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Archive for the ‘Direito’ Category

O PAGAMENTO DA VANTAGEM INDEVIDA É INDISPENSÁVEL PARA CONSUMAÇÃO DO CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA (ART. 317 DO CP)?

24/ junho / 2021 Deixe um comentário

O crime de corrupção passiva consiste em “Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem.” – Art. 317 do Código Penal

Assim, três são 3 (três) núcleos/condutas do tipo penal: (i) Solicitar; (ii) Receber (iii) Aceitar promessa.

Vale dizer que a corrupção passiva é um crime formal. Decerto, nas figuras “solicitar” e “aceitar promessa”, o tipo penal se consuma com a conduta, ainda que a vantagem não seja recebida. Isso porque, o crime formal é aquele em que há previsão de resultado, mas não se exige sua ocorrência para que o crime esteja consumado. E se a vantagem indevida for paga? Isso será mero exaurimento do crime.

Dessa forma, o pagamento da vantagem indevida nas figuras “solicitar” e “aceitar promessa” não é necessário para configuração, nem que o particular aceite a proposta. Basta a solicitação ou aceitação da vantagem pelo funcionário público. A propósito, se o agente pratica ou retarda ato infringindo dever funcional em decorrência da vantagem ou promessa, incidirá causa de aumento de 1/3 (terço), nos termos do artigo 317, §1º, do Código Penal.

Categorias:Penal

O Presidente da República pode determinar instauração de Inquérito Policial ou o indiciamento de alguém?

24/ junho / 2021 Deixe um comentário

A Constituição Federal, dispõe que a apuração de infrações penais e o desempenho das funções de polícia judiciária competem à Polícia Federal e às Polícias Civis.

Nessa vereda, qualquer ato atribuído à autoridade policial que venha a ser praticado por outro agente estatal diverso do delegado de polícia configura, em tese, crimes de usurpação de função pública e abuso de autoridade, dependendo do ato praticado.

Não há na legislação norma que permita a conclusão de que a autoridade policial possa ser qualquer outro agente estatal além do delegado de polícia. Ao contrário, cabe privativamente ao delegado de polícia indicar os indícios de autoria, materialidade e demais elementos circunstanciais no inquérito policial (art. 2º, §1º, da Lei 12.830/2013).

Na persecução penal, o indiciamento é ato administrativo, de competência privativa da autoridade policial, por meio de análise técnico-jurídica do fato delituoso. Vale lembrar que o indiciamento de alguém, por suposta prática delituosa, somente se justificará, se e quando houver indícios mínimos, que, apoiados em base empírica idônea, possibilitem atribuir-se ao mero suspeito a autoria do fato criminoso. Isso porque, é inquestionável que o ato de indiciamento, embora não pressupondo a necessária existência de um juízo de certeza quanto à autoria do fato delituoso, há de resultar, para legitimar-se, de um mínimo probatório que torne possível reconhecer que determinada pessoa teria praticado o ilícito penal, pois externamente, indica à sociedade o provável sujeito ativo do crime.

Entre as funções privativas do delegado de polícia está o indiciamento, a ser realizado através de ato fundamentado, “mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias” (art. 2º, § 6º).

Os tribunais superiores possuem entendimento firmes no sentido de que o indiciamento é ato privativo do delegado de polícia, razão pela qual não pode ser a ele requisitado

STF – HC 115.015, Min. Rel.. Teori Zavascki, j. em 27/08/2013 – Sendo o ato de indiciamento de atribuição exclusiva da autoridade policial, não existe fundamento jurídico que autorize o magistrado, após receber a denúncia, requisitar ao Delegado de Polícia o indiciamento de determinada pessoa.

STJ –  STJ. RHC 47.984, Rel. Min. Jorge Mussi, j. 04/11/2014 – É por meio do indiciamento que a autoridade policial aponta determinada pessoa como a autora do ilícito em apuração. Por se tratar de medida ínsita à fase investigatória, por meio da qual o Delegado de Polícia externa o seu convencimento sobre a autoria dos fatos apurados, não se admite que seja requerida ou determinada pelo magistrado, já que tal procedimento obrigaria o presidente do inquérito à conclusão de que determinado indivíduo seria o responsável pela prática criminosa, em nítida violação ao sistema acusatório adotado pelo ordenamento jurídico pátrio.

Há alguma peculiaridade em relação ao indiciamento de membros do Congresso Nacional?

Senadores da República e Deputados Federais podem ser indiciados. No entanto, a autoridade policial não pode indiciar parlamentares sem prévia autorização do ministro-relator do inquérito, ficando a abertura do próprio procedimento investigatório (inquérito penal originário) condicionada à autorização do Relator. Nos casos de competência originária dos Tribunais, a atividade de supervisão judicial deve ser desempenhada durante toda a tramitação das investigações, desde a abertura dos procedimentos investigatórios até o eventual oferecimento, ou não, de denúncia pelo titular da ação (STF – QO no Inq. 2.411).

SE LIGA!

