Arquivo
O REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS SEMPRE SERÁ APLICADO AOS MAIORES DE 70 ANOS?
Nos termos do Art. 1.641, II, do Código Civil, é obrigatório o regime da separação de bens no casamento à pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010).
Tal imposição é polêmica na doutrina e a jurisprudência já chegou a reconhecer a inconstitucionalidade. Todavia, este não é o ponto central deste texto.Aqui, o que precisa ficar compreendido é que o regime da separação obrigatória de bens nem sempre será aplicado aos maiores de 70 (setenta) anos.
Isso mesmo! A doutrina e a jurisprudência afirmam que, independente da inconstitucionalidade da imposição, o regime não será aplicado quando o casamento for de um casal que já conviveu um tempo razoável em união estável e que está tenha iniciado antes dos 70 anos de idade.
Na III Jornada de Direito Civil, foi aprovado o Enunciado 261 com seguinte teor: “A obrigatoriedade do regime da separação de bens não se aplica a pessoa maior de sessenta anos, quando o casamento for precedido de união estável iniciada antes dessa idade”.
No Superior Tribunal de Justiça. as duas turmas que discutem e jugam o Direito das Famílias possuem o mesmo entendimento. Confira:
3ª TURMA REsp 918.643⁄RS, Rel. Ministro MASSAMI UYEDA, Rel. p⁄ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 26⁄04⁄2011, DJe 13⁄05⁄2011)
7O reconhecimento da existência de união estável anterior ao casamento é suficiente para afastar a norma, contida no CC⁄16, que ordenava a adoção do regime da separação obrigatória de bens nos casamentos em que o noivo contasse com mais de sessenta, ou a noiva com mais de cinquenta anos de idade, à época da celebração. As idades, nessa situação, são consideradas reportando-se ao início da união estável, não ao casamento.
4a turma – Resp 1.318.281 PE (julgado em 06/10/2017)
2. Afasta-se a obrigatoriedade do regime de separação de bens quando o matrimônio é precedido de longo relacionamento em união estável, iniciado quando os cônjuges não tinham restrição legal à escolha do regime de bens, visto que não há que se falar na necessidade de proteção do idoso em relação a relacionamentos fugazes por interesse exclusivamente econômico.
3. Interpretação da legislação ordinária que melhor a compatibiliza com o sentido do art. 226, §3º, da CF, segundo o qual a lei deve facilitar a conversão da união estável em casamento.
Como se vê, embora o casamento envolva um nubente maior de 70 anos de idade, não haverá a imposição do regime da separação obrigatória de bens, quando o enlace decorrer de uma união estável que iniciou antes que qualquer dos nubentes tivesse alcançado 70 (setenta) anos de idade.
Obs.: O enunciado e o julgado falam em 60 (sessenta) anos em razão da redação anterior do Código Civil, mas o mesmo raciocínio continha aplicável.
É POSSÍVEL INCLUIR O SOBRENOME DO OUTRO CÔNJUGE DURANTE O CASAMENTO?
Para começo de conversa, importante atentar que o acréscimo do sobrenome (patronímico) em razão do casamento é facultativa e pode ser realizada por qualquer dos nubentes.
Isso mesmo, embora popularmente percebemos que a mulher passe a utilizar o sobrenome do marido, essa escolha pode ser feita por qualquer um deles, uma vez que o artigo 1.565, §1º, do Código Civil, diz que “Qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”. Isso porque, deve ser reconhecida a dimensão do princípio da igualdade que deve ser observada entre os cônjuges – Art. 226, §5º, da CRFB.
Esclarecido que a inclusão do sobrenome é FACULTATIVA e pode ser feita por qualquer dos NUBENTES, questiona-se: Quando deve ser feita tal inclusão?
A inclusão do sobrenome é feita no procedimento de habilitação e deverá constar na certidão de casamento (Art. 70 da Lei n. 6.015/73).
Acontece que, por muitas vezes, no momento da habilitação, ainda não há uma clareza por parte do nubente em promover tal inclusão do sobrenome. Daí, surge a questão: É POSSÍVEL A INCLUSÃO DO SOBRENOME DO OUTRO DURANTE A RELAÇÃO MATRIMONIAL?
