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É crime deixar de pagar a “pensão alimentícia”?
Inicialmente, é necessário observar que existe um tipo penal sobre o tema. Trata-se do crime de abandono material, previsto no artigo 244 do Código Penal:
Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País.
Parágrafo único – Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada.
Superado o exame da disposição legal, é imperioso compreender que o simples inadimplemento da obrigação alimentar NÃO configura o crime. Isso porque, a doutrina considera que tal ilícito exige o dolo para sua configuração.
Além disso, cumpre notar que há também o elemento normativo do tipo, representado pela expressão “sem justa causa”. Decerto, caso o agente demonstre que não realizou o pagamento, por uma situação excepcional, a saber, por exemplo, doença grave ou impossibilidade absoluta de exercer atividades remunerada, o fato será atípico. Portanto, a expressão “sem justa causa” funciona como elemento negativo do tipo em comento.
O entendimento jurisprudencial é no mesmo sentido. O Superior Tribunal de Justiça exige que esteja comprovado o dolo de abandonar os filhos, ou seja, é necessário que o agente, mesmo possuindo condições de prover à subsistência dos filhos menores, deixe de fazê-lo, sem apresentar justificativa plausível para tanto. Confira:
PROCESSUAL PENAL. AÇÃO PENAL. ABANDONO MATERIAL. TRANCAMENTO. FALTA DE JUSTA CAUSA E INÉPCIA. ATIPICIDADE. AUSÊNCIA DE DOLO. 1. O habeas corpus, em regra, não se apresenta como via adequada ao trancamento da ação penal, por falta de justa causa, quando esta vem arrimada na falta de dolo. 2. Contudo, casos há, como o presente, no qual a acusação se mostra inidônea, de plano, ante a não demonstração de elemento do tipo e da flagrante inépcia, pelo deficiente descrição dos fatos. 3. Não basta, para o delito do art. 244 do Código Penal, dizer que o não pagamento de pensão o foi sem justa causa, se não demonstrado isso com elementos concretos dos autos, pois, do contrário, toda e qualquer inadimplência alimentícia será crime e não é essa a intenção da Lei Penal. 4. Ordem concedida para trancar a ação penal. ( HC 141069 / RS nº 2009/0130280-3 Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA – Órgão Julgador SEXTA TURMA – Data do Julgamento 22/08/2011 – Data da Publicação/Fonte DJe 21/03/2012).
Como se vê, para que o inadimplemento da obrigação alimentar seja considerado crime é imperioso que seja demonstrado que o agente tenha agido com dolo, ou seja, com vontade livre e egoística de deixar de prover a subsistência de seus dependentes.
Caso contrário, a questão será resolvida na esfera cível, pois o mero inadimplemento de prestação alimentícia, por si só, não caracteriza o delito de abandono material.
STF permite regime semiaberto a condenado reincidente
A Primeira Turma do STF, por maioria, concedeu ordem de “habeas corpus” para fixar o regime de cumprimento de pena semiaberto a condenado reincidente por crime de furto simples O paciente foi condenado por furto simples a um ano e quatro meses de reclusão (furto de uma garrafa de licor). e foi condenado ao regime inicial fechado.
Por oportuno, relembro o regramento acerca dos fatores que influenciam na fixação do regime inicial.
Reclusão pode começar no fechado, semiaberto e aberto. Detenção só pode começar no regime semiaberto ou aberto.
Condenado a pena de reclusão superior a 8 anos, regime fechado. Condenado não-reincidente a pena de reclusão superior a 4 anos e até 8 anoso, regime semiaberto. Condenado não-reincidente a pena de reclusão até 4 anos, regime aberto.
OLHA SÓ! A tabela não e rígida, uma vez que situações concretas e circunstâncias podem permitir regime mais severo ou mais brando (Veja as súmulas 718 e 719 do STF e 269 e 440 do STJ).
STF – Enunciado 718 – A opinião do julgador sobre a gravidade em abstrato do crime não constitui motivação idônea para a imposição de regime mais severo do que o permitido segundo a pena aplicada.
STF – Enunciado 719 – A imposição do regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.
STJ – Enunciado 269 – É admissível a adoção do regime prisional semi-aberto aos reincidentes condenados a pena igual ou inferior a quatro anos se favoráveis as circunstâncias judicias.
STJ – Enunciado 440 – Fixada a pena-base no mínimo legal, é vedado o estabelecimento de regime prisional mais gravoso do que o cabível em razão da sanção imposta, com base apenas na gravidade abstrata do delito.
Assim, podemos resumir que o regime inicial dependerá de 4 (quatro) critérios:
a) ESPÉCIE DA PENA
b) QUANTIDADE DA PENA
c) REINCIDÊNCIA
d) CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAS (ART. 59 do CP).
SE LIGA! O STJ já permite que o reincidente condenado a pena não superior a 4 anos possa iniciar em regime semiaberto, desde que as circunstâncias judicias sejam favoráveis (STJ – Súmula n. 269).