O Presidente da República NÃO pode determinar instauração de Inquérito Policial ou o indiciamento de alguém, pois a instauração e presidência de inquérito policial, bem como indiciamento são atos privativos do Delegado de Polícia. Quanto os membros do Congresso Nacional, o indiciamento somente poderá ser feito após prévia autorização do Supremo Tribunal Federal (Ministro-relator).

A diferença mínima de idade entre adotante e adotado (16 anos) é uma exigência absoluta?

22/ junho / 2021 Deixe um comentário

O artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei n. 8069/90 informa duas regras sobre idade para adoção.

1. A idade mínima do adotante é de 18 (dezoito) anos, independente do estado civil. (caput)

2. A diferença etária mínima de 16 (dezesseis) anos entre adotante e adotado. (parágrafo 3º).

O objetivo dos requisitos relacionados à idade mínima e diferença de idade entre adotante e adotado é evitar confusão de papéis ou a imaturidade emocional indispensável para a criação e educação de um ser humano e o cumprimento dos deveres inerentes ao poder familiar. Assim, busca-se reproduzir – tanto quanto possível – os contornos da família biológica padrão, de forma a evitar que a adoção camuflasse motivos escusos, onde a demonstração de amor paternal para com o adotando mascarasse/escondesse interesse impróprio. Contudo, registre-se que nos casos de adoção bilateral, basta que um dos adotantes preencha os requisitos de idade mínima e diferença de idade.

Esclarecida a regra, surge uma questão surge: A diferença de idade entre adotante e adotado é uma exigência absoluta?

NÃO. A diferença mínima de idade de 16 (dezesseis) anos pode ser flexibilizada. Isso porque, à luz do princípio da socioafetividade, a adoção é sempre regida pela premissa do amor.

Dessa forma, incumbe ao magistrado estudar as particularidades de cada caso concreto a fim de apreciar se a idade entre as partes realiza a proteção do adotando, sendo o limite mínimo legal um norte a ser seguido, mas que permite interpretações à luz do princípio da socioafetividade, nem sempre atrelado às diferenças de idade entre os interessados no processo de adoção. STJ – REsp 1.785.754-RS, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 08/10/2019, DJe 11/10/2019 (Informativo n. 658).

Outra situação que permite superar a exigência mínima de 16 (dezesseis) anos de diferença de idade entre adotante e adotado ocorre quando se constata que a adoção visa apenas formalizar situação fática estabelecida de forma pública, contínua, estável, concreta e duradoura.

O Superior Tribunal de Justiça afastou a exigência da diferença mínima de idade entre adotante e adotado em um cenário em que o adotante já era casado há vários anos com a mãe do adotado e tinha, inclusive, 02 (dois fihos), os quais possuíam com o adotado, efetiva relação de afeto já consolidada no tempo. Como se vê, a relação de afeito já vivida somada ao fato de ser guarda unilateral afastou a exigência de diferença da idade entre adotante e adotado, pois a finalidade da norma (melhor interesse da criança) foi homenageado – STJ – informativo n. 701 – REsp 1.338.616-DF, Rel. Min. Marco Buzzi, Quarta Turma, por unanimidade, julgado em 15/06/2021.

SE LIGA!

O Estatuto da Criança e Adolescente estabelece diferença mínima de idade de 16 anos entre adotante e adotado (Art. 42, §3º, do ECA).

Todavia, tal regra pode ser mitigada, quando ponderada com os interesses envolvidos favorecerem o melhor interesse do adotado, bem como a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

É possível reconhecer união estável no procedimento do inventário?

20/ junho / 2021 Deixe um comentário

O companheiro sobrevivente é herdeiro do falecido. Aliás, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a inconstitucionalidade do art. 1790, de modo que o tratamento ao companheiro, para fins de vocação hereditária é equiparado ao do cônjuge, de forma que deve ser aplicado ao companheiro o artigo 1829 do Código Civil.

No julgamento do Recurso Extraordinário 878.694-MG foi firmada a seguinte tese: “No sistema constitucional vigente, é inconstitucional a diferenciação de regime sucessório entre cônjuges e companheiros devendo ser aplicado em ambos os casos o regime estabelecido no art. 1.829 do Código Civil”.

Todavia, como sabemos, a união estável é um arranjo familiar informal em que, raramente, os companheiros procuram documentar a relação (até mesmo pelo próprio estilo informal da relação).

Assim, muitos companheiros sobreviventes, embora herdeiros, ficam a depender da comprovação da existência da união estável ao tempo da morte do autor da herança. Daí, caso haja divergência entre os herdeiros, é necessária a judicialização (ação de reconhecimento de união estável post mortem).

No entanto, nos termos do artigo 612 do Código de Processo Civil, o juiz decidirá todas as questões de direito desde que os fatos relevantes estejam provados por documento, só remetendo para as vias ordinárias as questões que dependerem de outras provas.

