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O entendimento de que a posse de arma de uso permitido (art. 12) com registro vencido é apenas mera irregularidade administrativa pode ser estendido às condutas dos artigos 14 (porte de arma de uso permitido) e 16 (porte de arma de uso restrito) da Lei n. 10826/03?
Uma vez realizado o registro da arma, o vencimento da autorização não caracteriza ilícito penal, mas mera irregularidade administrativa que autoriza a apreensão do artefato e aplicação de multa (STJ – APn n. 686/AP, relator Ministro João Otávio de Noronha, Corte Especial, DJe de 29/10/2015).
Agora, imagine o cenário: Alguém preenche os requisitos e alcança a autorização para o porte de arma, mas deixa expirar “vencer” e não tomas as medidas necessárias para a renovação.
Caso esta pessoa seja encontrada em alguma das condutas previstas no artigo 14 (porte de arma de fogo de uso permitido) ou 16 (porte de arma de fogo de uso restrito ou proibido) estará incidindo em crime ou mera irregularidade administrativa?
Em suma: A posse de arma de uso permitido (art. 12) com registro vencido é apenas mera irregularidade administrativa. Tal entendimento pode ser estendido às condutas dos artigos 14 (porte de arma de uso permitido) e 16 (porte de arma de uso restrito) da Lei n. 10826/03? A resposta é negativa!
Tal entendimento é restrito ao delito de posse ilegal de arma de fogo de uso permitido (art. 12 da Lei n. 10.826/2003), não se aplica ao crime de porte ilegal de arma de fogo (art. 14 da Lei n. 10.826/2003), muito menos ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito (art. 16 da Lei n. 10.826/2003), cujas elementares são diversas e a reprovabilidade mais intensa.
Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (AgRg no AREsp 885.281-ES, Rel. Min. Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, por unanimidade, julgado em 28/04/2020, DJe 08/05/2020 – Informativo n. 671).
SE LIGA!
Posse de arma de uso permitido “vencido”? Mera irregularidade administrativa (apreensão e multa).
Porte de arma de uso permitido ou restrito “vencido”? Crime
O inadimplemento da pena de multa impede a extinção da punibilidade?
A Constituição autoriza intervenção militar?
O “estelionato previdenciário” é crime permanente, continuado ou instantâneo de efeitos permanentes? Qual o termo inicial da prescrição?
O estelionato previdenciário ocorre quando a obtenção da vantagem mediante fraude gera prejuízo a entidade de direito público ou de instituto de economia popular, assistência social ou beneficência.
Na verdade, o estelionato previdenciário não é um crime autônomo, mas é o próprio crime de estelionato previsto no artigo 171, com incidência da causa de aumento de 1/3 (um terço), prevista no parágrafo 3º, do Código Penal.
A questão a ser enfrentada é a seguinte: O “estelionato previdenciário” é crime permanente, continuado ou instantâneo de efeitos permanentes?
Saber disso é fundamental para sabermos o termo inicial da contagem do lapso prescricional (art. 111, I, do CP).
Todavia, para chegarmos a reposta, precisamos compreender que o estelionato previdenciário pode ocorrer em situações diversas:
SITUAÇÃO 1 – A fraude ocorre na origem, ou seja, o benefício é criado com ardil, sem qualquer atendimento aos requisitos legais. O agente (beneficiário), falsifica documentos para obter uma aposentadoria por invalidez.
SITUAÇÃO 2 – O benefício foi alcançado observando os requisitos legais. No entanto, após a morte do legítimo beneficiário, um terceiro (geralmente, familiar) continua a receber os valores, sem que o instituto de previdência não seja informado.
SITUAÇÃO 3 – Alguém pratica a fraude em favor do beneficiário (ex.: Um funcionário do INSS “cria” o benefício em favor de alguém que não tem direito ao benefício.
Na SITUAÇÃO 1 – O crime é permanente, pois a obtenção da vantagem é produto de reiteração de condutas baseada no ato fraudulento cometido pelo próprio agente. Neste sentido, confira os entendimentos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça:
“O crime de estelionato previdenciário, quando praticado pelo próprio favorecido pelas prestações, tem caráter permanente, cessando a atividade delitiva apenas com o fim de sua percepção, termo a quo do prazo prescricional. Precedentes” (STF – HC 121.390/MG, 1ª Turma, j. 24/02/2015).
“A jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal é firme no sentido de que o crime de estelionato previdenciário de valores sujeitos à Administração Militar, quando praticado pelo próprio beneficiário das prestações, tem caráter permanente, o que fixa como termo inicial do prazo prescricional a data da cessão da permanência, devendo ser configurada, na espécie, como termo inicial para a contagem da prescrição, a data em que foi percebida a última parcela do benefício. Precedentes” (STF – HC 115.975/BA, 2ª Turma, j. 05/11/2013).
“O estelionato previdenciário configura crime permanente quando o sujeito ativo do delito também é o próprio beneficiário, pois o benefício lhe é entregue mensalmente (Precedentes)” (STJ – AgRg no AgRg no AREsp 992.285/RJ, 5ª Turma, j. 20/06/2017).
