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O ESBOÇO DO RESULTADO E A COMPETÊNCIA NO CRIMES DE HOMICÍDIO E LATROCÍNIO.

A regra do art. 70 do CPP determina que os crimes plurilocais  serão processados e julgados no local onde se produziu o resultado.

Todavia, tal entendimento é afastado em relação aos crimes de homicídio. Isso porque, a realidade da investigação do crime em comento, bem como a instrução do processo penal terá mais êxito se correr no local onde aconteceram os fatos (local da ação ou da omissão).

Tal situação evidencia o princípio do esboço do resultado. Tal princípio consiste em se verificar que a conduta delituosa se exauriu em determinado local onde deveria ter sido também o do momento consumativo do crime, pelo que se adota interpretação teleológica consistente em considerar que o fato delituoso já havia prenunciado ou esboçado o seu resultado no local da ação ou da omissão. Assim, a consumação só ocorreu em outro lugar por acidente ou casualidade.

Imaginemos, por exemplo, que Fernando atire em Romeu às margens da Cachoeira do Urubuí, localizada na cidade de Presidente Figueiredo/AM (distante 107 km de Manaus). Diante do fato, os amigos e parentes socorrem à vítima, colocando-o em uma ambulância que é encaminhada à capital amazonense. Ocorre que, embora todas as diligências sejam tomadas no hospital localizado em Manaus, Romeu morre. Ao pé da letra do artigo 70 do CPP e tendo em vista a consumação do delito ter ocorrido em Manaus, esta seria a comarca competente. Entrementes, é necessário atentar que a instrução probatória será melhor desenvolvida onde ocorreu o crime. Afinal, nenhuma das provas, cena do crime, testemunhas estão localizado onde ocorreu a morte, razão pela qual observar a letra fria da lei atentaria contra a eficiência da prestação jurisdicional. Decerto, a competência pertencerá a Comarca de Presidente Figueiredo.

Por derradeiro, importante notar que Renato Brasileiro de Lima noticia outro fundamento importante para a aplicação do princípio do esboço do resultado: A necessidade do processamento, julgamento e condenação ocorrerem na cidade em que ocorreu o fato criminoso, de modo a funcionar como medida preventiva geral, caráter intimidatório, uma das finalidades da pena [1].

Confira julgados dos Tribunais Superiores que reconhecem a competência do local da ação em crimes de homicídio e latrocínio (por favor, leia tudo. A compreensão ficará muito mais fácil):

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – HABEAS CORPUS Nº 196.458 – SP (2011/0023804-6)-  6ª Turma

 EMENTA

HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO TRIPLAMENTE QUALIFICADO. COMPETÊNCIA DO JUÍZO. ATOS EXECUTÓRIOS. CONSUMAÇAO DO DELITO EM LOCAL DIVERSO. TEORIA DO RESULTADO. POSSIBILIDADE DE RELATIVIZAÇAO. INTERPRETAÇAO LÓGICO-SISTEMÁTICA DA LEGISLAÇAO PROCESSUAL PENAL. BUSCA DA VERDADE REAL. FACILITAÇAO DA INSTRUÇAO PROBATÓRIA. COMOÇAO POPULAR. JULGAMENTO EM FORO DIVERSO. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇAO DE EVENTUAL PREJUÍZO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL NAO EVIDENCIADO.

  1. Segundo o disposto no inciso I do art. 69 do Código de Processo Penal, tem-se como regra para a determinação da competência jurisdicional o lugar da infração penal, sendo o que se denomina de competência ratione loci, visto ser o local que presumivelmente é tido como o que permite uma natural fluidez na produção probatória em juízo, razão pela qual deve o agente ser aí punido.
  2. A competência para o processamento e julgamento da causa, em regra, é firmada pelo foro do local em que ocorreu a consumação do delito ( locus delicti commissi ), com a reunião de todos os elementos típicos, ou, no caso de tentativa, pelo lugar em que for praticado o último ato de execução . Adotou-se a teoria do resultado. (Art. 70, caput , do CPP).
  3. No caso concreto, aplicando-se simplesmente o art. 70 do Código de Processo Penal, teríamos como Juízo competente o da comarca de Nazaré Paulista/SP, onde veio a falecer a vítima.
  4. O princípio que rege a fixação de competência é de interesse público, objetivando alcançar não só a sentença formalmente legal, mas, principalmente, justa, de maneira que a norma prevista no caput do art. 70 do Código de Processo Penal não pode ser interpretada de forma absoluta.
  5. Partindo-se de uma interpretação teleológica da norma processual penal, em caso de crimes dolosos contra a vida, a doutrina, secundada pela jurisprudência, tem admitido exceções nas hipóteses em que o resultado morte ocorrer em lugar diverso daquele onde se iniciaram os atos executórios, ao determinar que a competência poderá ser do local onde os atos foram inicialmente praticados.
  6. O motivo que levou o legislador a estabelecer como competente o local da consumação do delito foi, certamente, o de facilitar a apuração dos fatos e a produção de provas, bem como o de garantir que o processo possa atingir à sua finalidade primordial, qual seja, a busca da verdade real.
  7. Embora, no caso concreto, os atos executórios do crime de homicídio tenham se iniciado na comarca de Guarulhos/SP, local em que houve, em tese, os disparos de arma de fogo contra a vítima, e não obstante tenha se apurado que a causa efetiva da sua morte foi asfixia por afogamento, a qual ocorreu em represa localizada na comarca de Nazaré Paulista/SP, tem-se que, sem dúvidas, o lugar que mais atende às finalidades almejadas pelo legislador ao fixar a competência de foro é o do local em que foram iniciados os atos executórios, o Juízo de Guarulhos/SP, portanto.
  8. O local onde o delito repercutiu, primeira e primordialmente, de modo mais intenso deve ser considerado para fins de fixação da competência.
  9. Não há como prosperar a alegação de que o prejuízo ao paciente será imenso se o processo for julgado em Guarulhos/SP, por haver, na referida comarca, um clima de comoção popular, pois, além de a defesa não ter comprovado tais alegações, é cediço que, se o interesse da ordem pública o reclamar ou houver dúvida sobre a imparcialidade do júri ou sobre a segurança pessoal do acusado, poderá haver o desaforamento do julgamento para outra comarca da mesma região, onde não existam aqueles motivos, consoante o disposto no art. 427 do Código de Processo Penal.
  10. Ordem denegada.

PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM ‘HABEAS CORPUS’. HOMICIDIO CULPOSO. JUÍZO COMPETENTE. ‘RATIONE LOCI’. LOCALIDADE DA OCORRENCIA DA INFRAÇÃO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL INEXISTENTE. – TENDO SIDO A VITIMA REMOVIDA PARA HOSPITAL DE OUTRO MUNICIPIO, QUE NÃO O DA OCORRENCIA DA INFRAÇÃO, NÃO FAZ O JUÍZO DESSE, INCOMPETENTE PARA O PROCESSAMENTO DO FEITO. – A COMPETENCIA, ‘RATIONE LOCI’, E DETERMINADA PELA LOCALIDADE DA OCORRENCIA DA INFRAÇÃO, E NÃO PELO LOCAL DA MORTE DA VITIMA. – NÃO EXISTE O ALEGADO CONSTRANGIMENTO ILEGAL, POR SER O JUIZ DO FEITO O COMPETENTE PARA O MESMO. – RECURSO NÃO PROVIDO. (STJ – RHC: 793 SP 1990/0008910-7, Relator: Ministro EDSON VIDIGAL, Data de Julgamento: 17/10/1990, T5 – QUINTA TURMA, Data de Publicação: DJ 05.11.1990 p. 12435 RT vol. 667 p. 338)

SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS – RHC 22295 / MS.  LATROCÍNIO. CRIME COMPLEXO. COMPETÊNCIA DO LOCAL ONDE FOI VERIFICADO O RESULTADO MORTE. INCOMPETÊNCIA RATIONE LOCI. NULIDADE RELATIVA. NECESSIDADE DE SER ARGÜÍDA EM MOMENTO PROCESSUAL OPORTUNO. PREJUÍZO À DEFESA NÃO DEMONSTRADO. FORMAÇÃO DE QUADRILHA.CRIME PERMANENTE. COMPETÊNCIA FIRMADA POR PREVENÇÃO. RECURSO IMPROVIDO.

  1. Hipótese na qual a defesa alega que os réus estão sendo processados por juízo incompetente, pois o crime apurado consumou-se na Comarca de Dourados/MS, eis que a mera subtração do veículo no município de Angélica não teria o condão de fixar a competência naquela comarca.
  2. Nos crimes qualificados pelo resultado, fixa-se a competência no lugar onde ocorreu o evento qualificador, ou seja, onde o resultado morte foi atingido, assim, tendo os corpos das vítimas do latrocínio sido encontrados na Comarca de Dourados, e havendo indícios de que lá foram executadas, a competência se faz pela regra geral disposta nos arts. 69, I e 70, “caput”, do CPP.
  3. A incompetência territorial constitui-se em nulidade relativa, sendo impróprio o reconhecimento de qualquer vício, se não suscitado em tempo oportuno – antes de proferida a sentença – e se ausente a demonstração de prejuízo à defesa, tendo em vista o princípio pas de nullité sans grief.
  4. Em matéria processual não se declara nulidade sem a efetiva ocorrência de prejuízo, ou, ainda, quando o ato processual não houver influído na apuração da verdade substancial, ou na decisão da causa, nos termos do artigo 563 do Código de Processo Penal.
  5. Não obstante o fato de a incompetência ratione loci ter sido oportunamente aventada, não se vislumbra a demonstração de qualquer prejuízo sofrido pelos recorrentes, o que impede a declaração da nulidade, devendo ser perpetuada a competência do Juízo de Direito da Comarca de Dourados/MS.
  6. No que tange ao delito de formação de quadrilha, crime de natureza permanecente, a competência é firmada por prevenção, nos termos do art. 83 do CPP.
  7. Recurso improvido.

REFERÊNCIAS.

  1. Código de Processo Penal Comentado. Renato Brasileiro de Lima. 1a edição:2016. Páginas 259/260
Categorias:Processo Penal
  1. Newman Franco
    14/ outubro / 2017 às 19:59

    Bom texto. Didático, objetivo e direto ao assunto sem rodeios.
    Newman Franco

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