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INTERNAÇÃO ou TRATAMENTO AMBULATORIAL: Qual o fator a ser considerado na escolha da espécie de medida de segurança?
Embora a pena seja a resposta jurídica do Estado mais conhecida, é necessário lembrar que nosso ordenamento jurídico prevê uma outra espécie de sanção: A medida de segurança.
Quando é verificado que o agente, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, este será considerado inimputável (Art. 26 do CP). Assim, será absolvido.
Acontece que, se ainda presente a periculosidade, o agente será submetido a média de segurança.
Como se percebe, o fundamento da medida de segurança não é a retribuição, prevenção e ressocialização, como acontece na pena (teoria eclética, adotada no Brasil), mas a periculosidade. Decerto, a medida de segurança não tem um caráter punitivo, mas terapêutico.
Logo, medida de segurança é a modalidade de sanção penal com finalidade exclusivamente preventiva, e de caráter terapêutico, destinada a tratar inimputáveis e semi-imputáveis portadores de periculosidade, com o escopo de evitar a prática de futuras infrações penais.
A medida de segurança será aplicada por quanto tempo? Qual sua duração?
Pela mera leitura do arrugo 97, § 1º, do Código Penal,-a medida de segurança será aplicada por, no mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos.
E qual o tempo máximo?
O mesmo dispositivo fala em tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade.
Todavia, aqui temos uma questão curiosa:
Ora, se a Constituição veda penas de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, “b”), como poderia sacrificar aquele que não tem culpabilidade de forma perene?
Diante do cenário, surgiram duas correntes:
A primeira posição afirma que a medida de segurança não pode superar 30 (trinta) anos período máximo de cumprimento de pena no Brasil (Art. 75 do CP). Está é a posição dominante no STF (RHC n.º 100383, 4⁄11⁄2011).
Lembre-se que pela legislação atual o tempo máximo de cumprimento de pena corresponde a 40 (quarenta) anos (Lei n. 13.964/2019).
Por sua vez, a segunda posição afirma que o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. Este é o enunciado n. 527 da súmula do Superior Tribunal de Justiça.
Superado o fundamento, finalidade e prazos mínimos e máximos da medida de segurança, vamos conferir as espécies previstas.
O artigo 96 prevê 02 (duas) espécies: internação e tratamento ambulatorial (Art. 97). A internação cumprida em hospital de custódia, prevista para aqueles que cometeram um crime com pena de detenção ou reclusão e o tratamento ambulatorial para aqueles que praticaram um crime com pena de detenção.
Como se vê, há uma incoerência do sistema. Ora, se a periculosidade é o fundamento para imposição da medida de segurança, o Código Penal esqueceu disso na hora da escolha da medida de segurança.
Vale dizer, e esta era uma crítica minha sempre alertada nas aulas, embora contrariando a 5a Turma, mesmo ciente que o fundamento da sanção é subjetivo (culpabilidade do agente), a escolha seria objetiva (com o olhar voltando para o fato), o que é insuficiente para definir a periculosidade do agente, pois um crime mais simples pode ser praticado por uma pessoa de altíssima periculosidade, assim como uma pessoa que não possua tanta periculosidade pode se envolver isoladamente em um crime que a lei trata com maior severidade.
Essa incompatibilidade foi vista pela doutrina (Guilherme Nucci, por exemplo) e pela 6ª Turma do STJ, enquanto que a 5ª Turma continuava seguindo a literalidade da lei. Essa divergência foi levada à Seção Criminal do Tribunal da Cidadania.
Assim, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, firmou o entendimento que na aplicação do art. 97 do Código Penal não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável – STJ – 3ª Seção – Informativo n. 662 – EREsp 998.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 27/11/2019, DJe 18/12/2019.
Como se vê, agora, candidatos devem ficar bem atentos ao enunciado.