A reposta é positiva. Ora, o ordenamento jurídico não estabeleceu qualquer prazo para que tal inclusão seja feita. Assim, ainda que não solicitada ao oficial do registro de casamento no momento da habilitação, o direito de alteração não estará suprimido. Este é o entendimento do Superior do Tribunal de Justiça constante no Informativo n. 655. Confira:
A tutela jurídica relativa ao nome precisa ser balizada pelo direito à identidade pessoal, especialmente porque o nome representa a própria identidade individual e o projeto de vida familiar, escolha na qual o Poder Judiciário deve se imiscuir apenas se houver insegurança jurídica ou se houver intenção de burla à verdade pessoal e social. Não se desconhece que a princípio, o propósito de alteração do sobrenome se revela mais apropriada na habilitação para o futuro casamento, quando o exercício do direito é a regra…
…Ademais, o artigo 1.565, §1°, do Código Civil, não estabelece prazo para que o cônjuge adote o apelido de família do outro em se tratando, no caso, de mera complementação, e não alteração do nome. De acordo com a doutrina, “mesmo durante a convivência matrimonial, é possível a mudança, uma vez que se trata de direito de personalidade, garantindo o direito à identificação de cada pessoa. Afinal, acrescer ou não o sobrenome é ato inerente à liberdade de cada um, não podendo sofrer restrições“. Por consequência, as certidões de nascimento e casamento deverão averbar tal alteração, sempre respeitando a segurança jurídica dos atos praticados até a data da mudança (RESP. 1.648.858-SP. Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, por unanimidade, julgado em 20/08/2019, DJe 28/08/2019).
Decerto, o momento da habilitação não é o momento fatal, peremptório, para a decisão sobre a inclusão do sobrenome em razão do casamento, a qual pode ser realizada durante a relação matrimonial.
Esclarecida a possiblidade de alteração posterior do nome (inclusão, acréscimo do sobrenome/patronímico), é preciso também salientar qual a via deverá ser utilizada para a inclusão do sobrenome.
Enquanto no processo de habilitação, a manifestação do desejo de inclusão do sobrenome é feita perante o Oficial de Registro Civil, o desejo posterior deve ser exteriorizado por via judicial. Assim, a ação judicial de alteração/retificação de nome é o instrumento a ser utilizado para inclusão do sobrenome durante a relação matrimonial, conforme artigos 57 e 109 da Lei n. 6.015/1973 (Lei de Registros Públicos), de forma que o cônjuge possa alcançar quem sabe, uma confirmação expressa de como é reconhecido socialmente, ou até mesmo apresentar motivos de ordem íntima e familiar, como, por exemplo, a identificação social de futura prole. Portanto, para a inclusão do sobrenome durante a convivência matrimonial, será necessário um procedimento judicial de jurisdição voluntária, com participação obrigatória do Ministério Público” (STJ, REsp 910.094/SC, 4.ª Turma, Rel. Min. Raul Araújo, j. 04.09.2012, DJe 19.06.2013).
Portanto, é possível a inclusão do sobrenome/patromínico durante a relação matrimonial. Entretanto, a via adequada para tal alteração não será o oficial do registro, tal qual é utilizada no procedimento de habilitação do casamento, mas deve ser proposta ação judicial de retificação/alteração de nome, procedimento de jurisdição voluntária.
Obs.: Confira o que Já falei sobre o tema Casamento & Nome (Clique aqui)
Na união homoafetiva, a companheira possui legitimidade para oferecer queixa-crime na ação penal privada?
Nos crimes de ação penal privada, a legitimidade para iniciar o processo penal é do ofendido, conforme dispõe o artigo 30 do Código de Processo Penal.
Ocorre que, diante da morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial,, o direito de iniciar o processo ou continuar a ação penal existente é transmitido ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão (art. 31 do CPP). Por sinal, cumpre lembrar que o rol é preferencial. Além disso, importante lembrar que qualquer dos sucessores poderá prosseguir no processo penal já instaurado caso o querelante desista ou abandone a instância (art. 36 do CPP). Havendo divergência entre os sucessores, prevalecerá a vontade daquele que deseja iniciar a persecução criminal.
Superada a questão da legitimidade do ofendido e da sucessão processual, questiona-se: O companheiro pode suceder o ofendido? A resposta possui duas correntes:
Renato Brasileiro compreende que o companheiro não pode suceder, pois estaríamos diante de uma analogia in malam partem, pois isso repercute no Direito de punir do Estado. Assim, o autor aponta que deve ser respeitada a legalidade (art. 5º, XXXIX, da CRFB).