Como se percebe, o art. 612 do CPC visa a facilitação do deslinde do procedimento, prevendo, como regra geral, a agregação de todas as discussões relacionadas ao espólio em um único procedimento, excluindo-se apenas aquelas que demandarem alta indagação ou dependerem de outras provas. Decerto, quando a questão, por sua natureza, depender de um outro processo especial, ou se achar subordinada a fato somente pesquisável por meio de outras provas que não a documental, é que o magistrado do inventário poderá remeter os interessados para as vias ordinárias.

Assim, a união estável poderá ser reconhecida incidentalmente no procedimento do inventário, desde que já existam provas documentais.

Agora, uma outra questão deve ser observada. Imagine que a companheira sobrevivente queira reconhecer, além da união estável, o seu termo inicial. Explico: No regime da comunhão parcial de bens, a companheira, em concorrência com os descendentes do falecido, será meeira quanto aos bens comuns e herdeira quanto aos bens particulares. Assim, o reconhecimento do termo inicial da união estável é fundamental.

Porém, tal fato não impede o seu reconhecimento no procedimento do inventário. O reconhecimento da união estável no procedimento do inventário, ainda que exista prova documental, somente não será reconhecida no inventário, se o termo inicial for relevante para a partilha. Nessa situação, será necessária a propositura de ação específica a fim de que seja reconhecida a união estável com a fixação de termo inicial.

Agora, imagine que o casal viveu em união estável sob o regime da separação total? Perceba que neste caso o termo inicial é irrelevante, pois o companheiro sobrevivente será apenas herdeiro.

O Superior Tribunal de Justiça já reconheceu: (i) a possibilidade de reconhecimento de união estável no procedimento inventário, desde que exista prova documental. De mais a mais, (ii) a impossibilidade de fixação do termo inicial não obsta tal reconhecimento na via do inventário, salvo se o início da união estável for relevante para fins de partilha (meação e herança). Confira:

STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 1.685.935 – AM (2016/0262393-9): PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. AÇÃO DE ABERTURA DE INVENTÁRIO. RECONHECIMENTO INCIDENTAL DE UNIÃO ESTÁVEL. COMPROVAÇÃO DOCUMENTAL. POSSIBILIDADE. NÃO FIXAÇÃO DE TERMO INICIAL. PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. I. O reconhecimento de união estável em sede de inventário é possível quando esta puder ser comprovada por documentos incontestes juntados aos autos do processo. II. Em sede de inventário, a falta de determinação do marco inicial da União Estável só importa na anulação de seu reconhecimento se houver demonstração concreta de que a partilha será prejudicada pela indefinição da duração do relacionamento marital. III. Na inexistência de demonstração de prejuízo, mantem-se o reconhecimento. IV. Recurso especial conhecido e desprovido.

SE LIGA!

1 – Desde que exista prova documental, a união estável entre o falecido e a companheira sobrevivente pode ser reconhecida no procedimento inventário

2 – A impossibilidade de fixação do termo inicial da união estável não obsta tal reconhecimento na via do inventário, salvo se o início da união estável for relevante para fins de partilha (meação e herança).

É POSSÍVEL UTILIZAR DO ALVARÁ JUDICIAL QUANDO EXISTIREM BENS MÓVEIS OU IMÓVEIS, ALÉM DE VALORES ?

19/ junho / 2021 Deixe um comentário

A sucessão causa mortis (herança) é instrumentalizada pelo (i) procedimento de inventário e partilha, (ii) arrolamento sumário (quando todos os herdeiros são maiores e capazes) ou (iii) arrolamento comum (o patrimônio não supera 1000 (mil) salários mínimos).  

Ocorre que a Lei n. 6.858/80 e seu regulamento ( Decreto n.85.845/91) permite que valores em conta bancária, saldo de salário e valores devidos pelos empregadores aos empregados e os montantes das contas individuais do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço e do Fundo de Participação PIS-PASEP, não recebidos em vida pelos respectivos titulares, serão pagos via alvará judicial.

OLHA SÓ!  O alvará judicial poderá ser utilizado para o saque e partilha dos valores, desde que o montante não ultrapasse 500 (quinhentas) Obrigações do Tesouro Nacional (OTN).

Obrigação do Tesouro Nacional (OTN): O que é? Qual o valor?

A Obrigação do Tesouro Nacional (OTN) foi um título da dívida pública que foi emitido no Brasil entre 1986 e 1989

A OTN é índice referido pela legislação brasileira, como por exemplo, a Lei 6.858/80 que autoriza a expedição de alvarás judiciais para recebimento de valores de pessoas falecidas por seus herdeiros independentemente de inventário. O limite é de 500 OTNs.

A partir de junho de 2010, o valor de 50 OTNs (Critério adotado pelo STJ no REsp. 1.168.625/MG para definição de alçada judicial) constante do mês de referência de dezembro de 2000 foi de R$328,27, o qual deve ser corrigido pelo IPCA-E (IBGE) – BACEN.

Com base neste julgado, uma OTN em dezembro de 2000 foi avaliada em R$6,5654. Este valor deve ser corrigido pelo IPCA-E. Em abril/2021, 500 OTNs valiam R$ R$ 10.778,19.