Ora, se a pergunta requerer o conhecimento do Código Penal, deve-se lembrar que a internação é aplicada a qualquer inimputável com periculosidade, tenha praticado o crime com pena de detenção ou reclusão, enquanto que aquele portador de periculosidade que praticou um crime com detenção, poderá ser submetido ao tratamento ambulatorial. Em suma: Para o artigo 97 do CP, aquele que praticou crime com reclusão não teria direito a ser submetido a tratamento ambulatorial, enquanto que aquele que praticou crime punido com detenção poderia ser submetido tanto a tratamento ambulatorial, quanto internação.
No entanto, se o questionamento requerer o conhecimento da jurisprudência dos tribunais superiores, o candidato deve lembrar que a periculosidade do agente é o referencial para a escolha da medida de segurança a ser submetida, independente da espécie de pena do crime (STJ – Informativo n. 662).
Alguns lembretes:
A sentença que reconhece a inimputabilidade e impõe medida de segurança possui natureza absolutória imprópria (art. 386, parágrafo único, III, do CPP).
Não há qualquer inconstitucionalidade na imposição de medida de segurança ao absolvido, pois tal espécie de sanção não tem caráter punitivo, mas sim terapêutico e preventivo. Veja a Sùmula n. 422 do STF: A absolvição criminal não prejudica a medida de segurança, quando couber, ainda que importe privação da liberdade.
A sentença que substitui a pena do semi-imputável por medida de segurança possui natureza condenatória.
STJ – Súmula n. 527 – O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.

Estrito cumprimento do dever legal & Exercício regular do Direito: Qual a relação com a tipicidade conglobante?

O Código Penal se limitou a citar o estrito cumprimento do dever legal e exercício legal do Direito como excludentes do crime – Art. 23,III, do Código Penal.
No entanto, a doutrina procura conceituar e estabelecer diferenças entre os institutos, como esquematizado no quadrinho acima.
Assim, na doutrina clássica, estrito cumprimento do dever legal e exercício do direito são excludentes de ilicitude.
Todavia, na tipicidade conglobante (Zaffaroni), os dois institutos estariam na própria tipicidade.
Isso porque, para Zaffaroni, Tipicidade seria a soma de Tipicidade Formal com a Tipicidade Conglobante (e esta seria o somatório de Tipicidade Material com a Antinormatividade.
Fato típico é a primeira parte essencial do crime, segundo o conceito analítico de crime (fato típico, ilícito e culpável). Divide-se em conduta, nexo de causalidade, resultado e tipicidade.
Tipicidade conglobante seria um corretivo da tipicidade legal. Tipicidade seria a soma de Tipicidade Formal com a Tipicidade Conglobante (e esta seria o somatória da Tipicidade Material com a Antinormatividade..
Dessa forma, tipicidade penal não se reduz à tipicidade legal (isto é, a adequação à formulação legal), e sim que deva evidenciar uma verdadeira proibição com relevância penal, para o que é necessário, que esteja proibida à luz da consideração conglobada da norma. Isto significa que a tipicidade penal implica a tipicidade legal corrigida pela tipicidade conglobante, que pode reduzir o âmbito de proibição aparente, que surge da consideração isolada da tipicidade legal.
Tipicidade Formal é a subsunção da conduta ao dispositivo normativo penal.
Tipicidade Material, por sua vez, consiste na existência de relevante lesão ou perigo de lesão a um bem tutelado.
Lado outro, a Antinormatividade denota a prática de uma conduta não aceita ou incentivada pelo ordenamento jurídico.
Quando a lei (penal ou não) permite uma conduta, não pode ser a mesma típica, por incoerência do sistema Jurídico globalmente considerado.
Dessa forma, para a teoria da tipicidade conglobante, o estrito cumprimento legal e o exercício legal do direito seriam casos de atipicidade (eliminando a primeira fase do conceito analítico de crime) e não mais excludentes de ilicitude (segunda fase).
SE LIGA! Na teoria clássica, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular do direito são excludentes de ilicitude.
Mas, se você for indagado a posição jurídica dos dois institutos na teoria da tipicidade conglobante. lembre-se que eles excluem a própria tipicidade, em razão da antinormatividade, pois de alguma forma, o ordenamento jurídico permite tais condutas, e nesta teoria, não são excludentes de ilicitude.
