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O casamento avuncular é permitido no Brasil?
Para começo de conversa, precisamos saber o que é casamento avuncular.
Trata-se do casamento entre tios e sobrinhos, ou seja, entre parentes colaterais em terceiro grau.
Tal casamento é permitido pelo ordenamento jurídico pátrio?
De início, na vereda do artigo do art. 1.521 do Código Civil, não podem se casar: IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive.
Acontece que o dispositivo em comento é mera repetição do Código de 1916. Daí, precisamos descobrir as razões da proibição.
Nesse diapasão, concluímos que o legislador foi moralista, pois em termos de proteção à prole e eventuais problemas que poderia ter, segundo Bevilaqua, a questão é duvidosa e polêmica.
Por tal razão, em 1941, foi editado o Decreto-lei 3200, que assim dispõe:
“Art. 1º O casamento de colaterais, legítimos ou ilegítimos do terceiro grau, é permitido nos termos do presente decreto-lei.
Art. 2º Os colaterais do terceiro grau, que pretendam casar-se, ou seus representantes legais, se forem menores, requererão ao juiz competente para a habilitação que nomeie dois médicos de reconhecida capacidade, isentos de suspensão, para examiná-los e atestar-lhes a sanidade, afirmando não haver inconveniente, sob o ponto de vista da sanidade, afirmando não haver inconveniente, sob o ponto de vista da saúde de qualquer deles e da prole, na realização do matrimônio. (Vide Lei nº 5.891, de 1973)
Como se vê, o Decreto se limitou a questões de saúde aos nubentes (fala-se em sanidade ou saúde) ou da prole (risco de transmissão de doenças ou deformidades).
Sabe o que isso quer dizer? Um exame pericial precisaria ser realizado para ver se os apaixonados não estavam loucos rsrsrsrs…. Ora, ora.
Pois bem, o exame também servia para não ter risco (mas quem disse que todo casal quer ter filhos biológicos?).
De todo modo, a doutrina majoritária indica que o Decreto-lei 3200/41 permanece.
Ora, a lei especial permanece, uma vez que não houve expressa contrariedade entre a lei anterior especial (decreto-lei 3200/41) e a lei geral posterior (Código Civil de 2002).
Sobre o tema, confira o Enunciado 98 do CJF: “O inc. IV do art. 1.521 do novo Código Civil deve ser interpretado à luz do Decreto-Lei n. 3.200/41 no que se refere à possibilidade de casamento entre colaterais de 3º grau”
Portanto, o casamento avuncular (entre tios e sobrinhos) é permitido, devendo ser observado o disposto no Decreto-Lei n. 3200/41 – perícia por junta médica para verificação da saúde e riscos para a prole.
Por curiosidade, encontramos na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, um julgado interessante. Trata-se de um casamento avuncular que teve sua validade reconhecidade, embora não tenha sido feito o exame pericial. No caso, o casamento aconteceu na situação nuncupativa (in extremis) – art. 1.540 do Código Civil. Confira:
SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – RECURSO ESPECIAL Nº 1.330.023 -3ª Turma
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. CASAMENTO NUNCUPATIVO. VALIDADE. COMPROVAÇÃO DE VÍCIO QUANTO A MANIFESTAÇÃO DA VONTADE INEQUÍVOCA DO MORIBUNDO EM CONVOLAR NÚPCIAS. COMPROVAÇÃO. 1. Ação de decretação de nulidade de casamento nuncupativo ajuizada em novembro de 2008. Agravo no recurso especial distribuído em 22/03/2012. Decisão determinando a reautuação do agravo em recurso especial, publicada em 12/06/2012. 2. Recurso especial que discute a validade de casamento nuncupativo realizado entre tio e sobrinha com o falecimento daquele, horas após o enlace. 3. A inquestionável manifestação da vontade do nubente enfermo, no momento do casamento, fato corroborado pelas 6 testemunhas exigidas por lei, ainda que não realizada de viva voz, supre a exigência legal quanto ao ponto. 4. A discussão relativa à a nulidade preconizada pelo art. 1.548 do CC-02, que se reporta aos impedimentos, na espécie, consignados no art. 1.521, IV, do CC-02 (casamento entre colaterais, até o terceiro grau, inclusive) fenece por falta de escopo, tendo em vista que o quase imediato óbito de um dos nubentes não permitiu o concúbito pós-casamento, não havendo que se falar, por conseguinte, em riscos eugênicos, realidade que, na espécie, afasta a impositividade da norma, porquanto lhe retira seu lastro teleológico. 5. Não existem objetivos pré-constituídos para o casamento, que descumpridos, imporiam sua nulidade, mormente naqueles realizados com evidente possibilidade de óbito de um dos nubentes – casamento nuncupativo -, pois esses se afastam tanto do usual que, salvaguardada as situações constantes dos arts. 166 e 167 do CC-02, que tratam das nulidades do negócio jurídico, devem, independentemente do fim perseguido pelos nubentes, serem ratificados judicialmente. 6. E no amplo espectro que se forma com essa assertiva, nada impede que o casamento nuncupativo realizado tenha como motivação central, ou única, a consolidação de meros efeitos sucessórios em favor de um dos nubentes – pois essa circunstância não macula o ato com um dos vícios citados nos arts. 166 e 167 do CC-02: incapacidade; ilicitude do motivo e do objeto; malferimento da forma, fraude ou simulação. Recurso ao qual se nega provimento.