Assim, via alvará judicial é possível partilhar herança quando os valores não ultrapassem 500 OTNs, desde que inexista outros bens móveis (art. 2º da Lei n. 6858/80), cabendo ao interessado indicar os herdeiros na petição inicial e os valores existentes nas contas do autor da herança. Caso algum herdeiro não esteja habilitado na previdência, por exemplo, ele deverá ser citado.

Agora, imagine o seguinte cenário. O falecido deixou pequena quantidade de valores (saldo do mês de salário) de aproximadamente R$ 2.000,00 e um automóvel ou uma motocicleta simples que não chega sequer ao valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais). Como se vê, embora exista um bem móvel, além dos valores em conta, o patrimônio deixado não supera o limite de 500 OTNs. Diante disso, seria possível instrumentalizar o alvará judicial ou necessariamente deveria ser feito o inventário (procedimento mais formal e demorado)?

A dicção legislativa impede a utilização do alvará judicial. No entanto, o procedimento alvará judicial é um procedimento de jurisdição voluntária. Assim, o juiz não é obrigado a observar critério de legalidade estrita, podendo adotar em cada caso a solução que considerar mais conveniente ou oportuna (art. 723, parágrafo único). Dessa forma, em apreço à facilitação dos procedimentos, desburocratização do acesso à justiça, facilitação de efetivação do direito fundamental à herança, seria possível utilizar de alvará judicial para efetivação da sucessão hereditária, ainda que existam bens móveis e imóveis, desde que o valor patrimonial total não supere o limite de 500 OTNs.

A doutrina aceita tal raciocínio. Nesse sentido, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald afirmam:

“Em nosso entendimento, porém, considerando que os procedimentos de jurisdição voluntária, admitem o julgamento com o uso da equidade, sem a legalidade estrita (CPC, art. 723, Parágrafo Único), vislumbramos a possibilidade de concessão de alvará mesmo quando existem outros bens a serem partilhados (como um automóvel ou mesmo ações de uma empresa), dês que respeitado o limite pecuniário estabelecido no antes referido Diploma Legal.” (FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil: Sucessões, 6ª ed. Salvador: JusPodivm, 2021, vol. 7, p. 715)

Portanto, é possível, como forma de facilitação dos procedimentos em apreço à efetivação do direito fundamental à herança, a sucessão hereditária de bens móveis e imóveis via alvará judicial, desde que o valor do patrimônio total não ultrapasse o teto previsto em lei: 500 OTNs. Observação: O Imposto sobre Transmissão de Causas Mortis (ITCMD) geralmente não incide em valores herdados até o limite do alvará judicial. Por exemplo, no Amazonas, há isenção do ITCMD para imóvel, rural ou urbano, cujo valor não ultrapasse R$ 100.000,00 (cem mil reais) e o(s) beneficiado(s) não possua(m) outro imóvel; roupa e utensílio agrícola de uso manual, bem como móvel e aparelho de uso doméstico que guarneçam as residências familiares – Art. 118, III, da Lei Complementar n. 19/97.  Como o valor transmitido via alvará judicial é muito inferior ao valor isento, não haverá tributação, nem interesse da Fazenda Pública Estadual.

Categorias:Sucessões

É possível renunciar a condição de herdeiro em razão ser cônjuge/companheiro sobrevivente em eventual futura herança?

18/ junho / 2021 Deixe um comentário

De início, é importante notar que o artigo 426 do Código Civil veda a negociação de herança de pessoa viva (conhecido como pacto corvina, pacto sucessório): “Não pode ser objeto de contrato a herança de pessoa viva”.

A proibição tem com fundamento impedir uma das características essências da declaração de última vontade (testamento): A revogabilidade. Caso fosse possível a negociação da herança ainda em viva, o contratante não poderia revogar unilateralmente.

Outro argumento está relacionado à questão moral. Com a proibição, evita-se gerar expectativa pela morte do autor da herança.

O Superior Tribunal de Justiça já confirmou tal impossibilidade:

AGRAVO  INTERNO  NO  RECURSO  ESPECIAL.  AGRAVO  DE  INSTRUMENTO  EM PROCESSO  DE  INVENTÁRIO.  TRANSAÇÃO SOBRE HERANÇA FUTURA. NULIDADE. DECISÃO MANTIDA. RECURSO DESPROVIDO.: (…) 2.  Acórdão  recorrido  que manteve a nulidade de cessão de direitos hereditários  em  que os cessionários dispuseram de direitos a serem futuramente  herdados,  expondo  motivadamente as razões pelas quais entendeu  que  o  negócio  jurídico  em questão não dizia respeito a adiantamento  de  legítima,  e  sim  de  vedada transação envolvendo herança de pessoa viva. 4.  Embora  se  admita  a  cessão  de  direitos  hereditários,  esta pressupõe  a  condição  de  herdeiro para que possa ser efetivada. A disposição  de  herança,  seja  sob  a  forma de cessão dos direitos hereditários ou de renúncia, pressupõe a abertura da sucessão, sendo vedada a transação sobre herança de pessoa viva. 5. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1341825 / SC AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL 2012/0184431-5 – Ministro RAUL ARAÚJO – 4ª Turma – DJe 10/02/2017) – sem grifos no original.

