, no caso concreto e sob o ângulo de princípios de moralidade política (interesse público primário e secundário).
Um pensamento contrário estimularia a tolerância a inércia e frustração da promessa constitucional de efetivação de direitos fundamentais.
Luís Roberto Barroso (Curso de Direito Constitucional Contemporâneo) afirma que o “ativismo judicial” está associado a uma participação mais ampla e intensa do Judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois Poderes.
Como se manifesta o ativismo judicial?
Segundo BARROSO, as condutas do ativismo judicial podem assim ser verificadas:
(i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário;
(ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição; inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador, com base em critérios menos rígidos que os de patente e ostensiva violação da Constituição;
(iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao Poder Público, notadamente em matéria de políticas públicas”
Críticas ao ativismo judicial:
Embora já tratada no início deste texto, sistematizo as 02 (duas) principais críticas feitas ao ativismo judicial:
a) Prestígio às classes mais abastadas da sociedade. Isso porque os mais instruídos poderão acionar o Judiciário por meio de ações constitucionais e outras ações com o escopo de concretizar seus direitos, que a maioria inculta sequer sabe ser titular;
b) Violação da separação dos poderes, na medida em que a função executiva é quem possui a responsabilidade de gerir a política publica;
c) Abalo à democracia, na medida em que o juiz não foi eleito para tal fim. Aqui, uma observação. O juiz foi aprovado em concurso público democrático de provas e títulos. Até mesmo os membros do Supremo Tribunal Federal (forma de escolha que discordo) foram indicados pelo Presidente da República e aprovados pelo Senado. Logo, a democracia, de alguma forma, foi observada.
Qual o limite do ativismo judicial?
Talvez aqui resida a grande polêmica. Penso que a atuação jurisdicional deve ser excepcional e tão somente para efetivar um direito fundamental. O Judiciário só poderia atuar em um vácuo das outras funções.
No caso da interferência na Função Executiva, a inexistência de política pública. Lado outro, o Judiciário não pode atuar para mudar a escolha feita ou para aprimorar a política pública existente, pois estas opções estão dentro da discricionariedade do Executivo.
No tocante ao Legislativo, o Judiciário deve ter ainda maior cautela, uma vez que a inércia legislativa pode ser compreendida como uma escolha do parlamento em não legislar sobre determinado assunto, dentro também da sua atuação. Aqui, reside a discussão nas finalidades do mandado de injunção, na qual o STF tem adotado a corrente concretista direta (o Judiciário concretiza a norma diretamente, sem aguardar o suprimento da omissão constitucional pelo Legislativo)
O ativismo judicial nas nomeações
Como se percebeu ao longo do texto, a atuação jurisdicional e funções típicas de outros “Poderes” sempre tem como marca a excepcionalidade e a necessidade de efetivação de direitos fundamentais.
No caso de nomeações e violação da moralidade (interesse público), compreende-se que é possível existir violação aos princípios da administração. Ora, o Presidente da República possui a liberdade para nomeações nos exatos limites do regramento constitucional da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Todavia, compreendo que a utilização do ativismo judicial, sob o argumento de neoconstitucionalismo e densidade normativa da constituição é perigosa e proibida. Ora, os princípios da administração pública merecem ser o centro da atuação do gestor público, entrementes, não são considerados como direitos fundamentais, e isso não os faz desmerece-los.
Assim, o Judiciário não pode atuar para analisar e impedir nomeações para cargos políticos, ainda que estas violem o interesse público. O STF não é o ungido para “dar conta” de todos os anseios sociais. Sim, aqui falta legitimidade democrática.
O que fazer diante disso? A Constituição perderá força normativa? De maneira alguma. Cumpre aos legitimados, se verificada a violação do interesse público, propor ações de improbidade ou responsabilização pela pratica de crime de responsabilidade (Art. 9 da Lei n. 1079/50). E se não fizerem? É porque, dentro de um juízo político, concordaram ou preferiram não atuar e permitir a eventual violação (ou não viram violação). Esta é a minha posição no jogo Ativismo Judicial versus suspensão de nomeação para cargos políticos.