Tratado internacional que estabelece imprescritibilidade de determinado crime torna inaplicável o art. 107, inciso IV, do Código Penal?
A Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade afirma que os delitos de lesa-humanidade devem ser declarados imprescritíveis.
Tal Convenção foi adotada pela Resolução nº 2.391 da Assembleia Geral da ONU, em 26/11/1968, e entrou em vigor em 11/11/1970.
Todavia, tal diploma não foi ratificado pelo Brasil. Assim, não é possível aplicar os regramentos de imprescritibilidade previstos em tal Convenção, ainda sob o argumento de que seria norma jus cogens (normas imperativas de direito internacional, amplamente aceitas pelo país e insuscetíveis de qualquer derrogação).
A regra do direito brasileiro acerca da prescrição (art. 107, IV, do CP) não pode ser afastada sem a existência de lei em sentido formal.
Decerto, somente lei pode tratar sobre a prescritibilidade ou à imprescritibilidade da pretensão estatal de punir, salvo as cláusulas constitucionais em sentido diverso, como aquelas inscritas nos incisos XLII e XLIV do art. 5º da CF/88. STJ. 3ª Seção. REsp 1.798.903-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25/09/2019 (Info 659).
SE LIGA! Convenção internacional que preveja imprescritibilidade de determinado crime é insuficiente para impedir a extinção da punibilidade pela prescrição no Brasil, pois tal disposição prevista apenas em tratado internacional NÄO atende a exigência do princípio da reserva legal.
O crime contra a humanidade previsto no Estatuto de Roma pode ser aplicado independentemente de lei formal no Brasil, uma vez que tal tratado já foi internalizado mediante Decreto?
A definição dos crimes de lesa-humanidade, também chamados de crimes contra a humanidade, pode ser encontrada no Estatuto de Roma, promulgado no Brasil por força do Decreto nº 4.388/2002.
Todavia, no Brasil, não há qualquer lei que tipifique os crimes contra a humanidade. Diante da ausência de lei interna tipificando os crimes contra a humanidade, não é possível utilizar tipo penal descrito em tratado internacional para tipificar condutas internamente, sob pena de se violar o princípio da legalidade.
Isso porque, não há crime sem previsão legal, nos termos do art. 5º, XXXIX, da CRFB/88, art. 9º da Convenção Americana e art. 1º do Código Penal.
De mais a mais, lembremos que a legalidade penal exige a legalidade estrita ou reserva legal. Vale dizer, para tipificação de uma infração penal é indispensável aquela decorrente do parlamento (22, I, da CRFB). Decerto, o decreto é espécie normativo do chefe do Poder Executivo, insuficiente para criminalizar condutas.
Portanto, é necessária a edição de lei em sentido formal para a tipificação do crime contra a humanidade no Brasil, ainda que tal crime esteja contemplado em um Tratado que foi internalizado no Brasil, como é o caso do Estatuto de Roma- Decreto n. 4.388/2002. STJ. 3ª Seção. REsp 1.798.903-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25/09/2019 (Info 659).
SE LIGA! É indispensável a existência de lei em sentido formal para tipificação de crime no Brasil, ainda que previsto em tratado internacional internalizado via Decreto, em atenção ao princípio da legalidade estrita ou reserva legal.
2a Turma do STF aplica insignificância no tráfico de drogas
É aplicável o princípio da insignificância no crime de tráfico de drogas (Art. 33, caput, da Lei n. 11.343/06 – Lei de Drogas) – STF – 2a Turma – HC 127.573.
No caso, a paciente foi condenada nas instâncias ordinárias à pena de 6 (seis) anos, 9 (nove) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida em regime inicialmente fechado, pela posse de 1g (um grama) de maconha, não tendo havido indícios de que teria anteriormente comercializado maior quantidade de droga.
Segundo o STF, a condenação afrontaria gravemente os princípios da proporcionalidade, da ofensividade e da insignificância.