Superada a compreensão acerca da impossibilidade de contrato tendo como objeto a herança de pessoa viva, passa-se ao exame a voo de pássaro dos reflexos do regime de bens na sucessão.

Quanto a tema, em primeiro lugar, o regime de bens só é relevante quando o parceiro afetivo sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. Neste cenário, nas pegadas do artigo 1829, I, do CC, o cônjuge/companheiro sobrevivente concorre com os descendentes (regra). As exceções estão quanto ao regime da comunhão universal de bens (salvo nos bens particulares – art. 1.667 do CC); separação obrigatória (art. 1641 do CC). Por derradeiro, no regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge/companheiro sobrevivente será herdeiros, mas tão somente em relação aos bens particulares do falecido.

Afora as exceções, no regime da separação convencional de bens (ar.t 1687 do CC), ocorre um paradoxo: O cônjuge sobrevivente não é meeiro, pois não há comunicabilidade de bens, mas é herdeiro. Tal entendimento já foi confirmado pelo STJ (AgRg no A Resp. 187.515; AgInt no REsp. 1.354.742). Isso mesmo, em flagrante violação à autonomia, pessoas que decidem não comunicar bens durante o casamento, são herdeiras uma da outra, em caso de sobrevivência e concorrência com os descendentes.

Daí, voltemos à questão: É possível renunciar a condição de herdeiro em razão ser cônjuge/companheiro sobrevivente?

A tendência inicial é negar tal possibilidade, uma vez que não há vedação de contrato sobre a herança viva (pois isso somente é possível após a abertura da sucessão pelos motivos acima declinados). De mais a mais, a lei afirma que o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes, salvo as exceções.

Todavia, a doutrina debate o assunto.

Mário Luiz Delgado e Jânio Urbano Marinho Júnior defendem  uma nova interpretação ao artigo 426 do Código Civil, afastando-se de uma leitura tradicional do dispositivo. Para eles, essa interpretação que vem sendo feita do artigo 426 tem levado à condenação absoluta da renúncia prévia, em pacto antenupcial ou contrato de convivência, de qualquer direito sucessório por parte de cônjuges ou companheiros.

Na mesma toada, Rolf Madaleno também defende que cônjuges e conviventes renunciem ao direito concorrencial previsto no art. 1.829 do Código Civil:

“Cônjuges e conviventes podem livremente projetar para o futuro a renúncia de um regime de comunicação de bens, tal qual podem projetar para o futuro a renúncia expressa ao direito concorrencial dos incisos I e II, do artigo 1.829 do Código Civil brasileiro, sempre que concorram na herança com descendentes ou ascendentes do consorte falecido. A renúncia de direitos hereditários futuros não só não afronta o artigo 426 do Código Civil (pacta corvina), como diz notório respeito a um mero benefício vidual, passível de plena e prévia abdicação, que, obviamente, em contratos sinalagmáticos precisa ser reciprocamente externada pelo casal, constando como um dos capítulos do pacto antenupcial ou do contrato de convivência, condicionado ao evento futuro da morte de um dos parceiros e da subsistência do relacionamento afetivo por ocasião da morte de um dos consortes e sem precedente separação de fato ou de direito”.

Como se vê, malgrado exista proibição de negociação de herança de pessoa viva, é preciso fazer, em respeito à autonomia, uma leitura de forma a permitir que o cônjuge sobrevivente que era casado sob o regime da separação total de bens, mesmo sendo herdeiro em concorrência aos descendentes do falecido possa renunciar (em contrato de convivência ou pacto antenupcial ou outro ato notarial, por exemplo), pois tal renúncia não impede a revogabilidade da disposição de ultima vontade do autor do herança, nem atenta a ordem moral, gerando expectativas pela morte do autor da herança. Por fim, uma nota: A renúncia da condição de herdeiro do cônjuge sobrevivente é chamada de pacto sucessório negativo, na medida em que o acordo de vontades entre cônjuges/companheiros elimina a pretensão de um ser herdeiro do outro.
em face da outra,

REFERÊNCIAS:

DELGADO, Mário Luiz; MARINHO JÚNIOR, Jânio Urbano. Posso renunciar à herança em pacto antenupcial? Revista IBDFAM – Famílias e Sucessões nº 31.

MADALENO, Rolf. Renúncia de herança no pacto antenupcial. Revista IBDFAM – Famílias e Sucessões nº 27.

Categorias:Sucessões

A criança e o adolescente “sob guarda” podem ser considerados dependentes no Regime Geral da Previdência social?

15/ junho / 2021 Deixe um comentário

A Lei 8.213/1990 informa que são beneficiários do Regime Geral de Previdência Social, na condição de dependentes do segurado, entre outros, o enteado e o menor sob tutela, pois estes são equiparados a filho mediante declaração do segurado e desde que comprovada a dependência econômica, na forma estabelecida no Regulamento (“Art. 16, §2º).