Agora, o STF aplicou raciocínio semelhante. Veja, o condenado era reincidente, mas em razão da pena ser apenas de 1 ano e 4 meses, foi concedido o regime semiaberto, divergindo da leitura fria do artigo 33, 2º, do CP. (Informativo n. 910).
Como se vê, mais que memorizar a tabela, é necessário compreender que a fixação do regime inicial envolve outros critérios e que a jurisprudência não implica necessariamente a fixação do regime inicial fechado ao condenado.
O contrato de namoro é capaz de impedir o “Juramento do Dedinho”?

O Brasil é marcado por relações afetivas informais. As estatísticas apontam que união estável é o arranjo familiar com maior incidência na comunidade brasileira.
Hoje, o número de casais que vivem em união estável [1] supera em muito a quantidade daqueles que escolheram a via formal e solene do casamento [2]. Como diz a música, em terras brasileiras, “aqui não tem assinatura a gente sela com beijo”[3]
Acontece que a informalidade para configuração da união estável é tamanha[1] que distingui-la do namoro exige um olhar preciso, pois a linha é tênue. Existem namoros que “sobem a serra”, superam as ficadas e o crush vai se transformando em boy, até ganhar o status de namorado. Nessas relações, existe o afeto, viagens e longos compromissos. Porém, uma coisa falta para ser união estável: O elemento subjetivo, o trato de casal, como se “marido e mulher fossem”, embora eles se gostem, falta a seriedade e ânimo de permanência.
No entanto, as relações do coração são complexas. Medir até onde vai o “cantinho” que tomou espaço na vida é impossível. Prova disso? Bastar perguntar daqueles que estão em união estável, quando tal relação foi promovida do namoro. As repostas são curiosas: “quando vimos, já era”; “foi que nem doença”. Zé Neto e Cristiano chegam a entoar que “Foi ficando, ficando e ficou sério demais” [4]. Na prática, já vivenciei casais que apontam o início e fim da união estável em meses diversos, e até em anos diferente. A realidade revela: “às vezes, o começo da relação para um, não inicia no mesmo instante para o outro Que dirá o fim do amor…
A partir da configuração familiar, o efeito patrimonial é consequência. Assim, caso os companheiros não realizem um contrato de convivência, a relação patrimonial observará o regime da comunhão parcial de bens – arr. 1726 do Código Civil.
Diante disso, com o objetivo de negar qualquer efeito patrimonial, muitos casais passaram a documentalizar o afastamento da união estável através do contrato de namoro.
Decerto, o contrato de namoro é uma “mera declaração de vontade na qual as partes afirmam que não vivem em uma união estável, mas em um mero namoro” Com isso, as partes buscam afastar o ânimo de constituir família e, em espeiclal, qualquer regime patrimonial.
É possível reconhecer validade jurídica ao contrato de namoro? O contrato de namoro é apto a afastar o ânimo de constituir família e os efeitos patrimoniais?
Em linha de princípio, poderíamos afirmar pela validade, uma vez que objetivamente, embora não altere o estado civil, não fora construído com bases que violam a lei. Ademais, sua forma é livre.
Todavia, a doutrina majoritária compreende que o mero contrato de namoro não é idôneo a afastar a configuração da união estável.
Neste sentido, Pablo Stolze afirma que tal contrato é completamente desprovido de validade jurídica.[5]
Na mesma toada, Flávio Tartuce declara: ‘é nulo o contrato de namoro nos casos em que existe entre as partes envolvidas uma união estável, eis que a parte renuncia por meio desse contrato e de forma indireta a alguns direitos essencialmente pessoais, como é o caso do direito a alimentos”[6]
Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald: “Aliás, observando atentamente o objetivo de um contrato de namoro (pretendendo frustrar as etapas naturais desse verdadeiro ritual de passagem que é a relação afetiva), é de se afirmar que quem celebra esse negócio jurídico é porque não quer namorar”[7]
D’outra banda, Roberto e Luciano Figueiredo, mesmo concordando com a premissa de ser a união estável uma situação de fato, apenas reconhecida pelo direito, asseveram que o referido contrato de namoro afasta o requisito subjetivo da união estável, no momento em que se demonstra não ser objetivo do casal a constituição de uma família. Segundo os irmãos baianos, o contrato tem presunção de validade e inexistência de vícios, no momento em que é realizado no respectivo Tabelionato, com a intervenção de um agente estatal, prestigiando a vontade livre e desembaraçada, segundo o pilar da autonomia privada. [7]
De qualquer forma, o contrato de namoro não pode ser creditado de forma absoluta, de modo que, no caso concreto, o Juiz pode verificar presente a união estável, quando perceber que o contrato de namoro foi instrumentalizado para tentar fraudar a realidade da vida.