Portanto, o casamento avuncular é permitido no Brasil, observando-se o Decreto n. 3200/41, sendo que o exame pericial pode até ser dispensado quando o casamento ocorrer na situação nuncupativa.
REFERÊNCIAS:
Regina Beatriz Tavares da Silva (ao atualizar Washington de Barros Monteiro, v. 2, 39ª ed, p. 85), Maria Helena Diniz (v. 5, 26ª ed, p. 86)
Carlos Roberto Gonçalves (v. 6, 7ª. Ed, p. 72)
Silvio Venosa (v. 6, 12ª ed, p. 73)
Luiz Edson Fachin e Carlos Pianovski Ruzyk (Código Civil comentado, v. 15, p. 64)
Maria Berenice Dias ( Manual de Direito das famílias, 4ª ed, p.148)
Carlos Alberto e Adriana Dabus Maluf (Curso de Direito de Família, p. 134)
Francisco José Cahali (ao atualizar Silvio Rodrigues, v. 6, p. 43):
Flávio Tartuce (Direito Civil, 12ª Edição, volume 5, p. 61).
Alterações na estrutura da família pós-1988
Segundo Eduardo Leite, é possível extrair 5 alterações estruturais no Direito de Família, a partir dos artigos 226 e 227:
– Reconhecimento de outras formas de conjugabilidade ao ao lado da família legítima.
– Igualdade absoluta entre homem e mulher.
– Paridade de direito entre filhos de qualquer origem.
– Dissolubilidade do vínculo matrimonial
– Reconhecimento de uniões estáveis.
Família na Constituição: Rol exemplificativo ou taxativo ?
Doutrina e jurisprudência majoritárias afirmam que o rol da Constituição da República é exemplificativo (numerus apertus) e não taxativo (numerus clausus)
Exemplos?
– Família extensa (Lei da adoção – Lei n 12010/09)
– Família homoafetiva (STF – informativo n. 635 e STJ – informativo n. 486)
Reincidência X Confissão Espontânea: O que prepondera? É possível compensar?
Quando olhamos para s decisões do STF e STJ, percebemos que há divergência no entendimento.
Enquanto o STF entendeu que a reincidência seria preponderante (RHC 120.677/SP – 2a Turma – 18.03.2014), a 3a Seção do STJ firmou entendimento no qual a atenuante da confissão espontânea pode ser compensada com a agravante da reincidência (EREsp n. 1.154.752/RS).
Em uma leitura superficial, o estudante pode imaginar que deveria caminhar pelo entendimento do STF.
No entanto, é preciso ter cuidado. Isso porque, para chegarmos a resposta, precisamos relembrar o papel de cada tribunal superior. O STF é o guardião da Constituição, O STJ, por sua vez, é o interprete da norma infraconstitucional, em suma.
De mais a mais, devemos lembrar que a aplicação da pena é tema infraconstitucional (revisto no Código Penal). Dessa forma, deve ser levada em conta a posição do STJ, ainda que diversa do STF.
Tanto é verdade que o tema chegou a ser levado ao STF (RE 983765). Na ocasião, o Supremo afirmou não haver repercussão geral sobre o tema e afastou o pedido do Ministério Público Federal, uma vez que não cabe Recurso Extraordinário por contrariedade ao princípio constitucional da legalidade, quando a sua verificação pressuponha rever a interpretação dada a normas infraconstitucionais pela decisão recorrida (STF, Súmula 636). Vale dizer, sobre lei federal, quem dá a ultima palavra é o STJ, não podendo o STF examinar sob o pretexto de inconstitucionalidade reflexa ou indireta.
Sendo assim, prevalece o entendimento do STJ pela possibilidade de compensação entre reincidência e confissão espontânea..
Mas Helom, é possível em alguma situação prevalecer a reincidência?
A resposta é positiva. Isso somente acontecerá se houver justificativa concreta que aponte para a prevalência da agravante, como múltiplas reincidências ou uma reincidência específica.