MEU PITACO:
Na quadra atual brasileira, há uma grande divergência sobre o tema. Isso porque, o Judiciário nos últimos 5 (cinco) anos inibiu nomeações feitas pelos presidentes Dilma Roussef (Lula/Casa Civil/2016), Michel Temer (Cristiane Brasil/Ministério do Trabalho/2018) e Jair Bolsonaro (Sérgio Camargo/Fundação Palmares/2019). Como se vê, concorde-se ou não, precedentes foram criados e estabelecidos.
Ora, se em primeira linha há intromissão e usurpação do Judiciário, na medida em que ultrapassa o limite do ativismo judicial, necessário observar que o STF tem, há alguns anos, tido o mesmo comportamento (suspensão de nomeações para cargos políticos, por violação à moralidade) sem que tenha ocorrido qualquer crítica por parte daqueles que agora se insurgem (e vice-versa) no tocante à suspensão da nomeação feita pelo Presidente da República para o cargo maior da Polícia Federal.
Eis o dilema: O ativismo judicial também forma precedentes. O canto da sereia que encantou outrora, naufraga e frustra. Decisões que geraram celebração, agora geram discordância simplesmente porque vão ao encontro das opiniões políticas. Se isso acontece, é porque a base da discussão não é jurídica, mas sobretudo política e o direito, uns instrumento de força que nem sempre funciona, os meios estão justificando os fins: O navio (A democracia) naufraga.
FEDERALISMO COOPERATIVO
O conjunto de novos entes e de novas formas de repartição dos poderes tem promovido relações de cooperação e coordenação entre os entes federativos, processo que a doutrina chamou de federalismo cooperativo.
Tal modelo substitui o modelo dual, no qual há separação clara e exclusiva de cada competência entre os entes, os quais atuam em esferas distintas, separadas e independentes, não havendo cooperação ou mesmo colaboração
O Estado Brasileiro adotou o modelo cooperativo (descentralização equilibrada), conforme se depreende de diversos dispositivos.
De início, o artigo Art. 23, Parágrafo único, da Constituição dispõe: Lei complementar fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional.
Assim, diferente das constituições anteriores (constitucionalismo de sobreposição, dual) foi superada pelo texto constitucional atual.
Nos casos de concorrência, a União estabelece apenas regras gerais, ou seja, não disciplina pormenores (STF – ADI 2030). Estados e Municípios adotam as questões de interesse local.
Por curiosidade, registra-se que até mesmo nas competências da União, lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas (art. 22, paragrafo único, da CRFB).
Assim, o Estado brasileiro prevê uma forma equilibrada e cooperativa de constitucionalismo (versus constitucionalismo de sobreposição).
Vamos ao exemplo da saúde pública e as respectivas competências:
Competência administrativa – Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: II – cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;
Competência legislativa – Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: XII – previdência social, proteção e defesa da saúde;
Competência suplementar – Art. 30. Compete aos Municípios, VII – prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população;
Como se vê, a política pública da saúde é de competência administrativa e competência legislativa dos 03 (três) entes.
Quanto à responsabilidade por atuações diante da pandemia atual (COVID 19), a União estabeleceu as regras gerais.
A Lei n. 13979/2020 dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
Sim, temos uma lei federal sancionada pelo Residente da República, a qual prevê medidas como isolamento, quarentena, testagens etc (art. 2º e 3º da Lei n. 13979/2020) como medidas de enfrentamento da COVID-19.
Por oportuno, o art. 3º prevê que as medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências.
Assim, a decisão sobre as medidas a serem adotadas em cada localidade, observada a especificidade de cada local e proporcionalidade (deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública)- Art. 3º, §1º, da Lei n. 13979/2020.