“A Terceira Seção deste Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do Resp nº 1.206.105/RJ, afetado à sua competência, firmou compreensão no sentido de que, quando praticado pelo próprio beneficiário, o estelionato efetivado em detrimento de entidade de direito público é crime permanente, uma vez que a ofensa ao bem jurídico tutelado é reiterada, mês a mês, enquanto não há a descoberta da fraude, de modo que o termo inicial do prazo prescricional, em casos tais, dá-se com o último recebimento indevido da remuneração” (STJ – AgRg no REsp 1.571.511/RS, 6ª Turma, j. 18/02/2016).
NA SITUAÇÃO 02, o crime é continuado. O agente continua recebendo o benefício que, devido legitimamente na origem, mas que deveria ter cessado em virtude da morte do beneficiário. Em virtude das mesmas circunstâncias de tempo, local e modo de execução, considera-se como se uma obtenção de vantagem fosse continuação de outra (art. 71 do CP). Confira a jurisprudência:
“O delito de estelionato, praticado contra a Previdência Social, mediante a realização de saques depositados em favor de beneficiário já falecido, consuma-se a cada levantamento do benefício, caracterizando-se, assim, continuidade delitiva, nos termos do art. 71 do Código Penal, devendo, portanto, o prazo prescricional iniciar-se com a cessação do recebimento do benefício previdenciário. Precedentes” (AgRg no REsp 1.378.323/PR, 6ª Turma, j. 26/08/2014).
“1. Tem aplicação a regra da continuidade delitiva ao estelionato previdenciário praticado por terceiro, que após a morte do beneficiário segue recebendo o benefício antes regularmente concedido ao segurado, como se ele fosse, sacando a prestação previdenciária por meio de cartão magnético todos os meses. 2. Diversamente do que ocorre nas hipóteses de inserção única de dados fraudulentos seguida de plúrimos recebimentos, em crime único, na hipótese dos autos não há falar em conduta única, mas sim em conduta reiterada pela prática de fraude mensal, com respectiva obtenção de vantagem ilícita. 3. Recurso desprovido” (REsp 1.282.118/RS, 6ª Turma, j. 26/02/2013).
NA SITUAÇAÕ 03, o crime será Instantâneo de efeitos permanentes, pois a conduta fraudulenta foi praticada em favor de terceiro que recebe o benefício indevido. Neste caso, o agente comete apenas uma conduta, da qual outra pessoa se beneficia reiteradamente (razão dos efeitos permanentes):
“Tratando-se de crime de estelionato previdenciário praticado para que terceira pessoa possa se beneficiar indevidamente tem natureza de crime instantâneo com efeitos permanentes, devendo ser contado o prazo prescricional a partir do recebimento da primeira prestação do benefício indevido” (STJ – RHC 66.487/PB, 6ª Turma, j. 17/03/2016).
“O estelionato previdenciário é crime instantâneo de efeitos permanentes quando cometido por servidor do INSS ou por terceiro não beneficiário que pratica a fraude, sendo consumado no momento do pagamento da primeira prestação do benefício indevido. Precedentes” (AgRg no REsp 1.347.082/RS, 5ª Turma, j. 21/08/2014).
“A Paciente não é segurada do INSS, mas funcionária do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de João Lisboa/MA, a quem se imputa a prática do delito de estelionato previdenciário. 2. Este Supremo Tribunal Federal assentou que o crime de estelionato previdenciário praticado por terceiro não beneficiário tem natureza de crime instantâneo de efeitos permanentes, e, por isso, o prazo prescricional começa a fluir da percepção da primeira parcela. Precedentes” (HC 112.095/MA, 2ª Turma, 16/10/2012).
Segue um esquema do que vimos:
| ESTELIONATO PREVIDENCIÁRIO | |||
| PERMANENTE | CONTINUADO | INSTANTÂNEO DE EFEITOS PERMANENTES | |
| O agente emprega a fraude contra a previdência e recebe mensalmente. | O beneficiário morre e um terceiro continua recebendo os valores sem que a previdência perceba. | O agente frauda a previdência para que terceiro se beneficia. | |
| O termo inicial da prescrição ocorre com o último recebimento indevido da remuneração. | O termo inicial da prescrição ocorre para cada parcela (cada delito isoladamente –Art. 119 do CP e STF – Súmula n. 497). | O termo inicial da prescrição ocorre no recebimento da primeira parcela pelo “beneficiário” | |
A INQUISIÇÃO SUPREMA: O STF & O Inquérito n. 4781
Há mais de um ano, publiquei e comentei em aulas (com perplexidade), o Inquérito instaurado pelo Supremo Tribunal Federal.
Alguns dias depois, ironizei a atuação da então Procuradora-Geral da República que pregou sobre o sistema acusatório, necessidade da separação das atribuições entre Judiciário (julgamento) e Ministério Público (acusação), com razão constitucional, embora isso tenha sido a tônica da operação lava-jato e do “combate à corrupção” feita pela República de Curitiba, sem qualquer advertência pela chefia do MPF.
