A INQUISIÇÃO SUPREMA: O STF & O Inquérito n. 4781
Há mais de um ano, publiquei e comentei em aulas (com perplexidade), o Inquérito instaurado pelo Supremo Tribunal Federal.
Alguns dias depois, ironizei a atuação da então Procuradora-Geral da República que pregou sobre o sistema acusatório, necessidade da separação das atribuições entre Judiciário (julgamento) e Ministério Público (acusação), com razão constitucional, embora isso tenha sido a tônica da operação lava-jato e do “combate à corrupção” feita pela República de Curitiba, sem qualquer advertência pela chefia do MPF.
No entanto, hoje, revisito o tema para algumas considerações:
1. O SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO É ACUSATÓRIO
No ordenamento brasileiro, há separação do acusador/investigador e do julgador. Isso é conferido pelo artigo 129, I, da CRFB, o qual atribui ao Ministério Público, a titularidade da ação penal. Logo, o art. 43 do Regimento Interno, datado do ano de 1980, não foi recebido pela Constituição da República. O máximo que poderia o Judiciário fazer, seria remeter as informações de crime recebidas ao Ministério Público, para que ao menos, controlasse a investigação ou para a Polícia Federal, em busca de elementos informativos .
Quanto a isso, registra-se que o Ministério Público já requereu o arquivamento do inquérito n. 4781(abril/2019).
Surpreendentemente, o STF negou o pedido de arquivamento feito pelo titular da ação penal. Qual deve ser o comportamento do juiz diante de uma investigação? DISTÂNCIA!
2. A COMPETÊNCIA DO STF É PREVISTA NO ARTIGO 102 DA CRFB.
Não pode ser ampliada por regramento infraconstitucional, uma vez que a medida de jurisdição é limitada pela lei. Normas limitativas devem ser interpretadas restritivamente.
Assim, não pode ser ampliada pelo regimento interno do STF.
A limitação do poder é fundamental na democracia. Dessa forma, os marcos devem ser delimitados em lei, sobretudo sobre “quem”, “onde”, “como” e “quando” deve ocorrer a investigação.
3. A PRERROGATIVA DE FUNÇÃO SOMENTE É PREVISTA QUANDO O AGENTE PÚBLICO É INVESTIGADO/ACUSADO.
No caso, os membros do STF são vítimas. A competência do STF em relação aos seus ministros somente ocorre quando estes são acusados, nos termos do artigo 102, I, “b”, da CRFB.
Não se ignora, que a apresentação da exceção da verdade em crimes contra a honra em que um ministro do STF seja vítima (querelante) seja apresentada no tribunal competente (STF – Art. 85 do CPP), mas a competência do processo continua na primeira instância.
4. A ESCOLHA DO ÓRGÃO JULGADOR DEVE SER FEITA POR DISTRIBUIÇÃO, NÃO POR MERA INDICAÇÃO.
A distribuição é critério de fixação da competência (art. 69, IV e art. 75 do CPP). A indicação feita sem sorteio viola o princípio do juiz natural e da impessoalidade. Assim, temos um “relator de exceção”!?
5. IMPEDIMENTO DO JULGADOR – CPP – Art. 252, IV, do CPC
Caso estejamos diante de um crime contra ministro do STF, a vítima, o investigador e o julgador estaríamos na mesma pessoa? Seria uma inquisição turbinada e teratológica, na medida em que o juiz, em razão do impedimento, não pode exercer jurisdição em um processo que possui interesse, pois não preenche o requisito da imparcialidade.
PITACOS PESSOAIS:
a) Estamos em uma era absurda de mentiras e disseminações de mentiras e feitas por agentes públicos, pois, ainda que seja irresponsável falar que controlem o sistema de fake News, reiteradamente, fazem publicações “aplaudindo” as mentiras e informações desrespeitosas.
b) É absurdo o silêncio do titular da ação penal e atuação contrária à investigação dos fatos. Causa espécie que o chefe do MPF: a) não tenha saído da lista tríplice; b) possui clara proximidade com o presidente da república; c) recebeu visitas do presidente e atua como membro do executivo no momento em que o presidente, seus filhos e correligionários, estejam sendo investigados. D) O PGR é apresentado como eventual futuro membro do STF (troca de cargos explícita).
c) A omissão do PGR não permite que seja substituído pelo Judiciário (no caso, STF).
d) Se surgir um membro do Congresso Nacional, o STF passa a ser competente para processar e julgar o crime (art. 102, I, b, da CRFB), mas precisa ser acionado, em razão da inércia.
e) Assim, o inquérito n. 4781 viola à Constituição da República, na medida em que afronta o sistema acusatório, as regras de competência e usurpa a função do Ministério Público.
Dessa maneira, reconhecer validade jurídica ao inquérito em comento é admitir a inquisição suprema. O inquérito n. 4781 é mais um triste episódio da democracia brasileira, embora os fatos, as afrontas e “fake news” existam e sejam nocivos aos Estado Democrático de Direito.
E se um ou outro ministro do STF errou?
A retomada do rumo não se faz com uma ruptura constitucional, ataque ao tribunal constitucional, à honra das pessoas.
É possível e sadio discordar, criticar e utilizar das medidas cabíveis. Equívocos (atos improbos, crimes, crimes de responsabilidade) de um ministro do STF podem ser analisados e o autor responsabilizado pela via do impeachment. Não há qualquer necessidade de atacar a Instituição. Tal conduta revela um mistura de ignorâñcia (desconhecimento da medida cabível) com covardia (por não atuar diretamente contra o ministro que errou), sem embargo da ciência que sabe estar também agindo errado.
Um erro não justifica o outro.