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É possível aplicar o princípio da insignificância ao furto qualificado?

Para começo de conversa, lembremos que o princípio da insignificância implica no afastamento do afastamento da tipicidade. Isso mesmo, o fato, embora tipicamente formal, não é considerado crime porque materialmente não houve lesão material concreta é grave ao bem jurídico protegido pela norma.

O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material.(STF- RHC 122.464/BA).

Segundo os tribunais superiores, o princípio da insignificância pode ser aplicado em qualquer crime, desde que seja com ele compatível. Assim, devem ser observados os seguintes requisitos: O valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como,a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. (STF, RHC 118.972/MG).

Superadas as linhas iniciais. Vamos dialogar sobre a aplicabilidade da bagatela no crime de furto qualificado.

Julgados do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça negaram a aplicação do princípio da insignificância em algumas situações do furto qualificado, tais como: rompimento de obstáculo (STF – HC n. 131.618/MS) escalada (STJ – RHC n. 71.863) e abuso de confiança (STJ – AgInt. no EDcl no AResp 1.386.937/SP). Assim, somos tentados a rechaçar a insignificância no furto qualificado.

Acontece que recentemente, a 5a Turma do STJ reconheceu que a presença da qualificadora, por si, só não impede o afastamento da tipicidade material, pois as circunstâncias do princípio da insignificância. No caso concreto, o furto era qualificado em razão do concurso de agentes (Art. 155, parágrafo 4, IV, do CP) e a coisa furtado foi avaliada em R$ 62, 29 (produtos alimentícios).

Confira o julgado:

PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. FURTO QUALIFICADO. SUBTRAÇÃO DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS. EXCEPCIONALIDADE DO CASO CONCRETO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso previsto para a espécie. No entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal. 2. De acordo com a orientação traçada pelo Supremo Tribunal Federal, a aplicação do princípio da insignificância demanda a verificação da presença concomitante dos seguintes vetores (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3. O princípio da insignificância é verdadeiro benefício na esfera penal, razão pela qual não há como deixar de se analisar o passado criminoso do agente, sob pena de se instigar a multiplicação de pequenos crimes pelo mesmo autor, os quais se tornariam inatingíveis pelo ordenamento penal. Imprescindível, no caso concreto, porquanto, de plano, aquele que é contumaz na prática de crimes não faz jus a benesses jurídicas. 4. Na espécie, a conduta é referente a um furto qualificado pelo concurso de agentes de produtos alimentícios avaliados em R$ 62,29. 5. Assim, muito embora a presença da qualificadora possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias demonstra a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para trancar a ação penal movida em desfavor das pacientes – STJ – 5a Turma – HC n. HC 553872/SP – julgado em 11/02/2020.

Como se vé, para que uma conduta seja considerada típica, além da tipicidade formal (subsunção do fato à norma) é imperioso que ocorra a tipicidade material (lesão concreta ao bem jurídico protegido). Se não houve tipicidade material, não há crime, uma vez que a tipicidade formal é insuficiente para que o fato seja relevante ao Direito Penal, em razão do princípio da insignificância.

Diante disso, é possível aplicar o princípio da insignificância, ainda que ao furto qualificado, sempre observadas as circunstâncias concretas e ausente a tipicidade material, conforme jurisprudência recente do STJ.

 

Categorias:Geral, Penal
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