Como se vê, a saúde é um exemplo da cooperação entre os entes para que o direito à saúde seja estabelecido. Assim, todos os entes devem se esforçar para sua implementação. O esforço tem um caráter positivo (envidar esforços e políticas de cooperação com os outros entes) e um caráter negativo (não agir de forma a contrariar as medidas adotadas pelos outros entes)
Cumpre notar que, por disposição legal, o parâmetro para adoção de medidas deve estar em evidências científicas. Além disso, tais medidas devem analisar as informações estratégicas em saúde (Art. 3º, §1º, da Lei n. 13979/2020). Logo, por mais que seja uma escolha política, o referencial da tomada de decisões pelos chefes do executivo federal, estadual e municipal devem ser as evidências científicas e conforme as estratégias de saúde informadas.
E como ficam os serviços essenciais? As medidas, quando adotadas, deverão resguardar o exercício e o funcionamento de serviços públicos e atividades essenciais. Art. 3º, § 8º)
O que são serviços essenciais? Art. 3º, § 9º O Presidente da República disporá, mediante decreto, sobre os serviços públicos e atividades essenciais a que se referem o § 8º. (Incluído pela Medida Provisória nº 926, de 2020)
Como se vê, o federalismo cooperativo se expressa pela colaboração recíproca, através da possibilidade de atuação comum ou concorrente entre os poderes central e regionais.
A saúde pública é um dos exemplos do federalismo cooperativo, na medida em a Constituição estabelece a responsabilidade administrativa e legislativa para todos os entes, cada um nos seus territórios, devendo todas as esferas envidarem esforços para contribuir entre si para o enfrentamento pandêmico. Tal cooperação possui aspecto positivo (fazer, prestação) e negativo (dever de se abster, não-fazer).
Para aprofundamento, confira as atribuições administrativas de cada ente, previstas nos artigos 16 (União), 17 (Estados) e 18 (Municípios) da Lei n. 8080/90 (Lei do Sistema Único de Saúde).
RECEBIMENTO/REJEIÇÃO DA DENÚNCIA & RECURSOS
Para começo de conversa, lembremos que a denúncia é o nome da petição inicial na qual o Ministério Público apresenta a acusação criminal contra uma pessoa. Caso seja apresentada por um advogado, o nome da petição será Queixa-Crime.
Então, denúncia/queixa não é aquilo que as pessoas fazem na delegacia? Não. Aquilo é uma notícia-crime, uma comunicação de um fato, o registro de uma ocorrência que será investigado pelo Estado.
Após as investigações, o que geralmente ocorre via inquérito policial, o Ministério Público, nos casos de ação penal pública incondicionada, se encontrar indícios de autoria e prova da materialidade, oferecerá a famosa denúncia.
A denúncia/queixa é uma petição que exige formalidade. Assim, o artigo 41 do Código de Processo Penal exige:
Art. 41. A denúncia ou queixa conterá (i) a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias, (ii) a qualificação do acusado ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá-lo, (iii) a classificação do crime e, (iv) quando necessário, o rol das testemunhas.
Encaminhada ao Judiciário, ela será analisada, podendo ser recebida ou rejeitada.
Note-se que o recebimento da denúncia não é o mero ato de protocolização da petição.
O recebimento da denúncia marca o início do processo penal. É um ato judicial em que:
a) É deflagrado o início do processo criminal
b) O indiciado/investigado vira réu.
c) Interrompe a contagem da prescrição (art. 117, I, do Código Penal).
Qual a natureza jurídica do recebimento da denúncia/queixa?
Para a doutrina majoritária, é uma decisão interlocutória simples. Assim, o juiz deve ser fundamentada (art. 93, IX), ainda que não seja detalhada e profunda, sob o risco de antecipação do mérito.
Porém, para os tribunais superiores, ainda vigora, que o recebimento é um despacho, no qual, implicitamente os requisitos foram analisados. Decerto, seria desnecessária a fundamentação. Entretanto, SE LIGA!, nos processos em que há defesa preliminar (peça entre o oferecimento e recebimento da denúncia), o recebimento deverá ser fundamentado (STF – HC n. 84919)
Por curiosidade, registro que já foi aceito e considerado até mesmo recebimento tácito, no qual o juiz determinou de pronto, a citação do réu (STJ – AgRg no REsp 1172741, 25/10/2019).
