A REGRA DA DIFERENÇA DE IDADES ENTRE ADOTANDO E ADOTADO NA ADOÇÃO É ABSOLUTA?
O Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8069/90) exige, além de outros critérios, uma diferença de idade de, pelo menos, dezesseis anos entre o adotante e o adotado (ECA, art. 42, 3°).
Galdino Bordallo explica que “a diferença de dezesseis anos entre o adotante e o adotado evitará que se confundam os limites que há entre o amor essencialmente filial e paterno em relação aquele, entre homem e mulher, onde a atração física pode ser preponderante”. (Adoção, Lumen Juris, 2006, p. 214)
Por oportuno, ressalta-se que quando se tratar de adoção por casal, bastará que um deles preencha o referido requisito, não se exigindo de ambos.
Superadas as linhas iniciais, questiona-se: A REGRA DA DIFERENÇA DE IDADES ENTRE ADOTANDO E ADOTADO NA ADOÇÃO É ABSOLUTA?
A doutrina brasileira e jurisprudência já afastaram em algumas situação.
Segundo Cristiano Chaves, “a referida norma pode ser afastada, por decisão judicial, casuisticamente, na defesa do melhor interesse da criança ou do adolescente e de sua proteção integral, em especial quando o pedido de adoção e antecedido de período razoável de convivência afetiva. (Curso de Direito Civil – Famílias – volume 6 – 11ª Edição, p. 1008).
Waldyr Grisard Filho ilustra um exemplo interessante:”Uma mulher com trinta anos de idade tem um filho, não reconhecido por seu pai biológico, com dez anos e se une a um homem de vinte e três anos. Esse cônjuge ou concubine, pretendendo adotar este menor, na forma do 1° do art. 41 do estatuto, terá indeferida a sua pretensão, por não preencher o requisito da diferença mínima de idade exigido, embora se reconheça apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimo. Esta realidade, bastante frequente, não tem resposta adequada na lei” (Será verdadeiramente plena a adoção unilateral? In Revista Brasileira de Direito de Família, volume 11, p. 42)
A omissão legislativa deve ser colmatada pelo juiz no caso concreto, por aquela que considere compatível com a relação de paternidade ou maternidade e que permite exercer a parentalidade com maturidade afetiva e humana.
Já há precedente em jurisprudência:
“pedido de autorização de adoção pela esposa do pai biológico, indeferido por haver quinze anos e oito meses de diferença de idade. Situação de fato, convivência desde os quatro anos de idade do adotando, hoje com vinte e quatro anos. Vínculo afetivo de maternidade constatado. Pareceres favoráveis do Ministério Público. Aplicação do art. 226 da Constituição Federal, com o fim de preservar a relação a relação familiar constituída” (TJ,RJ,Ac. Unân., Câm. Cív., Ap. Cív. 2002.001.21143, real. Desa. Nanci Mahfuz, j.18.3.03).
Sobre a diferença de idade entre adotante e adotado e eventual flexibilização, assevera Dias Messias de Carvalho:
“O requisito de diferença mínima de 16 anos entre o adotando e o adotado, exigido pela lei, para as pessoas que querem adotar, tem por objetivo instituir ambiente de respeito austeridade, resultante da natural ascendência de pessoa mais idosa sobre outra mais jovem, como acontece na família natural, entre pais e filhos, porque a adoção imita a natureza. A diferença de idade, entretanto, não vem sendo interpretada da forma absoluta, já existindo decisões que permitem, excepcionalmente, reduzir a diferença de 16 anos quando já existe uma situação de fato consolidada pela convivência afetiva, evidenciando a relação paterno-filial entre o adotando e os adotantes. A possibilidade, reitera-se, é excepcional, somente admitida no caso concreto em que a filiação socioafetiva já se desenvolveu e solidificou, configurando-se a prevalência do melhor interesse do menor em regularizar juridicamente uma situação de fato, nos casos em que o adotando já está inserido como filho na família dos adotantes.” (Direito das Famílias, Saraiva, 2016, 5ª Edição, 689).
Por sua vez, o Tribunal de Justiça de São Paulo permitiu a adoção, embora a diferença de idade fosse inferior a 16 anos (15 anos e 11 meses), pois a adotante já cuidava do adotado há 52 anos (Apelação AC n. 0001170-92.2011.8.26.0625, julgado em 05/05/2015).
Na mesma toada, registra-se decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte veiculada pelo site do Instituto Brasileiro de Direito das Famílias e Sucessões, a qual flexibilizou a diferença de idade entre adotantes:
“Em 2013, a 3ª Câmara Cível, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJRN), anulou sentença que havia inadmitido ação de adoção, em decorrência da diferença de idade entre adotante e adotando ser inferior a 16 anos. Segundo o Juízo de primeiro grau, o pedido esbarrava numa especificação do Estatuto da Criança e do Adolescente, que estabelece que: “O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando”.
Na época, além de anular a sentença, os desembargadores entenderam que, diante das evidências apresentadas nos autos, existia a possibilidade de flexibilização do texto legal, devido ao contexto do processo, e, por isso, mesmo a diferença de idade sendo menor, julgou procedente o pedido, declarando a criação de vínculo jurídico de filiação entre o adotante e a adotada, que tinham 11 anos e cinco meses de diferença.
“Há vários precedentes em que a diferença mínima de idade é flexibilizada, especialmente nas situações em que se chega próximo aos 16 anos exigidos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Já existem acórdãos nos Tribunais de Justiça de São Paulo, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Sergipe, Rondônia, dentre outros”, afirma Paulo Lépore. De acordo com ele, historicamente, as questões relacionadas à infância foram conduzidas por “pessoas de boa vontade” no Brasil. (link abaixo).
Como se vê, o ordenamento legal impõe a diferença mínima entre adotante e adotado de 16 anos, mas tal regra pode ser flexibilizada em apreço ao melhor interesse da criança, sobretudo quando a filiação sociafetiva já se desenvolveu e já se consolidou, evidenciada em um período razoável de convivência afetiva.
REFERÊNCIAS:
1. A flexibilização da idade mínima para realizar uma adoção. Disponível em http://www.ibdfam.org.br/noticias/6484/A+flexibiliza%C3%A7%C3%A3o+da+idade+m%C3%ADnima+para)