Assim, podemos perceber que, malgrado existam divergências na doutrina quanto à validade, certo é que ambas as teses são uníssonas ao advertir que jamais o contrato de namoro terá o condão de afastar o elemento subjetivo da união estável (a vivência pública, contínua e duradoura como casal) e consequentemente impedir efeitos patrimoniais caso a união estável for faticamente comprovada, tudo em apreço à primazia da realidade.
Ao fim e ao cabo, reflitamos, um pedaço de papel jamais poderá negar um fato da vida, nunca irá fazer inexistir aquilo que foi construído na existência afetiva de um casal. Por derradeiro, o contrato de namoro é a tentativa frustrada de evitar reconhecer o que os corações inevitavelmente viveram.
REFERÊNCIAS
1. A união estável, nos termos do artigo 1723 do Código Civil em cotejo com a jurisprudência pátria (STF – ADPF 132 & ADI n. 4277), é a união entre duas pessoas pública, duradoura e contínua, com o objetivo de constituir família.
2. No Brasil, o número de uniões estáveis já supera a marca de 36,4% do total dos tipos de relacionamentos. Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), apontam que mais de um terço dos casais optou por manter uma união estável ao realizar o tradicional casamento civil ou religioso.
3. Trecho da música “Juramento do Dedinho” de Mano Walter
4.Trecho da música “Que que a gente faz com a gente” de Zè Neto & Cristiano.
5.Disponível em http://pablostolze.com.br/2013.2.LFG.Familia_01.pdf Acesso em 26/07/2018.
6.TARTUCE, Flávio. Direito Civil, Direito de Família (volume 5). 12ª edição. página 364
7. CHAVES, Cristiano & ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – volume 6 – Famílias. 10ª edição. 2018. Página 523
8. FIGUEIREDO. Roberto, FIGUEIREDO. Luciano, Direito Cívil: Familia e Sucessões. 2014. Pagina 270.
Crime continuado: Noções básicas, requisitos e aplicabilidade
PREVISÃO LEGAL
Art. 71. Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie e, pelas condições de tempo, lugar, maneira de execução e outras semelhantes, devem os subsequentes ser havidos como continuação do primeiro, aplica-se-lhe a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
NOÇÕES INICIAIS
O concurso de crimes é um instituto de política criminal que visa beneficiar o réu.
TEORIAS EXPLICATIVAS SOBRE O CRIME CONTINUADO
Existem três teorias que foram desenvolvidas para tentar explicar a natureza jurídica da continuidade delitiva.
A) TEORIA DA UNIDADE REAL: Todas as condutas praticadas que, por si sós, já se constituiriam em infrações penais, são um único crime.
B) TEORIA DA FICÇÃO JURÍDICA: Cada uma das condutas praticadas constitui-se em uma infração penal diferente. No entanto, por ficção jurídica, esses diversos crimes são considerados, pela lei, como crime único. Segundo essa teoria, o agente pratica vários furtos, entretanto, considera-se, ficticiamente, para fins de pena, que ele cometeu apenas um. (Teoria adotada no Brasil).
C) TEORIA MISTA: Se houver crime continuado, surge um terceiro crime, resultado do próprio concurso. Segundo essa teoria, o agente pratica uma nova categoria de crime (crime por continuidade delitiva).
REQUISITOS
Para a configuração do crime continuado, são necessários quatro requisitos:
1) PLURALIDADE DE CONDUTAS (PRÁTICA DE DUAS OU MAIS CONDUTAS SUBSEQUENTES E AUTÔNOMAS);
O agente deve praticar duas ou mais condutas, ou seja, mais de uma ação ou omissão.
2) PLURALIDADE DE CRIMES DA MESMA ESPÉCIE (PRÁTICA DE DOIS OU MAIS CRIMES IGUAIS);
O que seriam crimes da mesma espécie?
A doutrina diverge.
A doutrina minoritária considera que crimes de mesma espécie são aqueles que lesionam o mesmo bem jurídico. (1ª corrente).
Por sua vez, a doutrina majoritária afirma que crimes de mesma espécie são aqueles previstos numa mesma configuração típica (simples, privilegiada e qualificada). Assim, os crimes que ofendem o mesmo bem jurídico não seriam da mesma espécie, e não seria possível acatar a tese do crime continuado. Confira STJ: HC 201.922-MT, HC 215517-RS, HC 165056/DF, REsp 898613-SP, HC 83.611-SP; HC 68.137-RJ, REsp 738.377-DF.(2ª corrente)
Portanto, majoritariamente, “crimes da mesma espécie” são crimes previstos no mesmo tipo penal e que protegem igual bem jurídico.
Assim, para que seja reconhecida a continuidade delitiva, é necessário que o agente pratique dois ou mais crimes idênticos
Se a pessoa comete um furto e depois um roubo, ainda eu os crimes protejam o mesmo bem jurídico (patrimônio) não há continuidade delitiva.
Se a pessoa pratica um roubo simples e, em seguida, um latrocínio, igualmente, não haverá crime continuado, uma vez que, malgrado estejam no artigo 157, o roubo protege a integridade física e o patrimônio. Por sua vez, o latrocínio protege a vida e o patrimônio.