No entanto, o Superior Tribunal de Justiça compreende que a norma em comento possui conteúdo processual, pois se refere a legitimidade, de tal forma, que sendo matéria processual permite interpretação extensiva e aplicação analógica, conforme o artigo 3º do CPP. Destarte, tal como o cônjuge, o companheiro possui capacidade processual para suceder o ofendido.
Além disso, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a “inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico, aplicando-se à união estável entre pessoas do mesmo sexo as mesmas regras e mesmas consequências da união estável heteroafetiva”, (RE 646.721, 10/05/2017).
Dessa forma, deve ser garantido à companheira homoafetiva a legitimidade para suceder processualmente a ofendida.
O entendimento da Corte Especial do STJ foi extraído da APn 912-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, Corte Especial, por unanimidade, julgado em 07/08/2019, DJe 22/08/2019 – Informativo da Jurisprudência n. 654.
Qual a relação dos saques do FGTS com o Direito das Famílias?
A partir do próximo dia 13 de setembro de 2019 até março de 2020, o trabalhador poderá sacar até R$ 500 por conta do FGTS, ativa (do emprego atual) ou inativa (de empregos antigos). A medida objetiva estimular a economia.
No entanto, é curioso lembrar que o saque do FGTS possui relação com o Direito das famílias. Isso porque, a depender do regime de bens pactuado entre o casal, os valores do FGTS são partilhados.
No caso, se os regimes da comunhão universal ou comunhão parcial foram regentes da relação patrimonial do casal, a partilha dos valores do FGTS deve ser dividida.
No regime da comunhão universal, não há qualquer dúvida, na medida em que ocorre a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte (art. 1167 do Código Civil).
Por sua vez, no regime da comunhão parcial de bens, malgrado, o artigo 1.659, VI, do Código Civil exclua da comunhão os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge, importa notar que, os valores do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) passam a ter novo aspecto e natureza, pois a verba passa a ser acumulada, de forma que tornam-se patrimônio do casal.
Por essa razão, os valores acumulados nas contas do FGTS, quando as partes casadas sob o regime da comunhão universal ou da parcial de bens. Este é o entendimento pacificado pela 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça. Confira:
“RECURSO ESPECIAL. CASAMENTO. REGIME DE COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. DOAÇÃO FEITA A UM DOS CÔNJUGES. INCOMUNICABILIDADE. FGTS. NATUREZA JURÍDICA. PROVENTOS DO TRABALHO. VALORES RECEBIDOS NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. COMPOSIÇÃO DA MEAÇÃO. SAQUE DIFERIDO. RESERVA EM CONTA VINCULADA ESPECÍFICA.
(…) 4. O entendimento atual do Superior Tribunal de Justiça é o de que os proventos do trabalho recebidos, por um ou outro cônjuge, na vigência do casamento, compõem o patrimônio comum do casal, a ser partilhado na separação, tendo em vista a formação de sociedade de fato, configurada pelo esforço comum dos cônjuges, independentemente de ser financeira a contribuição de um dos consortes e do outro não.
5. Assim, deve ser reconhecido o direito à meação dos valores do FGTS auferidos durante a constância do casamento, ainda que o saque daqueles valores não seja realizado imediatamente à separação do casal.
6. A fim de viabilizar a realização daquele direito reconhecido, nos casos em que ocorrer, a CEF deverá ser comunicada para que providencie a reserva do montante referente à meação, para que num momento futuro, quando da realização de qualquer das hipóteses legais de saque, seja possível a retirada do numerário. (..)
REsp 1399199/RS, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, Rel. p/ Acórdão Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 09/03/2016, DJe 22/04/2016.
Como se vê, fique ligado, se o regime de bens adotado pelo casal foi da comunhão universal ou comunhão parcial de bens, haverá partilha dos valores acumulados nas contas vinculadas do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), ainda que o saque ocorra tempos depois da separação do casal.
A qualificadora do homicídio funcional é aplicável ao policial aposentado?