Ocorre que o recebimento nem sempre acontecerá. A denúncia pode ser rejeitada. Isso acontece nas hipóteses do artigo 395 do Código de Processo Penal.
Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:
I – for manifestamente inepta;
II – faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou
III – faltar justa causa para o exercício da ação penal.
A rejeição da denúncia pode ser parcial?
Sim, O juiz pode rejeitar a denúncia em relação a um dos acusados, ou em relação alguma das infrações. Há quem sustente a possibilidade de rejeição de uma qualificadora ou causa de aumento da pena.
Esclarecido o que é a denúncia, bem como a possibilidade de recebimento ou rejeição da denúncia, vamos falar dos recursos.
Recurso do recebimento da denúncia?
O recebimento da denúncia é um ato judicial irrecorrível. Assim, a única medida a ser adotada é o manejo de Habeas Corpus, como instrumento para tentar trancar o processo criminal.
Rejeição da denúncia
O recurso contra a rejeição da denúncia é cabível o recurso em sentido estrito.
OLHA SÓ! Se a rejeição da denúncia for em um processo que tramita no Juizado Especial Criminal será a apelação (art. 82 da Lei n. 9.099/95).
Observe também que os prazos são diferentes, uma vez que, o prazo do RESE é de 5 dias (art. 586 do CPP) e o prazo da apelação no JECRIM é de 10 dias (art. 82, §1º, da Lei n. 9.099/95).
SE LIGA! Recurso contra a rejeição da denúncia/queixa?
Regra: Rese (5 dias).
JECRIM: Apelação (10 dias).
Tal assunto já foi cobrado no Exame da OAB. Confira:
Scott procurou um advogado, pois tinha a intenção de ingressar com queixa-crime contra dois vizinhos que vinham lhe injuriando constantemente. Narrados os fatos e conferida procuração com poderes especiais, o patrono da vítima ingressou com a ação penal no Juizado Especial Criminal, órgão efetivamente competente, contudo o magistrado rejeitou a queixa apresentada. Dessa decisão do magistrado caberá:
A) Recurso em sentido estrito, no prazo de 05 dias.
B) Apelação, no prazo de 05 dias.
C) Recurso em sentido estrito, no prazo de 02 dias.
D) Apelação, no prazo de 10 dias
Agora, é possível em alguma situação inexistir recurso até mesmo para a rejeição da denúncia?
SIM. A rejeição da denúncia em processos que tramitam em tribunais é irrecorrível, conforme o procedimento previsto na Lei n. 8038/90.
Daí, a única medida possível seria a interposição de recurso especial ou recurso extraordinário, mas nestes casos as violações à norma infraconstitucional ou à Constituição deveriam ser devidamente demonstradas.
Superadas as questões recursais, a última questão se refere ao efeito do julgamento do recurso contra a rejeição da denúncia/queixa.
Presta atenção nisso, o julgamento da apreciação do fato (error in judicando, análise material) e provimento do recurso implica no próprio recebimento da denúncia. Isso mesmo, o processo tramita no primeiro grau, mas o provimento do recurso será considerado como recebimento da denúncia. Veja a Súmula n. 709 do STF: Salvo quando nula a decisão de primeiro grau, o acórdão que provê o recurso contra a rejeição da denúncia vale, desde logo, pelo recebimento dela.
Lado outro, se o recurso interposto contra a rejeição da denúncia for fundamentado apenas em uma nulidade processual (error in procedendo), o provimento do recurso não será considerado como recebimento da denúncia, pois neste caso, o tribunal remeterá o processo ao juízo de primeiro grau para que promova nova análise recebendo ou rejeitando a denúncia.
Por tal importância, ainda que o denunciado não seja sequer réu no processo, ele deve ser intimado para, querendo, contra-arrazoar o recurso interposto pela acusação, na tentativa de evitar o início do processo, sob pena de nulidade absoluta.
Caso ele não seja intimado, a nomeação de defensor dativo supre tal nulidade? NÃO. O denunciado deve ser intimado, sendo que a nomeação de defensor não supre eventual nulidade. Confira o enunciado do STF n. 707: Constitui nulidade a falta de intimação do denunciado para oferecer contra-razões ao recurso interposto da rejeição da denúncia, não a suprindo a nomeação de defensor dativo.