SE LIGA! Para fins de crime continuado, é indispensável que os crimes sejam previstos no mesmo dispositivo legal e protejam o mesmo bem jurídico.
Nesse sentido:
ROUBO X EXTORSÃO – Não há continuidade delitiva entre os crimes de roubo e extorsão, ainda que praticados em conjunto. Isso porque, os referidos crimes, apesar de serem da mesma natureza, são de espécies diversas. STJ. 5ª Turma. HC 435.792/SP, Rel. Min. Ribeiro Dantas, julgado em 24/05/2018. STF. 1ª Turma. HC 114667/SP, rel. org. Min. Marco Aurélio, red. p/ o ac. Min. Roberto Barroso, julgado em 24/4/2018 (Info 899).
FURTO X ESTELIONATO – “Para se caracterizar a continuidade delitiva, faz-se mister que os crimes sejam da mesma espécie, e haja homogeneidade de execução; a continuidade delitiva ocorre com o preenchimento dos requisitos objetivos (mesmas condições de tempo, espaço e modus operandi) e subjetivo (unidade de desígnios); In casu, OS CRIMES DE FURTO E ESTELIONATO, EMBORA PERTENÇAM AO MESMO GÊNERO, SÃO DELITOS DE ESPÉCIE DIVERSAS, JÁ QUE POSSUEM ELEMENTOS OBJETIVOS E SUBJETIVOS DISTINTOS” (STJ: HC 28.579/SC, rel. originário Min. Paulo Medina, rel. para acórdão Min. Hélio Quaglia Barbosa, 6ª Turma, j. 02.02.2006).
ROUBO X FURTO – “CONTINUIDADE DELITIVA DOS CRIMES DE ROUBO E FURTO. IMPOSSIBILIDADE. ESPÉCIES DISTINTAS” (STF: HC 97.057/RS, rel. Min. Gilmar Mendes, 2ª Turma, j. 03.08.2010).
ROUBO X LATROCÍNIO – “É assente a jurisprudência desta Corte no sentido de que NÃO É POSSÍVEL O RECONHECIMENTO DA CONTINUIDADE DELITIVA ENTRE OS CRIMES DE ROUBO E DE LATROCÍNIO, haja vista não se tratarem de delitos da mesma espécie, não obstante serem do mesmo gênero” (STJ: REsp 751.002/RS, Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma j. 27.10.2009).
Não há como reconhecer a continuidade delitiva entre os crimes de roubo e o de latrocínio porquanto são delitos de espécies diversas, já que tutelam bens jurídicos diferentes. STJ. 5ª Turma. AgInt no AREsp 908.786/PB, Rel. Min. Felix Fischer, julgado em 06/12/2016.
OLHA SÓ! Uma situação curiosa! Embora, a jurisprudência afirma que crime da mesma espécie são crimes localizados no mesmo dispositivo e que protegem o mesmo bem jurídico, encontramos na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça a seguinte exceção: Crime continuado entre os crimes de apropriação indébita previdenciária (Art. 168-A do CP) e sonegação previdenciária (art. 337-A do CP). Confira:
A Turma entendeu que é possível o reconhecimento da continuidade delitiva entre o crime de sonegação previdenciária (art. 337-A do CP) e o crime de apropriação indébita previdenciária (art. 168-A do CP) praticados na administração de empresas de um mesmo grupo econômico. Entendeu-se que, apesar de os crimes estarem tipificados em dispositivos distintos, são da mesma espécie, pois violam o mesmo bem jurídico, a previdência social. No caso, os crimes foram praticados na administração de pessoas jurídicas diversas, mas de idêntico grupo empresarial, havendo entre eles vínculos em relação ao tempo, ao lugar e à maneira de execução, evidenciando ser um continuação do outro. Precedente citado do STF: AP 516-DF, DJe 6/12/2010; do STJ: HC 86.507-SP, DJe 1º/7/2011, e CC 105.637-SP, DJe 29/3/2010. REsp 1.212.911-RS, Rel. Min. Sebastião Reis Júnior, julgado em 20/3/2012. (STJ – Informativo n. 493).
3) CONDIÇÕES SEMELHANTES DE TEMPO, LUGAR, MANEIRA DE EXECUÇÃO, ENTRE OUTRAS;
Conexão de tempo (conexão temporal): Para que haja continuidade delitiva, não pode ter se passado um longo período de tempo entre um crime e outro. Para os crimes patrimoniais, a jurisprudência afirma que entre o primeiro e o último delito não pode ter se passado mais que 30 dias. Se houve período superior a 30 dias, não se aplica mais o crime continuado, havendo, neste caso, concurso material. Vale ressaltar que, em alguns outros delitos, como nos crimes contra a ordem tributária, a jurisprudência admite que esse prazo seja maior.
