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É possível aplicar o princípio da insignificância ao furto qualificado?
Para começo de conversa, lembremos que o princípio da insignificância implica no afastamento do afastamento da tipicidade. Isso mesmo, o fato, embora tipicamente formal, não é considerado crime porque materialmente não houve lesão material concreta é grave ao bem jurídico protegido pela norma.
O princípio da insignificância – que deve ser analisado em conexão com os postulados da fragmentariedade e da intervenção mínima do Estado em matéria penal – tem o sentido de excluir ou de afastar a própria tipicidade penal, examinada na perspectiva de seu caráter material.(STF- RHC 122.464/BA).
Segundo os tribunais superiores, o princípio da insignificância pode ser aplicado em qualquer crime, desde que seja com ele compatível. Assim, devem ser observados os seguintes requisitos: O valor do objeto do crime e os aspectos objetivos do fato, tais como,a mínima ofensividade da conduta do agente, a ausência de periculosidade social da ação, o reduzido grau de reprovabilidade do comportamento e a inexpressividade da lesão jurídica causada. (STF, RHC 118.972/MG).
Superadas as linhas iniciais. Vamos dialogar sobre a aplicabilidade da bagatela no crime de furto qualificado.
Julgados do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça negaram a aplicação do princípio da insignificância em algumas situações do furto qualificado, tais como: rompimento de obstáculo (STF – HC n. 131.618/MS) escalada (STJ – RHC n. 71.863) e abuso de confiança (STJ – AgInt. no EDcl no AResp 1.386.937/SP). Assim, somos tentados a rechaçar a insignificância no furto qualificado.
Acontece que recentemente, a 5a Turma do STJ reconheceu que a presença da qualificadora, por si, só não impede o afastamento da tipicidade material, pois as circunstâncias do princípio da insignificância. No caso concreto, o furto era qualificado em razão do concurso de agentes (Art. 155, parágrafo 4, IV, do CP) e a coisa furtado foi avaliada em R$ 62, 29 (produtos alimentícios).
Confira o julgado:
PENAL E PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL. DESCABIMENTO. FURTO QUALIFICADO. SUBTRAÇÃO DE GÊNEROS ALIMENTÍCIOS. EXCEPCIONALIDADE DO CASO CONCRETO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, seguindo entendimento firmado pelo Supremo Tribunal Federal, passou a não admitir o conhecimento de habeas corpus substitutivo de recurso previsto para a espécie. No entanto, deve-se analisar o pedido formulado na inicial, tendo em vista a possibilidade de se conceder a ordem de ofício, em razão da existência de eventual coação ilegal. 2. De acordo com a orientação traçada pelo Supremo Tribunal Federal, a aplicação do princípio da insignificância demanda a verificação da presença concomitante dos seguintes vetores (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada. 3. O princípio da insignificância é verdadeiro benefício na esfera penal, razão pela qual não há como deixar de se analisar o passado criminoso do agente, sob pena de se instigar a multiplicação de pequenos crimes pelo mesmo autor, os quais se tornariam inatingíveis pelo ordenamento penal. Imprescindível, no caso concreto, porquanto, de plano, aquele que é contumaz na prática de crimes não faz jus a benesses jurídicas. 4. Na espécie, a conduta é referente a um furto qualificado pelo concurso de agentes de produtos alimentícios avaliados em R$ 62,29. 5. Assim, muito embora a presença da qualificadora possa, à primeira vista, impedir o reconhecimento da atipicidade material da conduta, a análise conjunta das circunstâncias demonstra a ausência de lesividade do fato imputado, recomendando a aplicação do princípio da insignificância. 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para trancar a ação penal movida em desfavor das pacientes – STJ – 5a Turma – HC n. HC 553872/SP – julgado em 11/02/2020.
Como se vé, para que uma conduta seja considerada típica, além da tipicidade formal (subsunção do fato à norma) é imperioso que ocorra a tipicidade material (lesão concreta ao bem jurídico protegido). Se não houve tipicidade material, não há crime, uma vez que a tipicidade formal é insuficiente para que o fato seja relevante ao Direito Penal, em razão do princípio da insignificância.
Diante disso, é possível aplicar o princípio da insignificância, ainda que ao furto qualificado, sempre observadas as circunstâncias concretas e ausente a tipicidade material, conforme jurisprudência recente do STJ.