Este tema já foi cobrado em certames públicos. Confira:
Vitor foi denunciado pela prática de um crime de peculato. O magistrado, quando da análise da inicial acusatória, decide rejeitar a denúncia em razão de ausência de justa causa. O Ministério Público apresentou recurso em sentido estrito, sendo os autos encaminhados ao Tribunal, de imediato, para decisão. Todavia, Vitor, em consulta ao sítio eletrônico do Tribunal de Justiça, toma conhecimento da existência do recurso ministerial, razão pela qual procura seu advogado e demonstra preocupação com a revisão da decisão do juiz de primeira instância.
Considerando as informações narradas, de acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o advogado de Vitor deverá esclarecer que
A) o Tribunal não poderá conhecer do recurso apresentado, tendo em vista que a decisão de rejeição da denúncia é irrecorrível.
B) o Tribunal não poderá conhecer do recurso apresentado, pois caberia recurso de apelação, e não recurso em sentido estrito.
C) ele deveria ter sido intimado para apresentar contrarrazões, apesar de ainda não figurar como réu, mas tão só como denunciado.
D) caso o Tribunal dê provimento ao recurso, os autos serão encaminhados para o juízo de primeira instância para nova decisão sobre recebimento ou não da denúncia.
JOGO RÁPIDO: PERGUNTE E RESPONDA AS SEGUINTES QUESTÕES:
a) O que é denúncia?
b) O ato judicial precisa ser fundamentado?
c) Cabe recurso do recebimento da denúncia?d) Quais recursos contra a rejeição?
d) Em caso de recurso contra rejeição da denúncia, o denunciado precisa ser intimado?
e) Caso o recurso contra a rejeição seja acolhido, quando será considerado o recebimento da denúncia?
Se possível, amanhã e daqui a uma semana, faça as mesmas perguntas sem ler o texto. Isso vai fortalecer sua memória e fixará o conhecimento adquirido.
Revisar é uma forma fundamental no estudar!
GABARITO DAS QUESTÕES: 01) D; 02) C.
LUTA POR JUSTIÇA: Aspas, Pitacos & Reflexões.
Vivemos tempos em que o medo, a raiva, a indignação, a distância e as “informações” imediatas das redes sócias facilitam as condenações. Manipulados por processo de narrativas, criamos uma “própria justiça”.
Sim! As opiniões e os direitos constitucionais, muitas vezes são superados para que seja feita “Justiça”.
Fazer a coisa certa nem sempre é justiça. Por sua vez, para fazer justiça nem sempre é necessário fazer a coisa certa. Estranho? Estranho,
Ao assistir o filme a Luta Por Justiça (2019), resolvi copiar algumas frases, as quais misturei com os meus pitacos e reflexões. Daí, compartilho em seguida:

ASPAS
“Nem todos estão lá por um bom motivo. Existem pessoas presas injustamente”.
“Existem pessoas que são culpadas desde o momento que nascem, pois tem cara de quem pratica crime”.
“Não importa o que os outros acham, Importa o que você acredita”.
“Eu disse que fiz o que eles disseram o que eu fiz”.
“É melhor não contestar as acusações, você só ficará 25 anos preso”.
“Ignorar a verdade para apresentar solução fácil não faz parte do Estado de Direito. Isso não é Justiça”.
Diante de uma condenação baseada em falso testemunho: “Mexer em feridas provoca dor em muita gente”
O trabalho da defesa técnica não é agradar pessoas, mas buscar justiça.
“Fora da comunidade, ninguém não tá nem aí”
“Eu sei muito bem o que é ser excluído. Por isso, faço isso”
“Não preciso que as pessoas gostem de mim, perder amigos, ouvir o que não gosta. Apenas, quero fazer o que eu devo fazer. Não quero que meu filho cresça sabendo que a mãe dele deixou de fazer a coisa certa por medo…”
“A desistência é um único motivo para lamentação”
“O caráter de uma nação se reflete como ela trata os pobres, os desfavorecidos e os condenados.