Conexão de lugar (conexão espacial): Os crimes devem ter sido praticados em semelhantes condições de lugar. Segundo a jurisprudência, semelhantes condições de lugar significa que os delitos devem ser praticados dentro da mesma cidade, ou, no máximo, em cidades contíguas (Ex.: Regiões metropolitanas).
Conexão quanto à maneira de execução (conexão modal): Os crimes devem ter sido praticados com o mesmo modus operandi, ou seja, com a mesma maneira de execução (mesmos comparsas, mesmos instrumentos, roubos de ônibus, furtos de supermercado, estabelecimentos comerciais etc.).
4) UNIDADE DE DESÍGNIO.
Embora não previsto expressamente no art. 71 do CP, a corrente doutrinária majoritária adota a teoria mista (objetiva-subjetiva). Assim, os requisitos para a continuidade delitiva são de natureza tanto objetiva como subjetiva.
Além dos requisitos objetivos previstos no artigo 71 do CP, existe o requisito subjetivo, ou seja, a unidade de desígnio – o liame volitivo entre os delitos, a demonstrar que os atos criminosos se apresentam entrelaçados (a conduta posterior deve constituir um desdobramento da anterior).
Este é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça:
STJ HC 176603, Relator: Ministro OG FERNANDES, Data de Julgamento: 11/06/2013, T6 – SEXTA TURMA – HABEAS CORPUS. WRIT SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. IMPOSSIBILIDADE. EXECUÇÃO PENAL. UNIFICAÇÃO DAS PENAS. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. RECONHECIMENTO DE CONTINUIDADE DELITIVA. INVIABILIDADE. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO.
(…) Consoante entendimento desta Corte, para a caracterização da continuidade delitiva não é suficiente a alegação de que os crimes de mesma espécie foram praticados nas mesmas condições de tempo, espaço e modus operandi (requisitos objetivos), POIS NECESSÁRIO QUE DECORRAM DE UMA UNIDADE DE DESÍGNIOS (REQUISITO SUBJETIVO)
OLHA SÓ! Doutrina minoritária defende a Teoria objetiva pura (puramente objetiva) Segundo esta teoria, os requisitos para a continuidade delitiva são apenas objetivos e estão expressamente elencados no art. 71 do CP. Não é necessário que se discuta se a intenção do agente era ou não praticar todos os crimes em continuidade delitiva. Porém, atualmente, esta teoria não encontra amparo nos tribunais superiores.
SISTEMA DE APLICAÇÃO DA PENA
No crime continuado, a pena privativa de liberdade observa o sistema da exasperação. Assim, a pena a ser fixada é a resultante da pena mais grave, ou uma delas, se idênticas, acrescida de 1/6 a 2/3. A fração aplicável dependerá da quantidade de crimes praticados
APLICABILIDADE EM CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA
Por muito tempo, sustentou-se a impossibilidade de continuidade delitiva em crimes contra a vida, tanto que o Supremo Tribunal Federal editou o Enunciado n. 605: Não se admite continuidade delitiva nos crimes contra a vida.
Acontece que tal enunciado está superado em razão da mudança legislativa. Vejamos o disposto no artigo 71, parágrato único: Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, até o triplo, observadas as regras do parágrafo único do art. 70 e do art. 75 deste Código
Embora a Súmula n. 605 ainda não esteja formalmente cancelada, o próprio Supremo Tribunal Federal reconhece que tal enunciado foi superado pela mudança legislativa:
“O Código Penal determina, expressamente, no parágrafo único de seu artigo 71, seja aplicada a continuidade delitiva também nos crimes dolosos contra a vida. Essa norma, resultado da reforma penal de 1984, é posterior à edição da Súmula 605/STF, que vedava o reconhecimento da continuidade delitiva nos crimes contra a vida.” (HC 93367, Relator Ministro Eros Grau, Segunda Turma, julgamento em 11.3.2008, DJe de 18.4.2008).
Portanto, inexiste vedação legal ou jurisprudencial para aplicação do crime continuado em crimes dolosos contra a vida. Mas, atenção! A exasperação poderá ser até do triplo, conforme o paragrafo único do artigo 71 do Código Penal.
PENA DE MULTA NO CRIME CONTINUADO
“No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente” – art. 72 do Código Penal.
Como se vê, aplica-se o sistema do cúmulo material no tocante às penas de multa.
Porém, a jurisprudência predominante posiciona-se no sentido de aplicação da regra da soma das penas de multa apenas ao concurso material e ao concurso formal.
Ora, se há ficção jurídica no sentido de tratar o crime continuado como crime único para fins de aplicação da pena privativa de liberdade, seria incoerente somar várias penas de multa.
Assim, no crime continuado, o sistema da exasperação será aplicado. Este é o entendimento majoritário do Superior Tribunal de Justiça:
“O art. 72 do Código Penal restringe-se aos casos dos concursos material e formal, não se encontrando no âmbito de abrangência da continuidade delitiva” (STJ, 6• T., HC 221.782, j. 20/03/2012). Mesmo entendimento: STJ, 6• T. REsp 909.327, j. 07/10/2010.
