Detroit em Rebelião: Um alerta para o “fair play” policial e processual
Não, não! Você não precisa gostar ou odiar o Processo penal. Você sequer precisa gostar desse negócio de “Justiça”
“Detroit em Rebelião” é apenas um filme (quase um documentário) que vive a realidade da atuação estatal que repercute em todos nós.
Não precisa ser estudante de direito, tampouco um criminalista. Na verdade, é salutar que o filme surja como um exemplo da importância fundamental para a sociedade de que tenhamos um processo penal democrático, justo.
Ao assistir, podemos extrair do filme que o direito fundamental à segurança pública seja daqueles que atuam, sejam dos destinatários, não pode ser confundida com a “liberdade para matar, para atuar”. O atuar enérgico não pode ser confundido com irresponsabilidade.
De cá, já deixo meu pitaco: O fortalecimento da segurança de todos e a proteção aos membros da força policial não se satisfaz com discursos populistas e eleitoreiros. Mister que se compreenda que em uma atividade tão estressante como a atividade policial, mecanismos de cuidado com a saúde mental sejam desenvolvidos em prol dos policiais, que a melhor remuneração seja estabelecida, mas tudo isso sem descuidar da advertência que os atores do Estado devem zelar permanentemente pela cautela e cuidado na atuação, que é imperiosa remuneração digna e limitação na jornada de trabalho, mas que a redução em nada adianta quando o Estado fica omisso aos policiais que desenvolvem atividades paralelas (segurança privada) que provocam maior desgaste o que acaba repercutindo em tensões maiores no exercício da atividade principal, e, consequentemente, erros, acidentes.
É preciso deixar claro que as vítimas das atuações policiais não podem ser apenas vistas como algo que “infelizmente” acontece, que não é “a primeira, nem a última”. Situações de morte de inocentes pelo Estado policial devem servir com um espaço para autocrítica, avaliação da condução das operações policiais, pois nem sempre estamos diante de “balas perdidas”. Na verdade, há um ciclo de violência em que o Estado é um grande violador de direitos das vítimas.
Nessa toada, lembremos o artigo 51.1 da Convenção de Genebra sobre Conflitos Armados, internalizado no Brasil (Decreto n. 849/93) alerta que “A população civil e as pessoas civis gozarão de proteção geral contra os perigos provindos de operações militares”
Assim, em uma atuação policial, a população civil tem o direito de ser protegida contra os perigos (não precisa sequer ser dano) das atividades policiais.
De mas a mais, é imperioso um olhar mais atento quanto à confissão. Um Estado inteligente não se satisfaz com a simples confissão para o juízo condenatório. Não! A confissão não é “a rainha das provas”. Assim, a confissão e as delações merecem sempre serem filtradas e duvidadas, especialmente quando coletadas exclusivamente na fase inquisitiva, e, sobretudo, quando forem apenas escrita/digitada e simplesmente “assinada”, em plena época que caneta nos faltam nas mãos, mas dificilmente a câmera filmadora ou gravador de voz do celular simples (que ainda assim, podem decorrer de uma pressão policial).
Os jargões “foi você que assinou?, Essa assinatura é sua?” são apenas evidências de um processo penal homologador da inquisição, um golpe de cena, que abre mão do seu papel necessário. Diante disso, deve existir uma preocupação incessante do Estado em perquirir esclarecimentos, bem como proteger direitos fundamentais dos acusados, para que assim, processos penais e condenações estejam revertidas de maior legitimidade social e jurídica, e diminuídos os riscos de condenarmos inocentes.
“Detroit em Rebelião” é uma boa lição para valorizarmos a importância do jogo limpo, do fair play policial e processual penal no Estado Democrático de Direito.
E como falei no começo, você não precisa gostar ou odiar o Processo penal, nem gostar desse negócio de “Justiça”. Para assistir “Detroit em Rebelião”, você só precisa amar a vida, gostar do ser humano.
Obs.: Segue a lista de alguns artigos que fundamentam o texto:
Constituição (art. 5º, LXIII);
Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (art. 14.3, “g”),
Convenção Americana sobre Direitos Humanos (art. 8º, § 2º, “g”),
Código de Processo Penal (art. 155 a 158, 197 a 200);
Lei n. 12850/2013 (art. 4º, §13, §15 e §16) .