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É possível renunciar a condição de herdeiro em razão ser cônjuge/companheiro sobrevivente em eventual futura herança?

De início, é importante notar que o artigo 426 do Código Civil veda a negociação de herança de pessoa viva (conhecido como pacto corvina, pacto sucessório): “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”.

A proibição tem com fundamento impedir uma das características essências da declaração de última vontade (testamento): A revogabilidade. Caso fosse possível a negociação da herança ainda em viva, o contratante não poderia revogar unilateralmente.

Outro argumento está relacionado à questão moral. Com a proibição, evita-se gerar expectativa pela morte do autor da herança.

O Superior Tribunal de Justiça já confirmou tal impossibilidade:

AGRAVO  INTERNO  NO  RECURSO  ESPECIAL.  AGRAVO  DE  INSTRUMENTO  EM PROCESSO  DE  INVENTÁRIO.  TRANSAÇÃO SOBRE HERANÇA FUTURA. NULIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.: (…) 2.  Acórdão  recorrido  que manteve a nulidade de cessão de direitos hereditários  em  que os cessionários dispuseram de direitos a serem futuramente  herdados,  expondo  motivadamente as razões pelas quais entendeu  que  o  negócio  jurídico  em questão não dizia respeito a adiantamento  de  legítima,  e  sim  de  vedada transação envolvendo herança de pessoa viva. 4.  Embora  se  admita  a  cessão  de  direitos  hereditários,  esta pressupõe  a  condição  de  herdeiro para que possa ser efetivada. A disposição  de  herança,  seja  sob  a  forma de cessão dos direitos hereditários ou de renúncia, pressupõe a abertura da sucessão, sendo vedada a transação sobre herança de pessoa viva. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1341825 / SC AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2012/0184431-5 – Ministro RAUL ARAÚJO – 4ª Turma – DJe 10/02/2017) – sem grifos no original.

Superada a compreensão acerca da impossibilidade de contrato tendo como objeto a herança de pessoa viva, passa-se ao exame a voo de pássaro dos reflexos do regime de bens na sucessão.

Quanto a tema, em primeiro lugar, o regime de bens só é relevante quando o parceiro afetivo sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. Neste cenário, nas pegadas do artigo 1829, I, do CC, o cônjuge/companheiro sobrevivente concorre com os descendentes (regra). As exceções estão quanto ao regime da comunhão universal de bens (salvo nos bens particulares – art. 1.667 do CC); separação obrigatória (art. 1641 do CC). Por derradeiro, no regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge/companheiro sobrevivente será herdeiros, mas tão somente em relação aos bens particulares do falecido.

Afora as exceções, no regime da separação convencional de bens (ar.t 1687 do CC), ocorre um paradoxo: O cônjuge sobrevivente não é meeiro, pois não há comunicabilidade de bens, mas é herdeiro. Tal entendimento já foi confirmado pelo STJ (AgRg no A Resp. 187.515; AgInt no REsp. 1.354.742). Isso mesmo, em flagrante violação à autonomia, pessoas que decidem não comunicar bens durante o casamento, são herdeiras uma da outra, em caso de sobrevivência e concorrência com os descendentes.

Daí, voltemos à questão: É possível renunciar a condição de herdeiro em razão ser cônjuge/companheiro sobrevivente?

A tendência inicial é negar tal possibilidade, uma vez que não há vedação de contrato sobre a herança viva (pois isso somente é possível após a abertura da sucessão pelos motivos acima declinados). De mais a mais, a lei afirma que o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes, salvo as exceções.

Todavia, a doutrina debate o assunto.

Mário Luiz Delgado e Jânio Urbano Marinho Júnior defendem  uma nova interpretação ao artigo 426 do Código Civil, afastando-se de uma leitura tradicional do dispositivo. Para eles, essa interpretação que vem sendo feita do artigo 426 tem levado à condenação absoluta da renúncia prévia, em pacto antenupcial ou contrato de convivência, de qualquer direito sucessório por parte de cônjuges ou companheiros.

Na mesma toada, Rolf Madaleno também defende que cônjuges e conviventes renunciem ao direito concorrencial previsto no art. 1.829 do Código Civil:

“Cônjuges e conviventes podem livremente projetar para o futuro a renúncia de um regime de comunicação de bens, tal qual podem projetar para o futuro a renúncia expressa ao direito concorrencial dos incisos I e II, do artigo 1.829 do Código Civil brasileiro, sempre que concorram na herança com descendentes ou ascendentes do consorte falecido. A renúncia de direitos hereditários futuros não só não afronta o artigo 426 do Código Civil (pacta corvina), como diz notório respeito a um mero benefício vidual, passível de plena e prévia abdicação, que, obviamente, em contratos sinalagmáticos precisa ser reciprocamente externada pelo casal, constando como um dos capítulos do pacto antenupcial ou do contrato de convivência, condicionado ao evento futuro da morte de um dos parceiros e da subsistência do relacionamento afetivo por ocasião da morte de um dos consortes e sem precedente separação de fato ou de direito”.

Como se vê, malgrado exista proibição de negociação de herança de pessoa viva, é preciso fazer, em respeito à autonomia, uma leitura de forma a permitir que o cônjuge sobrevivente que era casado sob o regime da separação total de bens, mesmo sendo herdeiro em concorrência aos descendentes do falecido possa renunciar (em contrato de convivência ou pacto antenupcial ou outro ato notarial, por exemplo), pois tal renúncia não impede a revogabilidade da disposição de ultima vontade do autor do herança, nem atenta a ordem moral, gerando expectativas pela morte do autor da herança. Por fim, uma nota: A renúncia da condição de herdeiro do cônjuge sobrevivente é chamada de pacto sucessório negativo, na medida em que o acordo de vontades entre cônjuges/companheiros elimina a pretensão de um ser herdeiro do outro.
em face da outra,

REFERÊNCIAS:

DELGADO, Mário Luiz; MARINHO JÚNIOR, Jânio Urbano. Posso renunciar à herança em pacto antenupcial? Revista IBDFAM – Famílias e Sucessões nº 31.

MADALENO, Rolf. Renúncia de herança no pacto antenupcial. Revista IBDFAM – Famílias e Sucessões nº 27.

Categorias:Sucessões
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