É possível acordo extrajudicial para mudar o nome do pai no registro de nascimento?
Imagine a seguinte situação:
Maria engravidou de Antônio. No período da gravidez, o casal se separou. Após o nascimento da criança Neymar, passou a namorar Ricardo, o qual, apaixonado e, a pedido da namorada, decide registrar Neymar como filho seu.
Idas e vindas, o relacionamento entre Maria e Ricardo foi encerrado. Quis o destino que Maria e Antônio voltassem a se relacionar. Agora, Antônio, ciente da ligação biológica quer averbar seu nome no registro de Neymar. Tal ideia conta com o apoio de Ricardo, uma vez que este declara que não é pai biológico e não desenvolveu qualquer atividade com o menino Neymar.
Diante da situação, surge a questão: É possível um acordo extrajudicial para que ocorra a mudança do nome do pai no registro de nascimento do menino Neymar?
A resposta é negativa. Isso porque, devem ser respeitados os requisitos e o procedimento legalmente instituídos para essa finalidade, que compreendem, dentre outros, a investigação acerca de erro ou falsidade do registro anterior, a concreta participação do Ministério Público, a realização de prova pericial consistente em exame de DNA em juízo e sob o crivo do mais amplo contraditório e a realização de estudos psicossociais que efetivamente apurem a existência de vínculos socioafetivos com o pai registral e com a sua família extensa.
De mais a mais, o negócio jurídico celebrado pelas partes teve como objeto um direito personalíssimo, sobre o qual não se admite a transação, o que se depreende da interpretação a contrario sensu do art. 841 do CC/2002. Ademais, é bastante razoável afirmar, inclusive, que o referido negócio jurídico sequer preenche os requisitos básicos previstos no art. 104, II e III, do CC/2002, uma vez que se negociou objeto ilícito – direitos da personalidade de um menor – sem que tenha sido observada a forma prescrita em lei quando se trata de retificação de registros civis. O formalismo ínsito às questões e ações de estado não é um fim em si mesmo, mas, ao revés, justifica-se pela fragilidade e relevância dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, que devem ser integralmente tutelados pelo Estado. Assim, é inadmissível a homologação de acordo extrajudicial de retificação de registro civil em juízo, ainda que fundada no princípio da instrumentalidade das formas.
Como se vê, a alteração do nome paterno no registro de nascimento exige ação judicial própria, não sendo possível a realização de acordo extrajudicial, uma vez que estamos diante de direitos da personalidade de crianças e adolescentes, logo, indispensável o exame apurado, com participação do Ministério Público, para verificação de eventual socioafetividade entre pai registral e filho.
FONTE: REsp 1.698.717-MS, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 05/06/2018, DJe 07/06/2018.
OLHA SÓ! Há possibilidade da multiparentalidade extrajudicial, sobretudo após a edição do Provimento n. 63/2017 (art. 11, §3º) – CNJ. São temas próximos, mas diferentes do caso discutido no texto (troca de pais), razão pela qual não podemos confundir. Fique ligado!
Viuvez também permite restabelecimento do nome de solteiro (STJ)
Inicialmente, não se pode olvidar que o direito ao nome, assim compreendido como o prenome e o patronímico, é um dos elementos estruturantes dos direitos da personalidade e da dignidade da pessoa humana, uma vez que diz respeito à própria identidade pessoal do indivíduo, não apenas em relação a si mesmo, mas também no ambiente familiar e perante a sociedade em que vive.
Nesse caminho, a despeito da inexistência de previsão legal específica acerca do tema (eis que a lei apenas versa sobre uma hipótese de retomada do nome de solteiro: pelo divórcio) e da existência de interesse público estatal na excepcionalidade da alteração do nome civil (porque é elemento de constante identificação social), deve sobressair, à toda evidência, o direito ao nome enquanto atributo dos direitos da personalidade, de modo que este deverá ser o elemento preponderante na perspectiva do intérprete do texto legal, inclusive porque o papel identificador poderá ser exercido por outros meios, como o CPF ou o RG.
Em síntese, sendo a viuvez e o divórcio umbilicalmente associados a um núcleo essencial comum – existência de dissolução do vínculo conjugal – não há justificativa plausível para que se trate de modo diferenciado as referidas situações, motivo pelo qual o dispositivo que apenas autoriza a retomada do nome de solteiro na hipótese de divórcio (Art. 1.578 do Código Civil) deverá, interpretado à luz do texto constitucional e do direito de personalidade próprio da viúva, que é pessoa distinta do falecido, ser estendido também às hipóteses de dissolução do casamento pela morte de um dos cônjuges. (STJ – Informativo n. 627 – REsp 1.724.718-MG, Rel. Min. Nancy Andrighi, por unanimidade, julgado em 22/05/2018, DJe 29/05/2018
Para o STJ, crime contra a ordem tributária exige dolo específico?