“A desesperança é inimiga da justiça”
“Não mudamos o mundo apenas com ideias na cabeça, mas com convicção no coração e com esperança”
“O oposto da pobreza não é a riqueza. O posto da pobreza é a justiça“
“Sempre há alguma coisa a fazer”
“Não importa o que você fez, a vida ainda tem um significado”
PITACOS
“Cães danados devem morrer”. Muitos condenados à execução nos EUA, são defendidos por advogados favoráveis a pena de morte.
“Eu não tenho como ir contra esses caros” – É possível que pessoas inocentes tenham medo da polícia e do Estado.
“Fui condenado a 70 anos de prisão, meu advogado não falou nada”. Existem advogados e defensores públicos que nada fazem pelo réu.
Quando o interesse em “colaborar com a justiça” e “testemunhar” depende da parte ou do resultado do processo, há interesse e colaboração, mas não é com a justiça. A justiça é cega.
Sim, ainda que provoque risos, existem pessoas em que o único objeto é “só ajudar”.
“Eu disse o que eles queriam que eu dissesse, eu só queria sair dali” – Prisões cautelares funcionam como um “gostinho da pena” para que o réu resolva confessar ou delatar. Não basta que exista confissão ou delação. É necessário que ela seja livre e de espontânea vontade.
A estrutura (polícia/sistema judiciário/governo) deveria proteger a todos — fecha propositalmente os olhos para uma parte da população, a esperada angústia gerada pela injustiça se torna insustentável, e assustadoramente atual.
Não espere que a verdade seja contada ou encontrada em processos judiciais. O que existem? Versões, histórias.
A consequência de uma prisão não se limita ao tempo em que ela dura. As consequências sociais, psíquicas e físicas são imensuráveis. Por isso, há necessidade de tanta cautela prisões, sobretudo quando cautelares, pois nestas o risco de absolvição ainda existe.
Nem sempre o Estado tem a oportunidade de rever seus direitos.
A taxa de erro nas condenações somente dos crimes que levam à pena de morte (crimes que chamam mais atenção e maior cautela na condenação) supera 11%. Qual seria a taxa de erros condenatórios no Brasil? Aqui não temos estrutura para a polícia investigar, não tempos estrutura para a acusação, o sistema judicial está abarrotado e a defesa técnica é privilégio de alguns. Nem metade da população tem acesso á Defensoria Pública, a qual, ainda caminha para o acesso igualitário. Diferente dos outros países (até mesmo da América Latina, não estou comprando com EUA, Canadá e Europa). não há um dispositivo no ordenamento jurídico brasileiro que autorize a investigação criminal defensiva.
REFLEXÕES
A impossibilidade da confissão como prova suficiente para condenações elimina o sistema inquisitorial. Neste sistema, a confissão protagoniza o processo. A realidade brasileira tem a confissão como algo quase insubstituível na maioria das condenações. De fato, nosso sistema é inquisitivo ou acusatório, quando em sua essência o confessor é um personagem quase insubstituível?
Qual a preocupação deve ser feita pela acusação? Observar as regras do processo? Ou encontrar um culpado a qualquer custo?
É democrática uma sociedade que celebra mais condenações do que justiça? Há humanidade quando a correção do processo é julgada pelo seu resultado e não se houve observação das regras?
Sim! É corriqueiro que o réu, no dia da sua audiência, como em qualquer outro, sequer tenha tido qualquer alimentação, tenha dormido direito. Pessoas mal alimentadas, cansadas e famintas pensam racionalmente? Possuem grau mínimo de cognição para responder perguntas? A escrita do termo, a gravação do vídeo leva em conta isso? Ou interessa mais o que ele disse?
Quem é o povo? Quem é a sociedade? Garantir os direitos do acusado a um processo penal justo é também defender o povo e a sociedade?
Você viu onde estão sentados a Defesa e a Acusação? Tem alguém sentadinho ao lado do juiz?
O que governa nossas opiniões e decisões? O medo? A ira? Ou o Estado de Direito?