Portanto:
REGRA: Reincidência e confissão espontânea se compensam
EXCEÇÃO: Se houver justificativa concreta que aponte para a prevalência da agravante, como múltiplas reincidências ou uma reincidência específica.
PROVAS VEDADAS NO PROCESSO PENAL? Classificação e limites à Teoria dos frutos da árvore envenenada.
Para começo de conversa, a Constituição da República veda o uso de provas ilícita. Vejamos O ART. 5º, LVI, DA CRFB: São inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos
Na verdade, a expressão prova vedada (ilegal, proibida) consiste em um gênero, do qual fazem parte 03 (três) espécies de provas:
01 – PROVAS ILÍCITAS – são as obtidas mediante violação direta ou indireta da Constituição Federal;
02 – PROVAS ILEGÍTIMAS – Provas obtidas ou produzidas com ofensa a disposições legais, sem nenhum reflexo em nível constitucional.
03 – PROVAS ILÍCITAS POR DERIVAÇÃO- Embora lícitas na própria essência, se tornam viciadas por terem decorrido de uma prova ilícita anterior OU a partir de uma situação de ilegalidade;
E sobre as provas ilícitas por derivação ganha aplicabilidade em nosso sistema, a Teoria dos frutos da árvore envenenada.
O que essa teoria quer dizer? Para tal teoria, o defeito existente no tronco contamina os frutos. Vale dizer: Se uma prova, embora lícita decorrer de uma outra prova manifestamente viciada ou de uma situação de ilegalidade, tal prova será vedada.
CUIDADO! Deverá existir uma relação de exclusividade entre a prova posterior e a anterior que lhe deu origem, para que possamos falar em contaminação. Caso contrário, surge a FONTE INDEPENDENTE.
O QUE É FONTE INDEPENDENTE? Segundo o art. 157, § 2o , do CPP: ”Considera-se fonte independente aquela que por si só, seguindo os trâmites típicos e de praxe, próprios da investigação ou instrução criminal, seria capaz de conduzir ao fato objeto da prova”
Logo, para ser fonte independente NÃO deve existir nexo de causalidade entre a prova que se quer utilizar e a situação de ilicitude ou ilegalidade antes ocorrida.
O exemplo citado na doutrina é aquele em que uma testemunha “X” foi citada em uma interceptação telefônica irregular, mas ela também foi citada na inquirição da testemunha “W”. Ora, por outra fonte independente chegamos a testemunha “X”, razão pela qual a prova será aceita.
Superada a teoria da fonte independente, existem mais 02 institutos que permitiriam o uso de provas, ainda que tivessem origem na prova ilícita. Vamos lá?
A) LIMITAÇÃO DA CONTAMINAÇÃO EXPURGADA, TINTA DILUÍDA, MANCHA PURGADA OU CONEXÃO ATENUADA – Apesar de já estar contaminado um determinado meio de prova em face da ilicitude da prova ou da ilegalidade da situação que o gerou, um acontecimento posterior expurga (afasta, elide) esta contaminação, permitindo-se o aproveitamento da prova. Ao ser preso de forma irregular, o acusado confessa sob coação o crime. Até aí, a confissão não seria utilizada como prova. Entretanto, ao ser interrogado em juízo, livre de qualquer coação, o acusado confessa o crime. A contaminação foi expurgada pelo interrogatório em juízo (acontecimento posterior) e a confissão passa a valer como prova (Há nexo, mas este foi abrandado).
OLHA SÓ! Na contaminação expurgada, EXISTE NEXO DE CAUSALIDADE entre a situação de ilegalidade e a prova que se quer utilizar. Contudo, este nexo é abrandado ou atenuado pela interferência de um acontecimento posterior.
Essa é a diferença entre a teoria da fonte independente e limitação da contaminação expurgada: Na primeira, não há nexo. Na ultima, há nexo, mas este é abrandado por fato posterior.
B) A DESCOBERTA INEVITÁVEL (“INEVITABLE DISCOVERY”) – Hipótese na qual a prova será considerada admissível se evidenciado que ela seria, inevitavelmente, descoberta por meios legais.
Vejamos um exemplo citado na doutrina sobre a descoberta inevitável: Busca ilegal realizada pela autoridade policial na residência do suspeito, resultando da diligência a apreensão de documentos que o incriminam. Ora, tais documentos, na medida em que surgiram a partir de uma ilegalidade, constituem prova ilícita por derivação. Considere-se, porém, que se venha a constatar que já existia mandado de busca para o local, mandado este que se encontrava em poder de outro delegado de polícia, o qual, no momento da diligência ilegal, estava se deslocando para a casa do investigado.