Para o Superior Tribunal de Justiça, o tipo penal do art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990 prescinde de dolo específico, sendo suficiente, para sua caracterização, a presença do dolo genérico consistente na omissão voluntária do recolhimento, no prazo legal, do valor devido aos cofres públicos. (5a Turma – AgRg no AREsp 55925 / PR).
Outro julgado da 5a Turma fortalece o entendimento da 5a Turma: O tipo penal descrito no art. 1.º, inciso I, da Lei n.º 8.137/90, prescinde de dolo específico, sendo suficiente, para sua caracterização, a presença do dolo genérico, consistente na omissão voluntária do recolhimento, no prazo legal, do valor devido aos cofres públicos. Precedentes. (5a Turma – AgRg no REsp 1283767 / SC).
De igual modo, a 6a Turma possui o mesmo entendimento. Confira:
Este Superior Tribunal de Justiça já se manifestou no sentido de que, para a configuração do delito previsto no art. 1º, I, da Lei n. 8.137/1990 basta o dolo genérico, sendo prescindível o dolo específico. (6a Turma – AgRg no Ag 1157263 / PR).
Os delitos tipificados no art. 1º da Lei n. 8.137/90 são materiais, dependendo, para a sua consumação, da efetiva ocorrência do resultado, não necessitando, porém, para sua caracterização, da presença do dolo especifico. (6a Turma – HC 43724 / MT).
Como se vê, na compreensão da duas turmas criminais do STJ, é dispensável o dolo específico, sendo suficiente o dolo genérico consistente no dolo genérico de omitir voluntariamente o recolhimento do valor devido aos cofres públicos.
É possível regulamentar o direito de visitas aos animais para o ex-companheiro?
Em outra oportunidade, já´falei aqui sobre a possibilidade de discussão na seara do direito das famílias acerca da custódia de animais (“Os animais no Direito Penal e das Famílias” confira aqui)
Agora, compartilho notícia publicada pelo Superior Tribunal de Justiça que resultou na regulamentação judicial de visitas a animais de estimação após a dissolução de união estável. É o Direito das Famílias sempre avançando e sensível às realidades afetivas da nossa sociedade.
É uma decisão inédita no âmbito do STJ. O colegiado confirmou acórdão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) que fixou regime de visitas para que o ex-companheiro pudesse conviver com uma cadela yorkshire adquirida durante o relacionamento, e que ficou com a mulher depois da separação.
Apesar de enquadrar os animais na categoria de bens semoventes – suscetíveis de movimento próprio e passíveis de posse e propriedade –, a turma concluiu que os bichos não podem ser considerados como meras “coisas inanimadas”, pois merecem tratamento peculiar em virtude das relações afetivas estabelecidas entre os seres humanos e eles e em função da própria preservação da dignidade da pessoa humana.
“Buscando atender os fins sociais, atentando para a própria evolução da sociedade, independentemente do nomen iuris a ser adotado, penso que a resolução deve, realmente, depender da análise do caso concreto, mas será resguardada a ideia de que não se está frente a uma ‘coisa inanimada’, mas sem lhe estender a condição de sujeito de direito. Reconhece-se, assim, um terceiro gênero, em que sempre deverá ser analisada a situação contida nos autos, voltado para a proteção do ser humano e seu vínculo afetivo com o animal”, apontou o relator do recurso especial, ministro Luis Felipe Salomão.
Questão delicada
O ministro afastou inicialmente a alegação de que a regulamentação de visitas a animais seria tema de “mera futilidade”, já que a questão é típica da pós-modernidade e envolve questão delicada, que deve ser examinada tanto pelo ângulo da afetividade em relação ao animal quanto pela proteção constitucional dada à fauna.
No âmbito legal, o relator mencionou que o Código Civil definiu a natureza jurídica dos animais, tratando-os na categoria das coisas e, por consequência, como objetos de relações jurídicas.
Todavia, destacou a notoriedade do vínculo afetivo entre os homens e seus animais de estimação e lembrou que, de acordo com pesquisa do IBGE, já existem mais cães e gatos em lares brasileiros do que crianças.
“Nesse passo, penso que a ordem jurídica não pode, simplesmente, desprezar o relevo da relação do homem com seu animal de companhia – sobretudo nos tempos em que se vive – e negar o direito dos ex-consortes de visitar ou de ter consigo o seu cão, desfrutando de seu convívio, ao menos por um lapso temporal”, afirmou o ministro.
Salomão assinalou, porém, que não se trata de uma questão de humanizar o animal, tratando-o como pessoa ou sujeito de direito. Segundo o ministro, também não se pode buscar a equiparação da posse de animais com a guarda de filhos.
Direitos da pessoa humana
Apesar de partir da premissa de caracterização dos animais como bens semoventes, o relator entendeu que a solução de casos que envolvam disputa de animais por ex-conviventes deve levar em consideração a preservação e a garantia dos direitos da pessoa humana. Além disso, apontou, também devem ser observados o bem-estar dos animais e a limitação aos direitos de propriedade que recaem sobre eles, sob pena de abuso de direito.