A qualificadora do homicídio funcional é aplicável ao policial aposentado?
A Lei n. 13142/2015 incluiu uma nova hipótese de homicídio qualificado, qual seja:
Art. 121 – Matar alguém:
§ 2° Se o homicídio é cometido:
VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
Como se vê, a lei impõe maior severidade aos homicídios dolosos praticados contra membros das Forças Armadas e contra aqueles que exercem atividade de segurança pública.
No entanto, a qualificadora não incide pelo simples sujeito passivo estar elencado nos artigos 142 e 144 da CRFB. É necessário que exista conexão funcional ente o homicídio praticado e a função exercida, na medida em que o dispositivo exige, para incidência de tal qualificadora que o crime ocorra contra quem esteja “no exercício da função ou em decorrência dela”
Assim, a morte de um policial em situação fora do exercício da função, ou em situação sem qualquer relação com a atividade, não permite o tratamento de homicídio funcional.
E o policial aposentado?
Em regra, também não incidirá tal qualificadora. Isso porque, os membros das Forças Armadas ou policiais aposentados não estão abrangidos pelo inciso VII do § 2º do art. 121 do CP, uma vez que o ocupante do cargo deixa de ser autoridade, agente ou integrante do órgão público.
Todavia, imagine que um policial aposentado é reconhecido e, pro vingança, é assasinado. Por óbvio, a qualificadora do homicídio funcional incidirá, pois, embora a vítima já esteja aposentada (fora do exercício da atividade), o crime ocorreu em “decorrência da função”.
OLHA SÓ: Para incidência da qualificadora em comento, é indispensável que o agente tenha consciência da função pública desempenhada e queira cometer o crime contra o agente que está em seu exercício ou em razão dela ou ainda que queira praticar o delito contra o seu familiar em decorrência dessa atividade.
SE LIGA! A qualificadora em estudo não protege de forma mais severa o agente das Forças Armadas ou da Segurança Pública, pois isso seria inconstitucional, na medida em que trataria de maneira diferente dos demais cidadãos que não desempenham tais funções.
O tratamento penal mais rígido protege a função pública exercida por tais pessoas (bem jurídico tutelado pela Lei n. 13142/15). Assim, só podemos falar em homicídio funcional quando o crime ocorrer contra quem está no exercido da função ou em decorrência dela e tal situação estiver na esfera de conhecimento do agente.
Ao crime praticado contra policial aposentado, não haverá incidência, salvo se o homicídio praticado tiver relação com a atuação enquanto este ainda estivesse na atividade policial (decorrência da função), em apreço ao princípio da igualdade.
A bagatela imprópria é aplicável ao crime de posse de arma de fogo?
De início, lembremos que a bagatela imprópria revela-se como uma das faces do princípio da insignificância. Seu reconhecimento implica como causa de exclusão da punibilidade
Assim, embora o fato surja relevante ao direito penal. Depois, ao longo do processo se verifica que qualquer pena será desnecessária para a reprovação e prevenção do crime.
Vale lembrar que a necessidade da pena é um dos requisitos para sua aplicação, na exata inteligência do artigo 59 do Código Penal.
Dessa forma, o ínfimo valor da culpabilidade, a reparação dos danos ou devolução do objeto (crimes patrimoniais), a colaboração com a justiça, a reduzida reprovabilidade do comportamento, dentre outros, afasta a imposição da pena, embora o agente seja condenado.
O Superior Tribunal de Justiça reconhece o princípio da bagatela impropria e aplicou ao réu que praticou o crime de posse de arma de fogo. Confira o julgado:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. CRIME SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. DELITO COMETIDO HÁ MAIS DE 12 ANOS. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA. REQUISITOS PREENCHIDOS. DESNECESSIDADE DA PENA. REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Entendo as instâncias ordinárias ser desnecessária a punição do acusado, porque presentes os requisitos para a aplicação do princípio da bagatela imprópria, para se concluir de forma diversa, seria imprescindível o reexame do conjunto probatório dos autos, o que não é viável em recurso especial. Incidente a Súmula n. 7/STJ. 2. Agravo regimental desprovido.