Como se vê, a legislação deixou de fora as crianças e adolescentes que estiverem sob a guarda, modalidade de colocação em família substituta diversa da tutela.

Daí, questiona-se: É possível interpretar de forma a incluir a criança e o adolescente sob como guarda como dependentes do segurado no Regime Geral da Previdência Social (RGPS)?  

A doutrina da proteção integral, consagrada no art. 227 da Constituição Federal (CF) e nos tratados internacionais vigentes sobre o tema, dos quais sobressai a Convenção dos Direitos das Crianças (Decreto 99.710/1990), estabelece o estatuto protetivo de crianças e adolescentes, conferindo-lhes status de sujeitos de direito.

Os direitos e garantias dos infantes devem ser universalmente reconhecidos, diante de sua especial condição de pessoas em desenvolvimento. Decerto, assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, seus direitos fundamentais é dever que se impõe não apenas à família e à sociedade, mas também ao Estado.

Além disso, o art. 33, § 3º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), ao tratar do “menor sob guarda”, confere a ele condição de dependente, para todos os efeitos jurídicos, abrangendo, também, a esfera previdenciária:

Lei 8.069/1990: “Art. 33. A guarda obriga a prestação de assistência material, moral e educacional à criança ou adolescente, conferindo a seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais. (…) § 3º A guarda confere à criança ou adolescente a condição de dependente, para todos os fins e efeitos de direito, inclusive previdenciários

Nesse sentido, a interpretação que assegura ao “menor sob guarda” o direito à proteção previdenciária deve prevalecer, não apenas porque assim dispõem a CRFB e o ECA, mas porque direitos fundamentais devem observar o princípio da máxima eficácia. 

Portanto, as crianças e adolescentes “sob guarda” devem ser incluídos dependentes do Regime Geral de Previdência Social, tudo em atenção ao princípio da proteção integral e da prioridade absoluta, desde que comprovada a dependência econômica, nos termos da legislação previdenciária.

Obs.: A expressão “menor” foi utilizada no texto, pois foi usada no julgado do STF. Todavia, é preciso alertar que tal expressão deve superada, na medida em que significantes possuem valor no direito. A expressão foi substituída desde o texto constitucional de 1988 para “criança e adolescente”.

STF: ADI n. 4878/DF & ADI 5083/DF

É possível “cancelar” a paternidade registrada diante da descoberta de inexistência de vínculo genético?

13/ junho / 2021 Deixe um comentário

Para começo de conversa, devemos lembrar que foi-se o tempo em que a paternidade era apenas um vínculo genético.

Ao longo do tempo, ao afeto passou a ser reconhecido valor jurídico, de forma que a socioafetividade passou a ser critério para vinculo paterno-filial, sem qualquer hierarquia com critério biológico. Aliás, cumpre notar que é perfeitamente possível a coexistência de ambos os critérios de forma simultânea. Tal instituto é conhecido como multiparentalidade (STF – Repercussão Geral 622, Recurso Extraordinário 898.060).

Agora, a questão é outra: Imagine que alguém reconhece como seu filho, alguém que acredita ter vinculo biológico. No entanto, tempos depois, descobre que não possui tal ligação genética, razão pela qual deseja “anular”, “cancelar a paternidade. Isso é possível?

Importante saber que o reconhecimento do vínculo de filiação, com o consequente registro civil é irrevogável (art. 1609 do Código Civil). Logo, via de regra, a anulação da paternidade do registro será excepcional.

Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça exige 02 (dois) requisitos, a saber: (i) prova robusta no sentido de que o pai foi de fato induzido a erro, ou ainda, que tenha sido coagido a tanto e (ii) inexistência de relação socioafetiva entre pai e filho.

Quanto ao erro, “para que fique caracterizado o erro, é necessária a prova do engano não intencional na manifestação da vontade de registrar” (REsp 1.383.408/RS, Terceira Turma, DJe 30/05/2014). Nesse mesmo julgado, consignou-se que “não há erro no ato daquele que registra como próprio filho que sabe ser de outrem, ou ao menos tem sérias dúvidas sobre se é seu filho”. Portanto, é preciso que, no momento do registro, o indivíduo acreditasse ser o verdadeiro pai biológico da criança.

Quanto à inexistência de vinculo sociafetivo, é preciso atentar que a constante instabilidade, dinamicidade e volatilidade das relações conjugais na sociedade atual não podem e não devem impactar as relações de natureza filial que se constroem ao longo do tempo e independem do vínculo de índole biológica, pois “o assentamento no registro civil a expressar o vínculo de filiação em sociedade nunca foi colocado tão à prova como no momento atual, em que, por meio de um preciso e implacável exame de laboratório, pode-se destruir verdades construídas e conquistadas com afeto” (REsp 1.003.628/DF, 3ª Turma, DJe 10/12/2008).

