É POSSÍVEL UTILIZAR DO ALVARÁ JUDICIAL QUANDO EXISTIREM BENS MÓVEIS OU IMÓVEIS, ALÉM DE VALORES ?
A sucessão causa mortis (herança) é instrumentalizada pelo (i) procedimento de inventário e partilha, (ii) arrolamento sumário (quando todos os herdeiros são maiores e capazes) ou (iii) arrolamento comum (o patrimônio não supera 1000 (mil) salários mínimos).
Ocorre que a Lei n. 6.858/80 e seu regulamento ( Decreto n.85.845/91) permite que valores em conta bancária, saldo de salário e valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos via alvará judicial.
OLHA SÓ! O alvará judicial poderá ser utilizado para o saque e partilha dos valores, desde que o montante não ultrapasse 500 (quinhentas) Obrigações do Tesouro Nacional (OTN).
Obrigação do Tesouro Nacional (OTN): O que é? Qual o valor?
A Obrigação do Tesouro Nacional (OTN) foi um título da dívida pública que foi emitido no Brasil entre 1986 e 1989.
A OTN é índice referido pela legislação brasileira, como por exemplo, a Lei 6.858/80 que autoriza a expedição de alvarás judiciais para recebimento de valores de pessoas falecidas por seus herdeiros independentemente de inventário. O limite é de 500 OTNs.
A partir de junho de 2010, o valor de 50 OTNs (Critério adotado pelo STJ no REsp. 1.168.625/MG para definição de alçada judicial) constante do mês de referência de dezembro de 2000 foi de R$328,27, o qual deve ser corrigido pelo IPCA-E (IBGE) – BACEN.
Com base neste julgado, uma OTN em dezembro de 2000 foi avaliada em R$6,5654. Este valor deve ser corrigido pelo IPCA-E. Em abril/2021, 500 OTNs valiam R$ R$ 10.778,19.
Assim, via alvará judicial é possível partilhar herança quando os valores não ultrapassem 500 OTNs, desde que inexista outros bens móveis (art. 2º da Lei n. 6858/80), cabendo ao interessado indicar os herdeiros na petição inicial e os valores existentes nas contas do autor da herança. Caso algum herdeiro não esteja habilitado na previdência, por exemplo, ele deverá ser citado.
Agora, imagine o seguinte cenário. O falecido deixou pequena quantidade de valores (saldo do mês de salário) de aproximadamente R$ 2.000,00 e um automóvel ou uma motocicleta simples que não chega sequer ao valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Como se vê, embora exista um bem móvel, além dos valores em conta, o patrimônio deixado não supera o limite de 500 OTNs. Diante disso, seria possível instrumentalizar o alvará judicial ou necessariamente deveria ser feito o inventário (procedimento mais formal e demorado)?
A dicção legislativa impede a utilização do alvará judicial. No entanto, o procedimento alvará judicial é um procedimento de jurisdição voluntária. Assim, o juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna (art. 723, parágrafo único). Dessa forma, em apreço à facilitação dos procedimentos, desburocratização do acesso à justiça, facilitação de efetivação do direito fundamental à herança, seria possível utilizar de alvará judicial para efetivação da sucessão hereditária, ainda que existam bens móveis e imóveis, desde que o valor patrimonial total não supere o limite de 500 OTNs.
A doutrina aceita tal raciocínio. Nesse sentido, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald afirmam:
“Em nosso entendimento, porém, considerando que os procedimentos de jurisdição voluntária, admitem o julgamento com o uso da equidade, sem a legalidade estrita (CPC, art. 723, Parágrafo Único), vislumbramos a possibilidade de concessão de alvará mesmo quando existem outros bens a serem partilhados (como um automóvel ou mesmo ações de uma empresa), dês que respeitado o limite pecuniário estabelecido no antes referido Diploma Legal.” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Sucessões, 6ª ed. Salvador: JusPodivm, 2021, vol. 7, p. 715)
Portanto, é possível, como forma de facilitação dos procedimentos em apreço à efetivação do direito fundamental à herança, a sucessão hereditária de bens móveis e imóveis via alvará judicial, desde que o valor do patrimônio total não ultrapasse o teto previsto em lei: 500 OTNs. Observação: O Imposto sobre Transmissão de Causas Mortis (ITCMD) geralmente não incide em valores herdados até o limite do alvará judicial. Por exemplo, no Amazonas, há isenção do ITCMD para imóvel, rural ou urbano, cujo valor não ultrapasse R$ 100.000,00 (cem mil reais) e o(s) beneficiado(s) não possua(m) outro imóvel; roupa e utensílio agrícola de uso manual, bem como móvel e aparelho de uso doméstico que guarneçam as residências familiares – Art. 118, III, da Lei Complementar n. 19/97. Como o valor transmitido via alvará judicial é muito inferior ao valor isento, não haverá tributação, nem interesse da Fazenda Pública Estadual.