A Lei n. 13142/2015 incluiu uma nova hipótese de homicídio qualificado, qual seja:
Art. 121 – Matar alguém:
§ 2° Se o homicídio é cometido:
VII – contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição:
Pena – reclusão, de doze a trinta anos.
Como se vê, a lei impõe maior severidade aos homicídios dolosos praticados contra membros das Forças Armadas e contra aqueles que exercem atividade de segurança pública.
No entanto, a qualificadora não incide pelo simples sujeito passivo estar elencado nos artigos 142 e 144 da CRFB. É necessário que exista conexão funcional ente o homicídio praticado e a função exercida, na medida em que o dispositivo exige, para incidência de tal qualificadora que o crime ocorra contra quem esteja “no exercício da função ou em decorrência dela”
Assim, a morte de um policial em situação fora do exercício da função, ou em situação sem qualquer relação com a atividade, não permite o tratamento de homicídio funcional.
E o policial aposentado?
Em regra, também não incidirá tal qualificadora. Isso porque, os membros das Forças Armadas ou policiais aposentados não estão abrangidos pelo inciso VII do § 2º do art. 121 do CP, uma vez que o ocupante do cargo deixa de ser autoridade, agente ou integrante do órgão público.
Todavia, imagine que um policial aposentado é reconhecido e, pro vingança, é assasinado. Por óbvio, a qualificadora do homicídio funcional incidirá, pois, embora a vítima já esteja aposentada (fora do exercício da atividade), o crime ocorreu em “decorrência da função”.
OLHA SÓ: Para incidência da qualificadora em comento, é indispensável que o agente tenha consciência da função pública desempenhada e queira cometer o crime contra o agente que está em seu exercício ou em razão dela ou ainda que queira praticar o delito contra o seu familiar em decorrência dessa atividade.
SE LIGA! A qualificadora em estudo não protege de forma mais severa o agente das Forças Armadas ou da Segurança Pública, pois isso seria inconstitucional, na medida em que trataria de maneira diferente dos demais cidadãos que não desempenham tais funções.
O tratamento penal mais rígido protege a função pública exercida por tais pessoas (bem jurídico tutelado pela Lei n. 13142/15). Assim, só podemos falar em homicídio funcional quando o crime ocorrer contra quem está no exercido da função ou em decorrência dela e tal situação estiver na esfera de conhecimento do agente.
Ao crime praticado contra policial aposentado, não haverá incidência, salvo se o homicídio praticado tiver relação com a atuação enquanto este ainda estivesse na atividade policial (decorrência da função), em apreço ao princípio da igualdade.
A bagatela imprópria é aplicável ao crime de posse de arma de fogo?
De início, lembremos que a bagatela imprópria revela-se como uma das faces do princípio da insignificância. Seu reconhecimento implica como causa de exclusão da punibilidade
Assim, embora o fato surja relevante ao direito penal. Depois, ao longo do processo se verifica que qualquer pena será desnecessária para a reprovação e prevenção do crime.
Vale lembrar que a necessidade da pena é um dos requisitos para sua aplicação, na exata inteligência do artigo 59 do Código Penal.
Dessa forma, o ínfimo valor da culpabilidade, a reparação dos danos ou devolução do objeto (crimes patrimoniais), a colaboração com a justiça, a reduzida reprovabilidade do comportamento, dentre outros, afasta a imposição da pena, embora o agente seja condenado.
O Superior Tribunal de Justiça reconhece o princípio da bagatela impropria e aplicou ao réu que praticou o crime de posse de arma de fogo. Confira o julgado:
PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. POSSE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO PERMITIDO. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA. CRIME SEM VIOLÊNCIA OU GRAVE AMEAÇA. DELITO COMETIDO HÁ MAIS DE 12 ANOS. INCIDÊNCIA DO PRINCÍPIO DA BAGATELA IMPRÓPRIA. REQUISITOS PREENCHIDOS. DESNECESSIDADE DA PENA. REEXAME DO CONJUNTO PROBATÓRIO. APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 7 DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Entendo as instâncias ordinárias ser desnecessária a punição do acusado, porque presentes os requisitos para a aplicação do princípio da bagatela imprópria, para se concluir de forma diversa, seria imprescindível o reexame do conjunto probatório dos autos, o que não é viável em recurso especial. Incidente a Súmula n. 7/STJ. 2. Agravo regimental desprovido.