EXCLUSÃO DA HERANÇA: Indignidade & Deserção
O Brasil adotou o regime da sucessão fixa e rigorosa. Dessa maneira, parte do patrimônio disponível (50%) do falecido obrigatoriamente será destinado aos herdeiros legítimos (aqueles previstos em lei). Acontece que nem sempre isso acontecerá, pois é possível que o herdeiro seja excluído da herança. Para tanto, isso somente ocorrerá diante de uma hipótese prevista em lei.
Nessa toada, surgem 02 (dois) que institutos: INDIGNIDADE & DESERDAÇÃO.

SE LIGA! Os dois institutos possuem algumas semelhanças. Você lembra:
1)Mesma pena;
2) Confirmação por sentença (após a morte do de cujus).
3) Causas de indignidade coincidem com a deserdação (artigo 1814, CC). Porém, a lei causas exclusivas para a deserdação (arts. 1962 e 1963, CC = numerus clausus).
OLHA SÓ! Enquanto o prazo decadencial de 4 anos para propositura da ação indignidade começa a contar da abertura da sucessão (morte), o prazo decadencial de 4 anos da ação de deserdação é contado a partir da abertura do testamento.
Fica ligado nisso! 🙂
Na ação de alimentos, qual situação econômica pessoal é analisada para concessão da gratuidade da justiça?

O direito à gratuidade de justiça é um direito personalíssimo. Logo, as condições da parte (criança, menor) são as referências para a concessão da gratuidade.
Não esqueça que a gratuidade de justiça é baseada em uma presunção decorrente da afirmação da parte, quando esta for uma pessoa natural – Art. 99, §3º, do CPC. Lado outro, nada impede a revogação da gratuidade, caso o réu demonstre, a posteriori, a ausência dos pressupostos legais que justificam a gratuidade. Como se vê, dessa maneira, o acesso à justiça é efetivado e o contraditório é respeitado.
Além disso, o DIREITO MATERIAL deve ser considerado para avaliação da concessão da gratuidade.
Nesse aspecto, não pode existir restrição injustificada ao exercício do direito de ação em que se busque o adimplemento de obrigação de natureza alimentar.
SE LIGA! O fato de a representante legal da parte possuir atividade remunerada e o elevado valor da obrigação alimentar que é objeto da ação (conhecimento/execução) não podem, por si só, servir de fundamento para a negativa da concessão da gratuidade de justiça aos menores credores dos alimentos.
Portanto, a situação econômica da criança é o referencial para a concessão da gratuidade de justiça, a qual decorre da presunção de hipossuficiência que foi declarada pela parte, não podendo levar em consideração a situação econômica da representante legal, pois trata-se de direito individual e personalíssimo. Por fim, é fundamental considerar o direito material discutido (alimentos), de forma que a negativa de gratuidade de justiça não venha incidir em violação ao direito fundamental de acesso à justiça.
MEU PITACO: Embora a discussão tenha se relacionado à gratuidade de justiça, penso que o mesmo raciocínio deve ser aplicado para a análise da assistência jurídica gratuita pela Defensoria Pública.
Ora, embora institutos diversos, os fundamentos para concessão da gratuidade da justiça e assistência jurídica integral são os mesmos: Acesso à justiça, vulnerabilidade, natureza do direito material (alimentar e convivência).
Assim, os direitos fundamentais devem ser interpretações de maneira ampliativa, de forma que a situação da criança e não da representante legal deve ser referenciada. Agir diferente, é negar, suprimir o direito fundamental do acesso à justiça.
Note-se que eventuais abusos ou excessos serão corrigidos por meio do contraditório na Defensoria Pública (assistência jurídica integral) ou no processo judicial (gratuidade da justiça), na medida em que a presunção de hipossuficiência é relativa.
Assim, a análise para concessão da assistência jurídica gratuita DEVE considerar a situação econômica da parte em contejo com o direito material em discussão, sobretudo pelo conceito abrangente da situação da vulnerabilidade.
A mãe que concedeu a guarda do filho menor a terceiro pode representá-lo em ação de investigação de paternidade?
O fato de a guarda da criança ter sido concedida a terceiro (família substituta), não afasta o dever e a possibilidade da mãe de representar judicialmente o filho na ação de investigação de paternidade.
Isso porque, a guarda não implica em destituição e sequer em restrição do poder familiar (função parental).