No entanto, hoje, revisito o tema para algumas considerações:
1. O SISTEMA PROCESSUAL PENAL BRASILEIRO É ACUSATÓRIO
No ordenamento brasileiro, há separação do acusador/investigador e do julgador. Isso é conferido pelo artigo 129, I, da CRFB, o qual atribui ao Ministério Público, a titularidade da ação penal. Logo, o art. 43 do Regimento Interno, datado do ano de 1980, não foi recebido pela Constituição da República. O máximo que poderia o Judiciário fazer, seria remeter as informações de crime recebidas ao Ministério Público, para que ao menos, controlasse a investigação ou para a Polícia Federal, em busca de elementos informativos .
Quanto a isso, registra-se que o Ministério Público já requereu o arquivamento do inquérito n. 4781(abril/2019).
Surpreendentemente, o STF negou o pedido de arquivamento feito pelo titular da ação penal. Qual deve ser o comportamento do juiz diante de uma investigação? DISTÂNCIA!
2. A COMPETÊNCIA DO STF É PREVISTA NO ARTIGO 102 DA CRFB.
Não pode ser ampliada por regramento infraconstitucional, uma vez que a medida de jurisdição é limitada pela lei. Normas limitativas devem ser interpretadas restritivamente.
Assim, não pode ser ampliada pelo regimento interno do STF.
A limitação do poder é fundamental na democracia. Dessa forma, os marcos devem ser delimitados em lei, sobretudo sobre “quem”, “onde”, “como” e “quando” deve ocorrer a investigação.
3. A PRERROGATIVA DE FUNÇÃO SOMENTE É PREVISTA QUANDO O AGENTE PÚBLICO É INVESTIGADO/ACUSADO.
No caso, os membros do STF são vítimas. A competência do STF em relação aos seus ministros somente ocorre quando estes são acusados, nos termos do artigo 102, I, “b”, da CRFB.
Não se ignora, que a apresentação da exceção da verdade em crimes contra a honra em que um ministro do STF seja vítima (querelante) seja apresentada no tribunal competente (STF – Art. 85 do CPP), mas a competência do processo continua na primeira instância.
4. A ESCOLHA DO ÓRGÃO JULGADOR DEVE SER FEITA POR DISTRIBUIÇÃO, NÃO POR MERA INDICAÇÃO.
A distribuição é critério de fixação da competência (art. 69, IV e art. 75 do CPP). A indicação feita sem sorteio viola o princípio do juiz natural e da impessoalidade. Assim, temos um “relator de exceção”!?
5. IMPEDIMENTO DO JULGADOR – CPP – Art. 252, IV, do CPC
Caso estejamos diante de um crime contra ministro do STF, a vítima, o investigador e o julgador estaríamos na mesma pessoa? Seria uma inquisição turbinada e teratológica, na medida em que o juiz, em razão do impedimento, não pode exercer jurisdição em um processo que possui interesse, pois não preenche o requisito da imparcialidade.
PITACOS PESSOAIS:
a) Estamos em uma era absurda de mentiras e disseminações de mentiras e feitas por agentes públicos, pois, ainda que seja irresponsável falar que controlem o sistema de fake News, reiteradamente, fazem publicações “aplaudindo” as mentiras e informações desrespeitosas.
b) É absurdo o silêncio do titular da ação penal e atuação contrária à investigação dos fatos. Causa espécie que o chefe do MPF: a) não tenha saído da lista tríplice; b) possui clara proximidade com o presidente da república; c) recebeu visitas do presidente e atua como membro do executivo no momento em que o presidente, seus filhos e correligionários, estejam sendo investigados. D) O PGR é apresentado como eventual futuro membro do STF (troca de cargos explícita).
c) A omissão do PGR não permite que seja substituído pelo Judiciário (no caso, STF).
d) Se surgir um membro do Congresso Nacional, o STF passa a ser competente para processar e julgar o crime (art. 102, I, b, da CRFB), mas precisa ser acionado, em razão da inércia.
e) Assim, o inquérito n. 4781 viola à Constituição da República, na medida em que afronta o sistema acusatório, as regras de competência e usurpa a função do Ministério Público.
Dessa maneira, reconhecer validade jurídica ao inquérito em comento é admitir a inquisição suprema. O inquérito n. 4781 é mais um triste episódio da democracia brasileira, embora os fatos, as afrontas e “fake news” existam e sejam nocivos aos Estado Democrático de Direito.
E se um ou outro ministro do STF errou?
A retomada do rumo não se faz com uma ruptura constitucional, ataque ao tribunal constitucional, à honra das pessoas.
É possível e sadio discordar, criticar e utilizar das medidas cabíveis. Equívocos (atos improbos, crimes, crimes de responsabilidade) de um ministro do STF podem ser analisados e o autor responsabilizado pela via do impeachment. Não há qualquer necessidade de atacar a Instituição. Tal conduta revela um mistura de ignorâñcia (desconhecimento da medida cabível) com covardia (por não atuar diretamente contra o ministro que errou), sem embargo da ciência que sabe estar também agindo errado.
Um erro não justifica o outro.