STJ, 5a Turma: AgRg no AREsp 1423492 / RN (decisão publicada 29/05/2019)
Condenações definitivas anteriores autorizam que a “personalidade” ou “conduta s social” sejam consideradas desfavoráveis de forma a exasperar a pena-base?
Segundo o art. 68 do CP, a pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 do Código Penal. Em seguida, serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes. Por último, as causas de diminuição e de aumento.
Esse dispositivo consagra o sistema trifásico, também denominado de sistema Nélson Hungria: a) 1ª fase: circunstâncias judiciais do art. 59, CP; b) 2ª fase: agravantes e atenuantes; c) 3ª fase: causas de diminuição e aumento.
As circunstâncias judiciais encontram-se previstas no art. 59, caput, do CP. Recebem esse nome porque, com relação a elas, o magistrado tem razoável grau de discricionariedade. Com efeito, o legislador não estabeleceu ao juiz criminal qualquer critério para sua aferição, limitando-se a enunciar quais são os fatores a ser levados em consideração. O juiz, contudo, dará a tais circustâncias o devido peso e estabelecerá como devem influenciar no cálculo da pena-base. São elas: culpabilidade, antecedentes, conduta social, personalidade do agente, motivos, circunstâncias e consequências do crime e comportamento da vítima.
A personalidade do agente é a síntese das qualidades morais e sociais do indivíduo. Trata-se de um retrato psíquico do agente. A definição de personalidade do agente não encontra enquadramento em um conceito jurídico, em uma atividade de subsunção, devendo o magistrado voltar seu olhar não apenas à Ciência Jurídica.
A valoração da personalidade do agente na dosimetria da pena envolve o “sentir do julgador”, que tem contato com as provas, com os meandros do processo. Justamente por isso, tal circunstância judicial é criticada na doutrina, pois exige o estudo técnico comportamental e de outras áreas da saúde.
Por sua vez, a conduta social é o retrato do réu na família, na comunidade em que vive, no meio social.
Para o Superior Tribunal de Justiça, a existência de condenações definitivas anteriores não se presta a fundamentar a exasperação da pena-base como personalidade voltada para o crime, nem como conduta social negativa. Isso porque, as condenações criminais anteriores transitadas em julgado são valoradas como “maus antecedentes”, conforme jurisprudência consolidada do STJ.
Nesse sentido, confira parte da emenda do julgamento proferido nos Embargos de Divergência em Agravo no Recurso Especial (EAREsp) nº 1311636 do Superior Tribunal de Justiça:
Eventuais condenações criminais do réu transitadas em julgado e não utilizadas para caracterizar a reincidência somente podem ser valoradas, na primeira fase da dosimetria, a título de antecedentes criminais, não se admitindo sua utilização também para desvalorar a personalidade ou a conduta social do agente. Precedentes da Quinta e da Sexta Turmas desta Corte. 3. A conduta social e a personalidade do agente não se confundem com os antecedentes criminais, porquanto gozam de contornos próprios – referem-se ao modo de ser e agir do autor do delito –, os quais não podem ser deduzidos, de forma automática, da folha de antecedentes criminais do réu. Trata-se da atuação do réu na comunidade, no contexto familiar, no trabalho, na vizinhança (conduta social), do seu temperamento e das características do seu caráter, aos quais se agregam fatores hereditários e socioambientais, moldados pelas experiências vividas pelo agente (personalidade social). Já a circunstância judicial dos antecedentes se presta eminentemente à análise da folha criminal do réu, momento em que eventual histórico de múltiplas condenações definitivas pode, a critério do julgador, ser valorado de forma mais enfática, o que, por si só, já demonstra a desnecessidade de se valorar negativamente outras condenações definitivas nos vetores personalidade e conduta social. 4. Havendo uma circunstância judicial específica destinada à valoração dos antecedentes criminais do réu, revela-se desnecessária e “inidônea a utilização de condenações anteriores transitadas em julgado para se inferir como negativa a personalidade ou a conduta social do agente” (HC 366.639/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 28/3/2017, DJe 5/4/2017). Tal diretriz passou a ser acolhida mais recentemente pela colenda Sexta Turma deste Tribunal: REsp 1760972/MG, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 08/11/2018, DJe 04/12/2018 e HC 472.654/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 21/02/2019, DJe 11/03/2019. Uniformização jurisprudencial consolidada.