STJ, 5a Turma: AgRg no AREsp 1423492 / RN (decisão publicada 29/05/2019)
Condenações definitivas anteriores autorizam que a “personalidade” ou “conduta s social” sejam consideradas desfavoráveis de forma a exasperar a pena-base?
Segundo o art. 68 do CP, a pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 do Código Penal. Em seguida, serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes. Por último, as causas de diminuição e de aumento.
Esse dispositivo consagra o sistema trifásico, também denominado de sistema Nélson Hungria: a) 1ª fase: circunstâncias judiciais do art. 59, CP; b) 2ª fase: agravantes e atenuantes; c) 3ª fase: causas de diminuição e aumento.
As circunstâncias judiciais encontram-se previstas no art. 59, caput, do CP. Recebem esse nome porque, com relação a elas, o magistrado tem razoável grau de discricionariedade. Com efeito, o legislador não estabeleceu ao juiz criminal qualquer critério para sua aferição, limitando-se a enunciar quais são os fatores a ser levados em consideração. O juiz, contudo, dará a tais circustâncias o devido peso e estabelecerá como devem influenciar no cálculo da pena-base. São elas: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima.
A personalidade do agente é a síntese das qualidades morais e sociais do indivíduo. Trata-se de um retrato psíquico do agente. A definição de personalidade do agente não encontra enquadramento em um conceito jurídico, em uma atividade de subsunção, devendo o magistrado voltar seu olhar não apenas à Ciência Jurídica.
A valoração da personalidade do agente na dosimetria da pena envolve o “sentir do julgador”, que tem contato com as provas, com os meandros do processo. Justamente por isso, tal circunstância judicial é criticada na doutrina, pois exige o estudo técnico comportamental e de outras áreas da saúde.
Por sua vez, a conduta social é o retrato do réu na família, na comunidade em que vive, no meio social.
Para o Superior Tribunal de Justiça, a existência de condenações definitivas anteriores não se presta a fundamentar a exasperação da pena-base como personalidade voltada para o crime, nem como conduta social negativa. Isso porque, as condenações criminais anteriores transitadas em julgado são valoradas como “maus antecedentes”, conforme jurisprudência consolidada do STJ.
Nesse sentido, confira parte da emenda do julgamento proferido nos Embargos de Divergência em Agravo no Recurso Especial (EAREsp) nº 1311636 do Superior Tribunal de Justiça:
Eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do agente. Precedentes da Quinta e da Sexta Turmas desta Corte. 3. A conduta social e a personalidade do agente não se confundem com os antecedentes criminais, porquanto gozam de contornos próprios – referem-se ao modo de ser e agir do autor do delito –, os quais não podem ser deduzidos, de forma automática, da folha de antecedentes criminais do réu. Trata-se da atuação do réu na comunidade, no contexto familiar, no trabalho, na vizinhança (conduta social), do seu temperamento e das características do seu caráter, aos quais se agregam fatores hereditários e socioambientais, moldados pelas experiências vividas pelo agente (personalidade social). Já a circunstância judicial dos antecedentes se presta eminentemente à análise da folha criminal do réu, momento em que eventual histórico de múltiplas condenações definitivas pode, a critério do julgador, ser valorado de forma mais enfática, o que, por si só, já demonstra a desnecessidade de se valorar negativamente outras condenações definitivas nos vetores personalidade e conduta social. 4. Havendo uma circunstância judicial específica destinada à valoração dos antecedentes criminais do réu, revela-se desnecessária e “inidônea a utilização de condenações anteriores transitadas em julgado para se inferir como negativa a personalidade ou a conduta social do agente” (HC 366.639/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 28/3/2017, DJe 5/4/2017). Tal diretriz passou a ser acolhida mais recentemente pela colenda Sexta Turma deste Tribunal: REsp 1760972/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 08/11/2018, DJe 04/12/2018 e HC 472.654/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 11/03/2019. Uniformização jurisprudencial consolidada.