Assim, cabe a mãe a representação judicial do filho menor em ação de investigação de paternidade, ainda que a guarda tenha sido concedida a terceiro.
E se a mãe for inerte e não propor a ação?
O Ministério Público irá propor a ação de investigação de paternidade ou, excepcionalmente, a representação na ação de investigação de paternidade será feita pela guardiã, desde que presentes circunstâncias excepcionais que justifiquem a concessão a ela de poderes de representação judicial.
Fonte: STJ – Informativo n. 664
CONSUNÇÃO: Crime progressivo & Progressão criminosa
A consunção é um dos princípios que resolve o conflito aparente de normas no Direito Penal. Perceba: O conflito é apenas aparente, uma vez que há solução jurídica para resolver a situação, de forma excesso por parte do Direito Penal.
Falamos em consunção diante da situação em que um crime é considerado no caso concreto meio necessário ou normal fase de preparação ou execução de outro crime, bem como quando constitui conduta anterior ou posterior do agente, cometida com a mesma finalidade prática de outro crime.
Como consequência prática da consunção, o crime-meio fica absorvido pelo crime-fim, pois leva-se em consideração o dolo, a finalidade do agente em toda empreitada criminosa.
Daí, surge a figura do antefactum não punível, o qual ocorre quando uma conduta necessária (geralmente, menos grave) precede o crime idealizado pelo sujeito. Como efeito da consução, a primeira é considerada um indiferente penal, pois é consumida (absorvida) pelo crime-fim.
Imagine o sujeito que tem em seu poder uma chave falsa – “instrumentos empregados usualmente na prática do crime de furto” (contravenção – art. 25 LCP) – e, em seguida, subtrai uma motocicleta, tudo no mesmo contexto fático. Como consequência da consunção, o agente responde apenas pelo crime de furto, pois a contravenção praticada foi apenas um meio, uma etapa na empreitada criminosa. Assim, a contravenção fica absorvida pelo crime de furto, dolo geral, finalidade do agente na empreitada (crime progressivo, o dolo era o mesmo desde o início: praticar o furto).
Outra situação: O agente decide machucar a vítima (crime de lesão corporal), mas, em seguida a lesão iniciada, decide matá-la, no mesmo contexto fático. Responderá por homicídio, pois houve apenas uma progressão criminosa, de modo que o agente responde pelo dolo final, uma vez que o homicídio já considera as lesões provocadas e necessárias para gerar a morte.

SE LIGA! Crime progressivo (o dolo não muda) e progressão criminosa (o dolo muda) são duas manifestações de aplicação do princípio da consunção, de forma que o agente responde pelo crime-fim.
Confira alguns exemplos de aplicação do princípio da consunção:
Violação de domicílio com a finalidade de praticar furto em residência. A violação é mera fase de execução do delito de furto.
Homicídio absorve o delito de porte ilegal de arma, pois esta infração penal constitui-se simples meio para a eliminação da vida.
O CURIOSO CASO DA SÚMULA 17 DO STJ – Estelionato absorve o falso, quando este é fase de execução daquele. Súmula 17 STJ “Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido”.
O crime de falso possui a pena mais grave que o estelionato, mas por ser meio necessário para a obtenção da vantagem ilícita mediante fraude e não havendo qualquer outra potencialidade lesiva, responderá apenas pelo crime de estelionato, pois o falso, sendo meio necessário para a fraude, é absorvido pelo estelionato (crime-fim), em apreço ao princípio da consunção.
Qual foro competente para processar o crime de estelionato?
Para verificar o foro competente para apuração do crime de estelionato, é indispensável verificar como a fraude foi realizada para a obtenção da vantagem.
Assim, na hipótese de estelionato mediante depósito de cheque clonado ou adulterado, a competência será do Juízo do local onde a vítima mantém conta bancária.
Por sua vez, quando a vítima for induzida a efetivar depósito ou transferência bancária em prol do beneficiário da fraude, a competência será do Juízo onde situada a agência bancária beneficiária do depósito ou transferência.
Por que a diferença na competência territorial diante do mesmo crime?
O artigo 70 do Código de Processo Penal adotou a teoria do resultado. Portanto, o juízo competente será aquele da consumação, da efetivação da vantagem indevida no estelionato.
Dessa forma, no estelionato mediante uso de cheque clonado/adulterado, a vantagem indevida acontece quando o cheque é “descontado”, sacado da conta da vítima. Logo, a consumação ocorre no local da agência da vítima.
