A torpeza bilateral afasta o crime de estelionato?
Em certos casos a própria vítima também atua com má-fé, visando a obter vantagem sobre o agente, pois igualmente tem a finalidade de obter para si ou para terceiro uma vantagem ilícita. É a chamada torpeza bilateral.
Imaginemos, por exemplo, o golpe do bilhete premiado. A vitima desconfia que o bilhete premiado que está comprando é falso, mesmo assim, insiste em comprá-lo. Depois que sofrer o prejuízo, poderá alegar que foi vítima de estelionato?
A resposta é positiva. Ora, predomina na doutrina que a torpeza bilateral não afasta o delito, até porque o artigo 171 do CP não consta a boa-fé da vítima como elementar.
Cleber Masson, a partir da doutrina de Heleno Fragoso, assim resume os argumentos pela existência do crime:
(a) não se pode ignorar a má-fé do agente que utilizou a fraude e obteve a vantagem ilícita em prejuízo alheio, nem o fato de a vítima ter sido ludibriada, e, reflexamente, ter suportado prejuízo econômico;
(b) a boa-fé da vítima não é elementar do tipo contido no art. 171, caput, do Código Penal; e
(c) a reparação civil do dano interessa somente à vítima, enquanto a punição do estelionatário interessa a toda a coletividade.
O Supremo Tribunal Federal entende que a torpeza bilateral não afasta o crime de estelionato:
Fraude bilateral. Embora reprovável a conduta da vítima que participa da trama de outrem, visando vantagem ilícita, a sua boa-fé não é elemento do tipo previsto no art. 171 do Código Penal. Sanciona-se a conduta de quem arquiteta a fraude, porque o Direito Penal tem em vista, primordialmente, a ofensa derivada do delito. (340RHC 65.186/SP, rel. Min. Carlos Madeira, 2.a Turma, j. 19.06.1987.)
O Superior Tribunal de Justiça tem o mesmo entendimento:
Desde que a ação amolde-se à figura típica do art. 171 do Código Penal, não há como excluir o crime por eventual torpeza bilateral, sendo irrelevante para configuração do delito a participação, maliciosa ou não, da vítima. (REsp 1.055.960, rel. Min. Laurita Vaz (decisão monocrática), j. 31.10.2008.).
Como se vê, A MÁ-FÉ DA VÍTIMA, A TORPEZA BILATERAL NÃO AFASTA O CRIME DE ESTELIONATO.
A questão relacionada à má-fé no crime de estelionato foi cobrada no concurso da magistratura do TRT/14ª Região (2012):
(TRT/14ª Região – Jiuiz do Trabalho). Dentre os requisitos listados abaixo marque o único que NÃO importa para caracterizar o crime de estelionato:
a) emprego de fraude (artifício, ardil, ou qualquer outro meio fraudulento)
b) vitima agir com má-fé
c) provocação ou manutenção em erro.
d) locupletação (vantagem) ilícito.
e) lesão patrimonial de outrem.
O gabarito foi considerado a alternativa “b”.
REFERÊNCIAS:
MASSON, Cleber. Direito Penal Esquematizado. Volume 2. 2016. Editora Método (Grupo GEN)
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