Vejamos outros julgados sobre o tema:

RECURSO ESPECIAL. CIVIL. FAMÍLIA, AÇÃO ANULATORIA DE REGISTRO CIVIL (C/2002, ART. 1.604). FALSIDADE IDEOLÓGICA. FILHOS DO AUTOR FALECIDO. LEGITIMIDADE ATIVA. INTERESSADOS. RECURSO PROVIDO. 1. A anulação do registro de nascimento ajuizada com fulcro no art. 1.604 do Código Civil de 2002, em virtude de falsidade ideológica, pode ser pleiteada por todos que tenham interesse em tornar nula a falsa declaração. 2. Recurso especial provido. (REsp 1238393/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚ-JO, QUARTA TURMA, julgado em 02/09/2014, DJe 18/09/2014).

(…) 1. O reconhecimento espontâneo de filho no registro público é irrevogável e ir-retratável, somente podendo ser anulado se maculado por vício de consentimento, como erro, dolo, coação, simulação ou fraude. 2. In casu, ausente a comprovação de vício de consentimento quando do ato registral, aliada à existência de vínculo socioafetivo, impõe-se a improcedência da pretensão inaugural. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, Apelação (CPC) 5043214-70.2018.8.09.0107, Rel. ALAN SEBASTIÃO DE SENA CONCEIÇÃO, 5ª Câmara Cível, julgado em 03/05/2019, DJe de 03/05/2019).

(…) 7. A registro depende não apenas da ausência de vínculo biológico, mas também da ausência de vínculo familiar, cuja análise resta pendente no caso concreto, sendo ônus do autor atestar a inexistência dos laços de filiação ou eventual mácula no registro público. 8. Recurso especial provido.(REsp 1664554/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 05/02/2019, DJe
15/02/2019).

Decerto, a divergência entre a paternidade biológica e a declarada no registro de nascimento não é apta, por si só, para anular o ato registral, dada a proteção conferida a paternidade socioafetiva.STJ – REsp 1.829.093-PR, Rel. Min. Nancy Andrighi, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 01/06/2021

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É POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DO DIVÓRCIO SEM PARTILHA DE BENS?

13/ junho / 2021 Deixe um comentário

SIM. O divórcio direto pode ser concedido sem que haja prévia partilha dos bens – STJ – Súmula N. 197; Art. 1581 do CC. Daí, será estabelecido um condomínio entre os cônjuges, observadas as regras do artigo 1322 do Código Civil.

CASO ALGUM DOS CÔNJUGES UTILIZE DE FORMA EXCLUSIVA O IMÓVEL COMUM DEVERÁ PAGAR ALUGUEL?

SIM. Após a separação ou divórcio, algum ex-cônjuge use de forma exclusiva o imóvel comum, aquele privado da fruição do bem pode reivindicar, a título de indenização, a parcela proporcional a sua quota-parte sobre a renda de um aluguel presumido. Dessa forma, o pagamento dps aluguéis possui uma função reparatória e evita o enriquecimento sem causa do coproprietário que está usando de forma exclusiva o imóvel.

O PAGAMENTO DE ALUGUEL SEMPRE DEVERÁ SER PAGO?

OLHA SÓ! Não é obrigatório o arbitramento de aluguel ao ex-cônjuge que reside, após o divórcio, em imóvel de propriedade comum do ex-casal com a filha menor de ambos. O fato de o imóvel estar sendo utilizado para a moradia da filha em comum do casal significa que, de algum modo, tanto o homem como a mulher estão usufruindo do bem. Isso porque o sustento da menor (incluindo a moradia) é um dever de ambos. STJ. 4ª Turma. REsp 1.699.013-DF, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 04/05/2021 (Info 695).

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ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS

13/ junho / 2021 Deixe um comentário

O Código Civil passou a admitir a alteração do regime de bens, mediante autorização judicial em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros  (Art. 1639, §2º, do CC)..

REQUISITOS PARA ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS

1. pedido de ambos os cônjuges.

2. Pedido motivado (doutrina já critica isso)

3. Prova que não há prejuízo para terceiros.

4. Decisão judicial

Embora a doutrina critique, a alteração deve ser motivada. Quais os motivos?

  • Questões  societárias – Art. 977 do CC
  • Queda da causa suspensiva – Art. 1533 e 1641 do CC.
  • Maioridade daquele que casou com suprimento judicial

No pedido de alteração do regime de bens, os cônjuges são obrigados a apresentar justificativas exaustivas ou provas exageradas?

NÃO. A apresentação da relação pormenorizada do acervo patrimonial do casal não é requisito essencial para deferimento do pedido de alteração do regime de bens. A fraude e má-fé não podem ser presumidas. Ao contrário, existe uma presunção de boa-fé que beneficia os consortes.  Isso porque, na sociedade conjugal contemporânea, estruturada de acordo com os ditames assentados na Constituição de 1988, devem ser observados – seja por particulares, seja pela coletividade, seja pelo Estado – os limites impostos para garantia da dignidade da pessoa humana, dos quais decorrem a proteção da vida privada e da intimidade, sob o risco de, em situações como a que ora se examina, tolher indevidamente a liberdade dos cônjuges no que concerne à faculdade de escolha da melhor forma de condução da vida em comum. STJ. 3ª Turma. REsp 1.904.498-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 04/05/2021 (Info 695).