D’outro lado, no estelionato com fraude mediante transferência, a vantagem indevida é alcançada pelo agente quando os valores chegam na conta bancária pretendida. Logo, a competência nos casos de fraude mediante transferência será o local da agência da conta favorecida.
OLHA SÓ! Mais que decorar essas regras, é indispensável lembrar quando o crime de estelionato se consuma (obtenção da vantagem indevida) e a regra geral da competência territorial escolhida pelo artigo 70 do Código de Processo Penal (teoria do resultado – local da consumação). Compreender a razão das decisões torna o estudo muito mais fácil.

Baseado entendimento unânime da 3ª Seção do STJ CC 169.053-DF, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 11/12/2019.Informativo n. 663.
INTERNAÇÃO ou TRATAMENTO AMBULATORIAL: Qual o fator a ser considerado na escolha da espécie de medida de segurança?
Embora a pena seja a resposta jurídica do Estado mais conhecida, é necessário lembrar que nosso ordenamento jurídico prevê uma outra espécie de sanção: A medida de segurança.
Quando é verificado que o agente, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, este será considerado inimputável (Art. 26 do CP). Assim, será absolvido.
Acontece que, se ainda presente a periculosidade, o agente será submetido a média de segurança.
Como se percebe, o fundamento da medida de segurança não é a retribuição, prevenção e ressocialização, como acontece na pena (teoria eclética, adotada no Brasil), mas a periculosidade. Decerto, a medida de segurança não tem um caráter punitivo, mas terapêutico.
Logo, medida de segurança é a modalidade de sanção penal com finalidade exclusivamente preventiva, e de caráter terapêutico, destinada a tratar inimputáveis e semi-imputáveis portadores de periculosidade, com o escopo de evitar a prática de futuras infrações penais.
A medida de segurança será aplicada por quanto tempo? Qual sua duração?
Pela mera leitura do arrugo 97, § 1º, do Código Penal,-a medida de segurança será aplicada por, no mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos.
E qual o tempo máximo?
O mesmo dispositivo fala em tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade.
Todavia, aqui temos uma questão curiosa:
Ora, se a Constituição veda penas de caráter perpétuo (art. 5º, XLVII, “b”), como poderia sacrificar aquele que não tem culpabilidade de forma perene?
Diante do cenário, surgiram duas correntes:
A primeira posição afirma que a medida de segurança não pode superar 30 (trinta) anos período máximo de cumprimento de pena no Brasil (Art. 75 do CP). Está é a posição dominante no STF (RHC n.º 100383, 4⁄11⁄2011).
Lembre-se que pela legislação atual o tempo máximo de cumprimento de pena corresponde a 40 (quarenta) anos (Lei n. 13.964/2019).
Por sua vez, a segunda posição afirma que o tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado. Este é o enunciado n. 527 da súmula do Superior Tribunal de Justiça.
Superado o fundamento, finalidade e prazos mínimos e máximos da medida de segurança, vamos conferir as espécies previstas.
O artigo 96 prevê 02 (duas) espécies: internação e tratamento ambulatorial (Art. 97). A internação cumprida em hospital de custódia, prevista para aqueles que cometeram um crime com pena de detenção ou reclusão e o tratamento ambulatorial para aqueles que praticaram um crime com pena de detenção.
Como se vê, há uma incoerência do sistema. Ora, se a periculosidade é o fundamento para imposição da medida de segurança, o Código Penal esqueceu disso na hora da escolha da medida de segurança.
Vale dizer, e esta era uma crítica minha sempre alertada nas aulas, embora contrariando a 5a Turma, mesmo ciente que o fundamento da sanção é subjetivo (culpabilidade do agente), a escolha seria objetiva (com o olhar voltando para o fato), o que é insuficiente para definir a periculosidade do agente, pois um crime mais simples pode ser praticado por uma pessoa de altíssima periculosidade, assim como uma pessoa que não possua tanta periculosidade pode se envolver isoladamente em um crime que a lei trata com maior severidade.
Essa incompatibilidade foi vista pela doutrina (Guilherme Nucci, por exemplo) e pela 6ª Turma do STJ, enquanto que a 5ª Turma continuava seguindo a literalidade da lei. Essa divergência foi levada à Seção Criminal do Tribunal da Cidadania.