Neste caso, considerando a evidência de que os mesmos documentos obtidos ilegalmente seriam inevitavelmente descobertos e apreendidos por meios legais, afasta-se a ilicitude derivada, podendo ser aproveitada a prova resultante daquela primeira apreensão.
Em resumo, a prova ilícita não é admitida, tampouco as provas, ainda que lícitas derivarem da prova ilícita anterior OU de uma situação de ilegalidade (Teoria dos frutos da árvore envenenada). Todavia, existem alguns limites que admitem as provas decorrentes quando estivermos diante de uma fonte independente (não há nexo), a contaminação puder ser expurgada (nexo ser abrandado) ou a descoberta de tal prova inevitavelmente, fatalmente ia ocorrer (uma questão de tempo).
O que precisa e o que não precisa ser provado no processo penal?
Em regra, a função do processo penal é verificar, provar a existência de FATOS.
OLHA SÓ! Excepcionalmente, o DIREITO necessitará ser provado nas situações em que este for previsto em leis estaduais, municipais e estrangeiras, uma vez que tais normas estão fora da obrigatoriedade do magistrado. Todavia, lembremos que isso è bem raro no processo penal, uma vez que a competência legislativa sobre o tema é da União (art 22,I, da CRFB).
No entanto, curiosamente, NEM TODOS OS FATOS PRECISAM SER PROVADOS. Vejamos quais dispensam a prova:
FATOS EVIDENTES (ou axiomáticos, ou intuitivos)–São fatos que decorrem de um raciocínio lógico, intuitivo, decorrente de alguma situação que gera a lógica conclusão de outro fato;
FATOS NOTÓRIOS – São aqueles que pertencem ao conhecimento comum de todas as pessoas. Assim, ao mencionar, por exemplo, que um fato criminoso fora cometido no dia 25 de dezembro, Natal, não tem a parte obrigação de provar que o dia 25 de dezembro é Natal, pois isso é do conhecimento comum de qualquer pessoa;
PRESUNÇÕES LEGAIS –São fatos que a lei presume tenham ocorrido. O exemplo mais clássico é a inocência do réu. A Lei presume a inocência do réu, portanto, não cabe ao réu provar que é inocente, pois este fato já é presumido. No entanto, este fato é uma presunção relativa, ou seja, pode ser pode ser também, absoluta, ou seja, não admitir prova em contrário. Um exemplo clássico é a presunção de que o menor de 14 anos não tem condições mentais de consentir na realização de um ato sexual, sendo, portanto, crime de estupro a prática de ato sexual com pessoa menor de 14 anos, consentido ou não a vítima (presunção absoluta de incapacidade para consentir, ou presunção iure et de iure). Para parcela da Doutrina, no entanto, trata-se de presunção meramente relativa (tese minoritária). Frise-se que embora o fato presumido independa de prova, o fato que gera a presunção deve ser provado. Assim, embora seja presumida a incapacidade para consentir do menor de 14 anos, a condição de menor de 14 anos deve ser objeto de prova;
FATOS INÚTEIS – São aqueles que não possuem qualquer relevância para a causa, sendo absolutamente dispensáveis e, até mesmo, podendo ser dispensada a sua apreciação pelo Juiz.
OS FATOS INCONTROVERSOS PRECISAM PRECISAM SER PROVADOS NO PROCESSO PENAL?
Sabemos que o objeto da prova no processo penal está relacionado a atos, fatos e circunstâncias que convençam o juiz acerca da veracidade do que foi afirmado pela acusação e pela defesa.
Todavia, já falamos Os fatos evidentes, notórios, inúteis e as presunções legais não precisam ser provados.
Agora, uma nova questão surge: E OS FATOS INCONTROVERSOS? Aqueles que não foram contestados, impugnados pelas outras partes precisam ser provados?
OLHA SÓ! De modo diverso do que é previsto no CPC (art. 374, III – não dependem de prova os fatos admitidos no processo como incontroversos), no processo penal, diante de um fato incontroverso, o juiz deve determinar, no curso da instrução ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante (art. 156, II, do CPP). Logo, os fatos incontroversos precisam ser provados.
Ora, pensemos bem….
Se a confissão do crime pelo acusado não é suficiente para, por si só, levar a condenação, exigindo sempre cotejo com os demais elementos de prova colhidos no processo (art. 197 do CPP), quanto mais a ausência de contestação quanto a atos, fatos e circunstâncias não terá força suficiente para dispensar a necessidade de produção probatória.
SE LIGA!
Os fatos notórios, evidentes e inúteis e as presunções legais não precisam ser provados, mas os fatos incontroversos necessitam ser provados!