E quem casou antes de 2003? Pode alterar o regime de bens?

A alteração do regime de bens prevista no § 2o do art. 1.639 do Código Civil também é permitida nos casamentos realizados na vigência da legislação anterior. (Enunciado n. 260  – CJF (III Jornada).

CIVIL. CASAMENTO. CÓDIGO CIVIL DE 1916. COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. ALTERAÇÃO DE REGIME. COMUNHÃO UNIVERSAL. POSSIBILIDADE JURÍDICA. I. Ambas as Turmas de Direito Privado desta Corte assentaram que o art. 2.039 do Código Civil não impede o pleito de autorização judicial para mudança de regime de bens no casamento celebrado na vigência do Código de 1916, conforme a previsão do art. 1.639, § 2º, do Código de 2002, respeitados os direitos de terceiros. II. Recurso especial não conhecido. (STJ – REsp: 812012 RS 2006/0013624-0, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 02/12/2008,  T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: <!– DTPB: 20090202<br> –> DJe 02/02/2009)

ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS NO CPC/2015

O Código de Processo Civil passou a dispor sobre a alteração de regime de bens. Confira os dispositivos:

Art. 734.  A alteração do regime de bens do casamento, observados os requisitos legais, poderá ser requerida, motivadamente, em petição assinada por ambos os cônjuges, na qual serão expostas as razões que justificam a alteração, ressalvados os direitos de terceiros.

§ 1o Ao receber a petição inicial, o juiz determinará a intimação do Ministério Público e a publicação de edital que divulgue a pretendida alteração de bens, somente podendo decidir depois de decorrido o prazo de 30 (trinta) dias da publicação do edital.

§ 2o Os cônjuges, na petição inicial ou em petição avulsa, podem propor ao juiz meio alternativo de divulgação da alteração do regime de bens, a fim de resguardar direitos de terceiros.

§ 3o Após o trânsito em julgado da sentença, serão expedidos mandados de averbação aos cartórios de registro civil e de imóveis e, caso qualquer dos cônjuges seja empresário, ao Registro Público de Empresas Mercantis e Atividades Afins.

Qual o efeito da alteração do regime de bens? Ex tunc ou Ex nunc?

APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS COM PRODUÇÃO DE EFEITOS “EX TUNC”. SENTENÇA QUE ACOLHEU O PEDIDO EXORDIAL PARA MODIFICAR O REGIME DE BENS, CONSIGNANDO, ENTRETANTO, QUE OS EFEITOS SE OPERARIAM A PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA. IRRESIGNAÇÃO. PEDIDO DE RETROAÇÃO DOS EFEITOS DA MUDANÇA À DATA DA CELEBRAÇÃO DO CASAMENTO. ACOLHIMENTO DO PLEITO PARA QUE A ALTERAÇÃO DO REGIME DE BENS PRODUZA EFEITOS RETROATIVOS À DATA DO CASAMENTO COM RELAÇÃO AOS CÔNJUGES, MAS, COM RELAÇÃO A TERCEIROS, APENAS A PARTIR DO TRÂNSITO EM JULGADO. “Na ausência de impedimento legal, é possível retroagir os efeitos da mudança do regime. Como o que não é proibido é permitido, é necessário admitir a possibilidade de a alteração atingir bens adquiridos antes do pedido de alteração, assim como os havidos antes mesmo do casamento. Ou seja, a mudança pode atingir bens comuns ou particulares, bens já existentes ou bens futuros. A retificação pode ter efeitos ex tunc ou ex nunc, a depender da vontade dos cônjuges. Aliás, o próprio texto legislativo conduz à possibilidade de eficácia retroativa ao ressalvar os direitos de terceiros, ressalva essa que só tem cabimento pela possibilidade de retroação. Adotado o regime da comunhão universal, a retroatividade é decorrência lógica. Impossível pensar em comunhão sem implicar comunicação de todos os bens posteriores e anteriores à modificação” (DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias.8. ed. rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011. p. 254-255). RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJ-SC – AC: 03105306820168240039 Lages 0310530-68.2016.8.24.0039, Relator: André Carvalho, Data de Julgamento: 30/11/2017, Primeira Câmara de Direito Civil).

OLHA SÓ! O projeto de Lei conhecido como Estatuto das Famílias possibilita a alteração de regimes pela via notarial:. Confira a proposta da inovação legislativa:

Art. 38. É admissível a alteração do regime de bens, mediante escritura pública, promovida por ambos os cônjuges, assistidos por advogado ou defensor público, ressalvados os direitos de terceiros.

§ 1.o A alteração não dispõe de efeito retroativo.

§ 2.o A alteração produz efeito a partir da averbação no assento de casamento.

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