Assim, a 3ª Seção do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, firmou o entendimento que na aplicação do art. 97 do Código Penal não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável – STJ – 3ª Seção – Informativo n. 662 – EREsp 998.128-MG, Rel. Min. Ribeiro Dantas, Terceira Seção, por unanimidade, julgado em 27/11/2019, DJe 18/12/2019.
Como se vê, agora, candidatos devem ficar bem atentos ao enunciado.
Ora, se a pergunta requerer o conhecimento do Código Penal, deve-se lembrar que a internação é aplicada a qualquer inimputável com periculosidade, tenha praticado o crime com pena de detenção ou reclusão, enquanto que aquele portador de periculosidade que praticou um crime com detenção, poderá ser submetido ao tratamento ambulatorial. Em suma: Para o artigo 97 do CP, aquele que praticou crime com reclusão não teria direito a ser submetido a tratamento ambulatorial, enquanto que aquele que praticou crime punido com detenção poderia ser submetido tanto a tratamento ambulatorial, quanto internação.
No entanto, se o questionamento requerer o conhecimento da jurisprudência dos tribunais superiores, o candidato deve lembrar que a periculosidade do agente é o referencial para a escolha da medida de segurança a ser submetida, independente da espécie de pena do crime (STJ – Informativo n. 662).
Alguns lembretes:
A sentença que reconhece a inimputabilidade e impõe medida de segurança possui natureza absolutória imprópria (art. 386, parágrafo único, III, do CPP).
Não há qualquer inconstitucionalidade na imposição de medida de segurança ao absolvido, pois tal espécie de sanção não tem caráter punitivo, mas sim terapêutico e preventivo. Veja a Sùmula n. 422 do STF: A absolvição criminal não prejudica a medida de segurança, quando couber, ainda que importe privação da liberdade.
A sentença que substitui a pena do semi-imputável por medida de segurança possui natureza condenatória.
STJ – Súmula n. 527 – O tempo de duração da medida de segurança não deve ultrapassar o limite máximo da pena abstratamente cominada ao delito praticado.

Estrito cumprimento do dever legal & Exercício regular do Direito: Qual a relação com a tipicidade conglobante?

O Código Penal se limitou a citar o estrito cumprimento do dever legal e exercício legal do Direito como excludentes do crime – Art. 23,III, do Código Penal.
No entanto, a doutrina procura conceituar e estabelecer diferenças entre os institutos, como esquematizado no quadrinho acima.
Assim, na doutrina clássica, estrito cumprimento do dever legal e exercício do direito são excludentes de ilicitude.
Todavia, na tipicidade conglobante (Zaffaroni), os dois institutos estariam na própria tipicidade.
Isso porque, para Zaffaroni, Tipicidade seria a soma de Tipicidade Formal com a Tipicidade Conglobante (e esta seria o somatório de Tipicidade Material com a Antinormatividade.
Fato típico é a primeira parte essencial do crime, segundo o conceito analítico de crime (fato típico, ilícito e culpável). Divide-se em conduta, nexo de causalidade, resultado e tipicidade.
Tipicidade conglobante seria um corretivo da tipicidade legal. Tipicidade seria a soma de Tipicidade Formal com a Tipicidade Conglobante (e esta seria o somatória da Tipicidade Material com a Antinormatividade..
Dessa forma, tipicidade penal não se reduz à tipicidade legal (isto é, a adequação à formulação legal), e sim que deva evidenciar uma verdadeira proibição com relevância penal, para o que é necessário, que esteja proibida à luz da consideração conglobada da norma. Isto significa que a tipicidade penal implica a tipicidade legal corrigida pela tipicidade conglobante, que pode reduzir o âmbito de proibição aparente, que surge da consideração isolada da tipicidade legal.
Tipicidade Formal é a subsunção da conduta ao dispositivo normativo penal.
Tipicidade Material, por sua vez, consiste na existência de relevante lesão ou perigo de lesão a um bem tutelado.
Lado outro, a Antinormatividade denota a prática de uma conduta não aceita ou incentivada pelo ordenamento jurídico.
Quando a lei (penal ou não) permite uma conduta, não pode ser a mesma típica, por incoerência do sistema Jurídico globalmente considerado.
Dessa forma, para a teoria da tipicidade conglobante, o estrito cumprimento legal e o exercício legal do direito seriam casos de atipicidade (eliminando a primeira fase do conceito analítico de crime) e não mais excludentes de ilicitude (segunda fase).