Como se vê, condenações anteriores não utilizadas para reconhecer a reincidência (segunda fase da dosimetria), somente podem servir de fundamento para que a circunstância judicial dos “antecedentes criminais” seja utilizada de forma desfavorável na pena-base (art. 59 do CP), não podendo ter qualquer reflexo nas circunstâncias judiciais da conduta social ou personalidade.
Em qual crime incide quem pratica frotteurismo?
O frotteurismo consiste em “tocar e esfregar-se em uma pessoa sem seu consentimento. O comportamento geralmente ocorre em locais com grande concentração de pessoas, dos quais o indivíduo pode escapar mais facilmente de uma detenção (por ex., calçadas movimentadas ou veículos de transporte coletivo).
O agente esfrega seus genitais contra as coxas e nádegas ou acaricia com as mãos a genitália ou os seios da vítima. Ao fazê-lo, o indivíduo geralmente fantasia um relacionamento exclusivo e carinhos com a vítima.” (http://www.psiquiatriageral.com.br/ dsm4/sexual4.htm.
No frotteurismo não há violência ou grave ameaça, razão pela qual não se enquadra como estupro (art. 213 do CP), mas sim o delito de importunação sexual, previsto no art. 215-A do CP:
Art. 215-A. Praticar contra alguém e sem a sua anuência ato libidinoso com o objetivo de satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro: (Incluído pela Lei nº 13.718, de 2018)
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o ato não constitui crime mais grave.
SE LIGA! Lascívia é o prazer sexual, o prazer carnal, a luxúria.
Obs: luxúria não tem nada a ver com luxo, mas sim com sexo.
Ato sexual sem preservativo e sem o consentimento do parceiro é crime? O que é “Stealthing”?

Questão curiosa nos crimes sexuais ocorre quando a relação sexual é desejada, querida e consentida, porém, condicionada ao uso do preservativo.
Imagine que “Naj” deseje ter relação sexual com o “Ney”, entretanto, exige que durante o ato sexual seja utilizado preservativo.
Diante da condição, o ato sexual ocorre, mas sem que “Ney” utilize preservativo. Tal fato pode ser considerada crime? A resposta é positiva, mas a tipificação correta vai depender de outras circunstâncias.
Na primeira situação hipotética, a relação sexual é consentida, desde que condicionada ao uso de preservativo. O agente se recusa a utilizar ou durante a relação retira o preservativo; A parceira percebe e se nega a realizar (ou continuar) o ato, todavia o agente continua, se utilizando de violência ou grave ameaça.
Esta hipótese é enquadrada como estupro – artigo 213 do Código Penal
Estupro – Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso. Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos. “
“STEALTHING”
O “stealthing”, em português “dissimulação”, é uma prática que foi recentemente trazida à luz pela mídia internacional, pois na Suíça, uma pessoa foi condenada por estupro.
O “stealthing” consiste no ato de retirar o preservativo durante a relação sexual, sem o conhecimento ou consentimento da parceira.
Nesta situação, a relação sexual é consentida, desde que o parceiro use preservativo. O agente durante a relação retira discretamente o preservativo, de forma que a parceira só vem a perceber no final da relação.
Aqui a situação e diferente do crime de estupro, uma vez que não houve violência, nem grave ameaça. Decerto, a conduta descrita amolda-se ao crime de violação sexual mediante fraude, previsto no artigo 215 do Código Penal, uma vez que houve o consentimento, mas o ato foi realizado em fraude, com a vontade viciada. Popularmente, denominado “estelionato sexual”
Violação sexual mediante fraude art. 215. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com alguém, mediante fraude ou outro meio que impeça ou dificulte a livre manifestação de vontade da vítima. Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos. ”
Como se vê, o ato sexual (conjunção sexual ou ato libidinoso) sem preservativo ainda que o parceiro queira a relação sexual, mas condicionado à proteção, pode caracterizar crime, sendo que a tipificação correta irá depender das circunstâncias do caso concreto (relação sexual sem preservativo, mediante violência/grave ameaça – estupro (art. 213 do CP); relação sexual sem preservativo, mediante fraude, “stealthing” – violência sexual mediante fraude (art. 215 do CP).
SE LIGA! O crime de estupro é hediondo, por sua vez o crime de violência sexual mediante fraude é crime comum.
