Guarda Compartilhada & Dupla residência
A guarda compartilhada consiste na responsabilização conjunta dos pais pelos cuidados com a criança – art. 1584 do Código Civil.
Embora, inaugurada no ordenamento jurídico nacional pelo Código Civil de 2002 e disciplinada pela Lei n. 11.698/08), somente passou a ser regra e independer do acordo dos pais, a partir da Lei n. 13.058/2014.
Entretanto, o ordenamento silencia quanto ao domicílio. E, lembremos, a guarda não afeta no poder familiar, mas está relacionada ao aspecto físico da gestão cotidiana da vida da criança e do adolescente.
Assim, parte da doutrina passou a afirmar que, embora fixada a guarda compartilhada, seria imperiosa a necessidade de fixação de um domicílio de referência, como ensina Conrado Paulino da Rosa [1]. Esta, inclusive, tem sido a prática judicial.
Ocorre, que estudiosos da psicologia e sociologia tem difundido posicionamentos favoráveis à aplicação da residência alternada, no contexto da guarda compartilhada, como forma de organização familiar pós divórcio que atende ao superior interesse da criança.
Maria Berenice Dias afirma ser “indispensável certa flexibilização da convivência, para atender ao interesse do próprio filho (por exemplo, para participar de celebrações festivas da família do outro genitor) o que não pode depender da recusa injustificada de quem tem estabelecida a seu favor a base da moradia.
Deste modo, continua DIAS, é “imperioso reconhecer que, na guarda compartilhada, independente do período de convívio com cada um dos pais, o filho tem dupla residência, dispondo, portanto, de duplo domicílio” [2]
Edward Kruk, investigador canadense especializado na área de políticas públicas para crianças e famílias, e Professor da Escola de Ciências Sociais da University of British Columbia (Vancouver, Canadá), destaca 16 (dezesseis) argumentos a favor das responsabilidades parentais partilhadas [3]. Confira:
1) a igualdade parental preserva o relacionamento da criança com os dois pais, na medida em que antes e depois do divórcio, a criança necessita que ambos sejam psicológico e emocionalmente responsivos, ou seja, envolvidos na sua vida, sendo certo que o afastamento de um dos pais pode ameaçar a sua própria segurança física e emocional;
2) a coparentalidade preserva o relacionamento dos pais em relação ao filho, tendo estudos demonstrado que o ajustamento às consequências do divórcio é melhorado quando se está diante da partilha das responsabilidades parentais;
3) diminui o conflito parental e previne a violência na família;
4) respeita as preferências das crianças e sua visão acerca de suas necessidades e o seu melhor interesse;
5) respeita as preferências dos pais e sua opinião em relação às necessidades dos seus filhos;
6) reflete a forma de cuidado dos pais em relação à criança antes do divórcio;
7) aumenta a qualidade da relação paterno-filial;
8) diminui o foco dos pais em “matematizar o tempo” e reduz litígio;
9) promove o incentivo para negociação interparental, para a mediação, e para o desenvolvimento de um planeamento acerca do exercício das responsabilidades parentais;
10) proporciona uma clara e consistente diretriz para a tomada de decisão judicial acerca da guarda da criança;
11) reduz os riscos e incidentes de alienação parental68;
12) permite uma melhor aplicação das ordens relacionadas às responsabilidades parentais, tendo em vista que os pais são mais propensos a aceitar uma ordem judicial que preveja partilha das responsabilidades parentais;
13) aborda os imperativos da justiça social em elação à proteção dos direitos das crianças;
14) aborda os imperativos da justiça social em relação à autoridade parental, à autonomia, à igualdade, bem como a direitos e responsabilidades;
15) o modelo de guarda exclusiva/exercício unilateral das responsabilidades parentais não encontra suporte empírico;
16) a presunção legal da igualdade de responsabilidades parentais tem suporte empírico.
Rodrigo da Cunha Pereira também advoga a necessidade da fixação de duplo domicílio [4]:
“Ao contrário do discurso psicologizante estabelecido no meio jurídico, e que reforça a supremacia materna, o fato de a criança ter dois lares pode ajudá-la a entender que a separação dos pais não tem nada a ver com ela. As crianças são perfeitamente adaptáveis a essa situação, a uma nova rotina de duas casas, e sabem perceber as diferenças de comportamento de cada um dos pais, e isso afasta o medo de exclusão que poderia sentir por um deles. Se se pensar, verdadeiramente, em uma boa criação e educação, os pais compartilharão o cotidiano dos filhos e os farão perceber e sentir que dois lares são melhores do que um”
REFERÊNCIAS:
[1] ROSA, Conrado Paulino da. Curso de Direito de Família Contemporâneo.Editora Juspodivm, Salvador. 6ª Edição.2020. p. 471.
[2] DIAS. Maria Berenice. Guarda compartilhada dos pais e duplo domicílio dos filhos. Disponível em: http://www.ibdfam.org.br/artigos/1263/Guarda+compartilhada+dos+pais+e+duplo+domic%C3%ADlio+dos+filhos.#:~:text=Guarda%20compartilhada%20dos%20pais%20e%20duplo%20domic%C3%ADlio%20dos%20filhos.,-Autor%3A%20Maria%20Berenice&text=N%C3%A3o%20importa%20a%20disconcord%C3%A2ncia%20de,1.584%2C%20%C2%A7%202o).. Acesso em 15 jun 2020.
[3] KRUK, Edward, Arguments for an Equal Parental Responsibility Presumption in Contested Child Custody, in The American Journal of Family Therapy, Vol 40 (2012), p. 33-55 apud FERREIRA, Petra Sofia Portugal Mendonça. A DUPLA RESIDÊNCIA DA CRIANÇA PÓS-DIVÓRCIO: Uma análise de direito comparado e sua aplicação no direito brasileiro (p. 53-55). Editora D’Plácido.
[4] Pereira, Rodrigo da Cunha. Direito das Famílias (pp. 402-403). Forense.