SE LIGA! Na teoria clássica, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular do direito são excludentes de ilicitude.
Mas, se você for indagado a posição jurídica dos dois institutos na teoria da tipicidade conglobante. lembre-se que eles excluem a própria tipicidade, em razão da antinormatividade, pois de alguma forma, o ordenamento jurídico permite tais condutas, e nesta teoria, não são excludentes de ilicitude.
É possível a fixação de regime inicial ABERTO ao condenado REINCIDENTE??
A fixação do regime inicial de cumprimento de pena tem como referencial o artigo 33 do Código Penal. Assim, a espécie de pena, a quantidade da pena, as circunstâncias judiciais e o fato de o agente ser ou não reincidente serão os fatores determinantes do regime inicial de cumprimento de pena.
Quanto à espécie de pena, observa-se que a reclusão poderá começar tanto nos regimes fechado, semiaberto e aberto, enquanto que as penas de detenção somente iniciarão nos regimes semiaberto e aberto.
Quanto à quantidade da pena, as penas de reclusão superiores a 8 (oito) anos serão cumpridas inicialmente em regime fechado. Por sua vez, as penas maiores que 4 (quatro) anos e que não superam 8 (oito) anos iniciarão no regime semiaberto, desde que o condenado não seja reincidente. Por fim, os condenados que a pena não supera a 04 (quatro) anos e que não sejam reincidentes iniciarão o cumprimento de pena no regime aberto – artigo 33 do Código Penal.
Vale lembrar ser “admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judicias.” (STJ – Súmula n. 269).

Acontece que tal tabela prevista no artigo 33 do CP não é absoluta, uma vez que embora a opinião do julgador sobre a gravidade abstrata do crime não seja apta a determinar regime mais severo, a situação concreta, se devidamente fundamentada é idônea para a fixação de um regime mais severo que o regramento do artigo 33 do Código Penal. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal editou os enunciados 718 (A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada) e 719 (A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea).
Por fim, a relevância das circunstâncias judiciais (art. 59 do CP) também é verificada quando obriga que “fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito (STJ – Sumula n. 440).
Feita a revisão legal e o entendimento sumulado sobre o regime inicial, vamos ao questionamento: É POSSÍVEL QUE O RÉU REINCIDENTE INICIE O CUMPRIMENTO DA PENA NO REGIME ABERTO?
Quando olhamos para o que foi lido anteriormente, somos tentados a responder que o condenado reincidente nunca iniciará no regime aberto.
Ocorre que há uma situação curiosa relacionada ao princípio da insignificância, da proporcionalidade envolvendo o regime inicial. Você deve lembrar que a insignificância guarda relação com o primeiro substrato do conceito analítico do crime (o fato típico), pois a consequência da sua aplicação repercute em atipicidade, por conta da exclusão da tipicidade material.
Por outro lado, a reincidência não tem qualquer relação com o fato, mas analisa o agente do crime, o réu. Decerto, reincidência e insignificância não possuem qualquer relação, pois a primeira analisa o agente, enquanto que a insignificância analisa o fato. Logo, por si só, o fato de o agente ser reincidente não impede o reconhecimento da insignificância ao fato.
No entanto, com base no caso concreto, o juiz pode entender que a absolvição com base no princípio da insignificância é penal ou socialmente inadequada. Nesta hipótese, o réu será condenado, mas a circunstância da insignificância repercutirá na fixação do regime inicial aberto.
Desse modo, o juiz não absolve o réu, mas utiliza a insignificância para criar uma exceção jurisprudencial à regra do art. 33, § 2º, “c”, do CP, com base no princípio da proporcionalidade.