CRIMES SEXUAIS, CHANTAGENS E VINGANÇA: A síndrome da mulher de Potifar & “Revenge Porn”.
A violação da dignidade sexual e vida privada é tema corriqueiro no mundo contemporâneo, sobretudo quando a tecnologia está na palma da mão. Daí, algumas linhas devem ser observadas.
Hoje, iremos abordar dois temas próximos: A síndrome da mulher de Potifar e o “Revenge Porn”.
Síndrome da mulher de Potifar
Para começo de conversa, a expressão “Potifar”. A origem está relacionada a história prevista na Bíblia Sagrada (Gênesis – Capítulos 37 a 39).
José, filho de Jacó, após despertar a inveja de seus irmãos, foi vendido como escravo aos ismaelitas, os quais o levaram ao Egito, onde o venderam ao oficial egípcio Potifar.
José foi desejado pela mulher de Potifar, mas recusou-se a atender seus anseios, sendo acusado falsamente pela mulher ter tentado ter relações sexuais. Mesmo assim, José foi condenado e punido.
Daí, a criminologia reconhece como síndrome da mulher de Potifar à mulher que, ao ser rejeitada, imputa, falsamente, àquele que a rejeitou, conduta criminosa relacionada à dignidade sexual.
Tal teoria tem importância nos crimes sexuais. Isso porque, nem sempre os crimes sexuais deixam vestígios e estes também podem desaparecer. Além disso, são crimes clandestinos – vale dizer – crimes praticados às escondidas, sem a presença de testemunhas. Daí, a palavra da vítima, quando firme, resistente e harmônica é elemento de convicção de alta importância para o juízo condenatório, ainda que ausente outras provas seguras da autoria e da materialidade do fato criminoso.
Todavia, embora o crime clandestino tenha tal peculiaridade, o juiz deve agir com redobrada cautela a fim de evitar chantagens. Por isso, é indispensável concatenar as declarações do suposto ofendido com o quadro fático narrado nos autos, de forma a afastar a condenação de um inocente, tal qual aconteceu com o personagem bíblico José.
Esclarecida a síndrome da mulher de Potifar, passemos a analisar a “Revenge Porn”.
“Revenge Porn”
A “Revenge Porn” – pornografia da vingança ou pornografia não consensual – consiste na divulgação de cenas de sexo ou nudez de uma pessoa, sem a autorização desta, com o objetivo de praticar vingança ou humilhação. Geralmente, esse ato criminoso é praticado por alguém que teve um relacionamento com a vítima, e que usa o vídeo ou foto para se vingar desta.
Tal situação foi acolhida pelo legislador brasileiro que, embora não tenha estabelecido um crime próprio da conduta, estabelece causa de aumento ao novo crime previsto no artigo 218-C do Código Penal:
Art. 218-C. Oferecer, trocar, disponibilizar, transmitir, vender ou expor à venda, distribuir, publicar ou divulgar, por qualquer meio – inclusive por meio de comunicação de massa ou sistema de informática ou telemática -, fotografia, vídeo ou outro registro audiovisual que contenha cena de estupro ou de estupro de vulnerável ou que faça apologia ou induza a sua prática, ou, sem o consentimento da vítima, cena de sexo, nudez ou pornografia:
Pena – reclusão, de 1 (um) a 5 (cinco) anos, se o fato não constitui crime mais grave.
Aumento de pena
1º A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços) se o crime é praticado por agente que mantém ou tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima ou com o fim de vingança ou humilhação.
Como se percebe, o parágrafo primeiro do artigo prevê uma causa considerável de aumento de pena no caso de prática do crime como forma de vingança ou humilhação. Isso se justifica, na medida em que a pratica de tal crime por aquele que desenvolveu uma relação afetiva acarreta maior frustração, dor, padecimento psicológico à vítima.
Portanto, o exame dos crimes sexuais deve ser pautado por muita cautela e análise do contexto fático. Ainda que eventualmente, a situação envolva eventual chantagem, não há espaço para divulgação da intimidade sexual de outra pessoa, pois tal prática é conduta criminosa no ordenamento brasileiro, e, quando manifesta vingança ou humilhação, ensejará maior repreensão pelo Direito Penal, evidenciada pela causa de aumento.