Diante de tantas inclusões, duvidas e pensamentos interrogativos, não percamos a esperança.
“A esperança é que nos faz avançar, mesmo quando a verdade é distorcida pelos poderosos, é o que nos permite levantar quando nos mandam sentar, que nos faz falar quando querem que nos calemos”..
PARA TERMINAR, NUNCA ESQUEÇA:
Você significa muito mais para as pessoas que te rodeiam do que você imagina!”
Todos nós, mais cedo ou mais tarde, precisaremos de justiça, misericórdia e da graça imerecida.
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA & ARMA DE FOGO
A Lei n. 13.880/2019 trouxe inovações relacionadas ao tem violência doméstica e arma de fogo. A alteração legislativa incluiu os seguintes dispositivos na Lei n. 11.340/06 (Lei Maria da Penha): a) Art. 12, VI-A; b) Art. 18, IV.
a) Art. 12, inciso VI-A – Em todos os casos de violência doméstica e familiar contra a mulher, feito o registro da ocorrência, deverá a autoridade policial adotar, de imediato, os seguintes procedimentos, sem prejuízo daqueles previstos no Código de Processo Penal: “verificar se o agressor possui registro de porte ou posse de arma de fogo e, na hipótese de existência, juntar aos autos essa informação, bem como notificar a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte, nos termos da lei 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento)”.
OLHA SÓ!
A alteração na lei não permite que o delegado de polícia suspenda o porte ou posse de arma ou que a apreenda, imediatamente, em razão da prática de violência doméstica.
Claro que a arma poderá ser apreendida pelo delegado, de imediato, se tiver sido utilizada na prática do crime (Art. 6º, II e Art. 11 do CPP), como apontar a arma para ameaçar ou efetuar disparos de arma de fogo.
Resumo:
O Delegado deverá
(i)informar nos autos da prisão em flagrante ou do inquérito se o agressor possui arma de fogo ou autorização para ter e
(ii)caso possua deverá constar nos autos e comunicar a ocorrência registrada à instituição responsável pela concessão do registro ou emissão do porte.
Para que o delegado informa nos autos se o “agressor” possui arma de fogo ou autorização?
A resposta está na outra alteração legislativa:
b) Art. 18, inciso IV – Recebido o expediente com o pedido da ofendida, caberá ao juiz, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas: “determinar a apreensão imediata de arma de fogo sob a posse do agressor”.
Como se vê, a informação nos autos de que o agressor possui arma de fogo é relevante para que o juiz determine a sua apreensão.
SE LIGA! APREENDER A ARMA DE FOGO – Consiste em recolhê-la com o fim de evitar que o agressor a utilize para qualquer finalidade e que a arma possa ser periciada e utilizada como prova no processo.
A apreensão da arma de fogo impede que o agressor tenha a arma no interior de sua residência ou dependência desta, ou, ainda no seu local de trabalho, desde que seja o titular ou o responsável legal do estabelecimento ou empresa.
Pode ser de ofício? SIM! A medida protetiva de urgência pode ser concedida de ofício pelo juiz, isto é, ainda que não haja pedido da ofendida, do delegado ou do Ministério Público. Há uma determinação da lei para que o juiz atue de ofício, com a finalidade de prevenir que a arma seja utilizada contra a mulher (art. 18, IV, da LMP).
O “pedido da ofendida” a que se refere o caput do art. 18 da Lei Maria da Penha deve ser interpretado como pedido de providências para a preservação de sua integridade e prevenção à violência doméstica e, ainda que não tenha requerido nenhuma medida protetiva de urgência, o juiz deverá adotar as providências elencadas nos incisos do art. 18, como comunicar ao Ministério Público e determinar a apreensão imediata de arma de fogo.
E a restrição ou suspensão do porte da arma de fogo? Será decretada?
Antes, precisamos ter claro o significado da expressão: RESTRIÇÃO OU SUSPENSÃO DO PORTE significa proibir, temporariamente, que o agressor leve a arma consigo nas ruas ou em qualquer local que não seja sua residência ou local de trabalho, ou local em que seja o titular ou responsável legal)
A restrição pode ser total (proibição de portar arma em qualquer hipótese) ou parcial (proibição de um policial portar arma quando não estiver em serviço).