Este entendimento consta no informativo n. 938 do Supremo Tribunal Federal:
A Primeira Turma, por maioria, concedeu, de ofício, a ordem de habeas corpus para fixar o regime inicial aberto em favor de condenado pelo furto de duas peças de roupa avaliadas em R$ 130,00. Após ter sido absolvido pelo juízo de primeiro grau ante o princípio da insignificância, o paciente foi condenado pelo tribunal de justiça à pena de um ano e nove meses de reclusão em regime inicial semiaberto. A corte de origem levou em consideração os maus antecedentes, como circunstância judicial desfavorável, e a reincidência para afastar a aplicação do princípio da insignificância. A Turma rememorou que o Plenário, ao reconhecer a possibilidade de afastamento do princípio da insignificância ante a reincidência, aquiesceu não haver impedimento para a fixação do regime aberto na hipótese de aplicação do referido princípio. Ressaltou que, no caso concreto, houve até mesmo a pronta recuperação da mercadoria furtada. Vencido o ministro Marco Aurélio (relator), que indeferiu a ordem. Pontuou que os maus antecedentes e a reincidência afastam a fixação do regime aberto, a teor do art. 155, § 2º, do Código Penal (CP) (1). Vencida, também, a ministra Rosa Weber, que concedeu a ordem de ofício para reconhecer a atipicidade da conduta em face do princípio da insignificância.
(1) CP: “Art. 155. Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa. (…) § 2º Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.” HC 135164/MT, rel. Min. Marco Aurélio, red. p/ ac. Min. Alexandre de Moraes, julgamento em 23.4.2019. (HC-135164).
Este entendimento não é inédito. No informativo n. 793 é possível considerar o mesmo posicionamento:
(…) 1. A aplicação do princípio da insignificância envolve um juízo amplo (“conglobante”), que vai além da simples aferição do resultado material da conduta, abrangendo também a reincidência ou contumácia do agente, elementos que, embora não determinantes, devem ser considerados. 2. Por maioria, foram também acolhidas as seguintes teses: i) a reincidência não impede, por si só, que o juiz da causa reconheça a insignificância penal da conduta, à luz dos elementos do caso concreto; e ii) na hipótese de o juiz da causa considerar penal ou socialmente indesejável a aplicação do princípio da insignificância por furto, em situações em que tal enquadramento seja cogitável, eventual sanção privativa de liberdade deverá ser fixada, como regra geral, em regime inicial aberto, paralisando-se a incidência do art. 33, § 2º, c, do CP no caso concreto, com base no princípio da proporcionalidade. (…) STF. Plenário. HC 123108, Rel. Min. Roberto Barroso, julgado em 03/08/2015 (Info 793).
SE LIGA:
1) A reincidência do acusado não é motivo suficiente para afastar a aplicação do princípio da insignificância;
2) A reincidência ou contumácia do agente, embora não seja determinante, é circunstância que deve ser considerada para a aplicação do princípio da insignificância.
2) É possível a fixação de regime inicial aberto ao condenado reincidente quando foi cogitável a aplicação do princípio da insignificância ao fato e este não for utilizada para provocar a atipicidade da conduta, em razão da absolvição ser medida socialmente indesejável, com base no princípio da proporcionalidade.
DICA: Após a leitura do artigo 33 do Código Penal, revise as SÚMULAS SOBRE O TEMA:
STJ
269 – É admissível a adoção do regime prisional semiaberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judicias.
440 – Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito.
STF:
718 – A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada
719 (A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea).
Tratado internacional que estabelece imprescritibilidade de determinado crime torna inaplicável o art. 107, inciso IV, do Código Penal?
A Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade afirma que os delitos de lesa-humanidade devem ser declarados imprescritíveis.
Tal Convenção foi adotada pela Resolução nº 2.391 da Assembleia Geral da ONU, em 26/11/1968, e entrou em vigor em 11/11/1970.
Todavia, tal diploma não foi ratificado pelo Brasil. Assim, não é possível aplicar os regramentos de imprescritibilidade previstos em tal Convenção, ainda sob o argumento de que seria norma jus cogens (normas imperativas de direito internacional, amplamente aceitas pelo país e insuscetíveis de qualquer derrogação).
A regra do direito brasileiro acerca da prescrição (art. 107, IV, do CP) não pode ser afastada sem a existência de lei em sentido formal.
Decerto, somente lei pode tratar sobre a prescritibilidade ou à imprescritibilidade da pretensão estatal de punir, salvo as cláusulas constitucionais em sentido diverso, como aquelas inscritas nos incisos XLII e XLIV do art. 5º da CF/88. STJ. 3ª Seção. REsp 1.798.903-RJ, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, julgado em 25/09/2019 (Info 659).
SE LIGA! Convenção internacional que preveja imprescritibilidade de determinado crime é insuficiente para impedir a extinção da punibilidade pela prescrição no Brasil, pois tal disposição prevista apenas em tratado internacional NÄO atende a exigência do princípio da reserva legal.