Como se vê, condenações anteriores não utilizadas para reconhecer a reincidência (segunda fase da dosimetria), somente podem servir de fundamento para que a circunstância judicial dos “antecedentes criminais” seja utilizada de forma desfavorável na pena-base (art. 59 do CP), não podendo ter qualquer reflexo nas circunstâncias judiciais da conduta social ou personalidade.
Em qual crime incide quem pratica frotteurismo?
O frotteurismo consiste em “tocar e esfregar-se em uma pessoa sem seu consentimento. O comportamento geralmente ocorre em locais com grande concentração de pessoas, dos quais o indivíduo pode escapar mais facilmente de uma detenção (por ex., calçadas movimentadas ou veículos de transporte coletivo).
O agente esfrega seus genitais contra as coxas e nádegas ou acaricia com as mãos a genitália ou os seios da vítima. Ao fazê-lo, o indivíduo geralmente fantasia um relacionamento exclusivo e carinhos com a vítima.” (http://www.psiquiatriageral.com.br/ dsm4/sexual4.htm.
No frotteurismo não há violência ou grave ameaça, razão pela qual não se enquadra como estupro (art. 213 do CP), mas sim o delito de importunação sexual, previsto no art. 215-A do CP:
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
SE LIGA! Lascívia é o prazer sexual, o prazer carnal, a luxúria.
Obs: luxúria não tem nada a ver com luxo, mas sim com sexo.
Ato sexual sem preservativo e sem o consentimento do parceiro é crime? O que é “Stealthing”?

Questão curiosa nos crimes sexuais ocorre quando a relação sexual é desejada, querida e consentida, porém, condicionada ao uso do preservativo.
Imagine que “Naj” deseje ter relação sexual com o “Ney”, entretanto, exige que durante o ato sexual seja utilizado preservativo.
Diante da condição, o ato sexual ocorre, mas sem que “Ney” utilize preservativo. Tal fato pode ser considerada crime? A resposta é positiva, mas a tipificação correta vai depender de outras circunstâncias.
Na primeira situação hipotética, a relação sexual é consentida, desde que condicionada ao uso de preservativo. O agente se recusa a utilizar ou durante a relação retira o preservativo; A parceira percebe e se nega a realizar (ou continuar) o ato, todavia o agente continua, se utilizando de violência ou grave ameaça.
Esta hipótese é enquadrada como estupro – artigo 213 do Código Penal
Estupro – Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. “
“STEALTHING”
O “stealthing”, em português “dissimulação”, é uma prática que foi recentemente trazida à luz pela mídia internacional, pois na Suíça, uma pessoa foi condenada por estupro.
O “stealthing” consiste no ato de retirar o preservativo durante a relação sexual, sem o conhecimento ou consentimento da parceira.
Nesta situação, a relação sexual é consentida, desde que o parceiro use preservativo. O agente durante a relação retira discretamente o preservativo, de forma que a parceira só vem a perceber no final da relação.
Aqui a situação e diferente do crime de estupro, uma vez que não houve violência, nem grave ameaça. Decerto, a conduta descrita amolda-se ao crime de violação sexual mediante fraude, previsto no artigo 215 do Código Penal, uma vez que houve o consentimento, mas o ato foi realizado em fraude, com a vontade viciada. Popularmente, denominado “estelionato sexual”
Violação sexual mediante fraude art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. ”
Como se vê, o ato sexual (conjunção sexual ou ato libidinoso) sem preservativo ainda que o parceiro queira a relação sexual, mas condicionado à proteção, pode caracterizar crime, sendo que a tipificação correta irá depender das circunstâncias do caso concreto (relação sexual sem preservativo, mediante violência/grave ameaça – estupro (art. 213 do CP); relação sexual sem preservativo, mediante fraude, “stealthing” – violência sexual mediante fraude (art. 215 do CP).
SE LIGA! O crime de estupro é hediondo, por sua vez o crime de violência sexual mediante fraude é crime comum.