A suspensão da posse e restrição do porte de arma implica na proibição total do uso de arma, enquanto que a mera apreensão da arma de fogo registrada em nome do agressor implica na proibição relativa/parcial.
Esclarecida a restrição e suspensão do porte e posse de arma de fogo, voltemos à pergunta:
A restrição/suspensão do porte ou posse de arma de fogo será decretada?
OLHA SÓ! Enquanto o juiz é obrigado a determinar a apreensão da arma (art. 18, IV), a suspensão da posse ou a restrição do porte de arma como medida protetiva de urgência é uma medida facultativa/discrionária, conforme o caso concreto (art. 22, I, da lei 11.340/06).
Calma, vamos entender isso.
Claro que se o juiz determinar a restrição ou suspensão do porte de arma (art. 22, I), por consequência lógica, a arma será apreendida.
D’outra banda, caso apenas a apreensão da arma seja decretada, a pessoa pode continuar tendo o porte da arma.
E o que isso muda?
Imagine que o autuado seja um agente de segurança pública (policial) ou privada (vigilante). Caso ocorra apenas a apreensão da arma e não seja suspenso ou restrito o porte de arma, o autuado ficará sem sua arma de fogo particular, mas poderá continuar a trabalhar, fazendo uso no momento do serviço da arma de fogo da empresa ou da instituição pública.
Daí, neste caso, é interessante que o juiz, caso não suspenda o porte, determine que o autuado não possa levar a arma para casa, isto é, não possa utilizar a arma da empresa/instituição fora das hipóteses em que estiver de serviço.
Para que o delegado notifica a ocorrência à instituição responsável pela concessão do registro ou da emissão do porte?
A comunicação ocorre para que ocorra eventual cassação do porte ou posse da arma de fogo.
A CASSAÇÃO é a perda do direito de portar ou possuir arma de fogo. Possui caráter definitivo, sendo possível a obtenção de novo direito de portar/possuir arma de fogo após observar todos os trâmites legais e regulamentares.
A cassação ocorre imediatamente? NÃO! A cassação será determinada a partir do indiciamento do investigado no inquérito policial ou do recebimento da denúncia ou queixa pelo juiz (art. 7º, § 2º, do Decreto 9.845/19 e art. 14, § 2º, do Decreto 9.847/19).
Caso ocorra a cassação, o delegado de polícia deve proceder à apreensão da arma de fogo quando o porte/posse for cassado (art. 7º, § 6º, do Decreto 9.845/19 e art. 14, § 6º, do Decreto 9.847/19).
SE LIGA!
Como o juiz é obrigado a determinar o recolhimento da arma de fogo, o risco de utilização da arma já não existirá mais, entrementes é possível a suspensão do porte/posse de arma de fogo, posteriormente, pelas autoridades administrativas.
Ora, ainda que o juiz suspenda o porte/posse de arma de fogo, nada impede que a autoridade concedente do porte/posse o suspenda, na medida em que são esferas distintas. Daí, ainda que o juiz revogue eventual suspensão, o agressor continuará impedido de ter porte/posse de arma em razão de decisão administrativa.
JOGO RÁPIDO:
Nas ocorrências que envolverem violência doméstica, o delegado de polícia deverá:
1. Informar nos autos da prisão em flagrante ou do inquérito se o agressor possui arma de fogo ou autorização para ter.
a) A apreensão da arma será determinada (obrigatório);
b) O porte ou posse de arma poderá ser determinado (discricionário).
2. Caso possua deverá constar nos autos e comunicar a ocorrência registrada à instituição responsável pela concessão do registro ou emissão do porte.
a) Isso ocorre para que ocorra a cassação do porte/posse de arma.
b) A cassação não é imediata, mas ocorrerá somente após o indiciamento ou início do processo (recebimento da denúncia/queixa).
3. As vias judicial e administrativa são instâncias distintas e independentes.
Fica ligado nisso