O ministro citou ainda o Enunciado 11 do Instituto Brasileiro de Direito de Família, aprovado durante o X Congresso Brasileiro de Direito de Família, que estabelece que “na ação destinada a dissolver o casamento ou a união estável, pode o juiz disciplinar a custodia compartilhada do animal de estimação do casal”.
“Na hipótese ora em julgamento, o tribunal de origem reconheceu que a cadela foi adquirida na constância da união estável e que teria ficado bem demonstrada a relação de afeto entre o recorrente e o animal de estimação, destacando, ao final, que eventual desvirtuamento da pretensão inicial (caso se volte, por exemplo, apenas para forçar uma reconciliação do casal) deverá ser levada ao magistrado competente para a adoção das providências cabíveis”, concluiu o ministro ao reconhecer o direito de o ex-companheiro visitar a cadela de estimação.
Votos divergentes
Acompanharam o voto do ministro Salomão – com a consequente manutenção do acórdão do TJSP – os ministros Antonio Carlos Ferreira e Marco Buzzi. Mas o ministro Marco Buzzi apresentou fundamentação distinta, baseada na noção de copropriedade do animal entre os ex-conviventes.
Segundo Buzzi, como a união estável foi firmada sob o regime de comunhão universal e como os dois adquiriram a cadela durante a relação, deveria ser assegurado ao ex-companheiro o direito de acesso ao animal.
Divergiram do entendimento majoritário a ministra Isabel Gallotti e o desembargador convocado Lázaro Guimarães, que votaram pelo restabelecimento da sentença de improcedência do pedido de regulamentação de visitas.
Último a votar no julgamento do recurso especial, Lázaro Guimarães entendeu que a discussão não poderia adotar, ainda que analogicamente, temas relativos à relação entre pais e filhos. De acordo com o desembargador, no momento em que se desfez a relação e foi firmada escritura pública em que constou não haver bens a partilhar, o animal passou a ser de propriedade exclusiva da mulher.
Angústia
De acordo com os autos, o casal adquiriu a cadela yorkshire em 2008. Com a dissolução da união estável, em 2011, as partes declararam não haver bens a partilhar, deixando de tratar do tema específico do animal de estimação.
Na ação de regulamentação de visitas, o ex-companheiro afirmou que o animal ficou em definitivo com a mulher, que passou a impedir o contato entre ele e cachorra. Segundo o autor da ação, esse impedimento lhe causou “intensa angústia”.
Com a finalização do julgamento pela Quarta Turma, foi mantido o acórdão do TJSP que fixou as visitas do ex-companheiro à cadela em períodos como fins de semana, feriados e festas de final de ano. Ele também poderá participar de atividades como levar o animal ao veterinário.
FONTE: Site do STJ (REsp 1.713.167)
É possível penhorar bem de família do fiador na locação comercial?
A Lei n.° 8.009/90 considera que o único imóvel pertencente à família não pode ser, em regra, penhorado para pagamento de dívidas, salvo nas hipóteses excepcionais previstas no art. 3º da Lei.
Embora a terminologia seja “bem de FAMÍLIA”, o objetivo real do instituto é assegurar o direito constitucional à moradia, tanto que esse direito existe mesmo que a pessoa more só, nos termos da Súmula n. 364 do STJ: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas” .
Como se vê, o fundamento do bem de família é o direito constitucional à moradia.
Assim, o bem de família será impenhorável (esta é a regra), desde que não esteja presente nenhuma das exceções previstas no artigo 3º da Lei n. 8009/90.
Dentre as exceções, poderá ser penhorável o bem pertencente ao fiador no contrato de locação (art. 3º, VII, da Lei n. 8009/90). Tal hipótese é bastante criticada pela doutrina contemporânea (Pablo Stolze & Pamplona, Cristiano Chaves, Nelson Rosenvald e Flávio Tartuce, Elpídio Donizetti).
Todavia, o Superior Tribunal de Justiça editou o Enunciado n. 549: “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação”. No mesmo sentido, STF. 1ª Turma. RE 495105 AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 05/11/2013.
Pois bem. Ocorre que tais precedentes judiciais que permitem penhorar bem de família do fiador na locação residencial, segundo o 1ª Turma do STF em recente julgado, não se estendem aos casos envolvendo inquilinos comerciais, pois a livre iniciativa não pode colocar em detrimento o direito fundamental à moradia.
Este entendimento da 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal, por maioria de votos, foi manifestado em um caso sobre a arrematação de uma casa– localizada em Campo Belo (SP) — em leilão ocorrido no ano de 2002.
Segundo o recorrente, o imóvel seria impenhorável por ser sua única propriedade, sendo ele o responsável pelo sustento da família. O homem alegou que, na hipótese, cabe a proteção do direito fundamental e social à moradia.
O julgamento teve início em outubro de 2014, quando o ministro relator Dias Toffoli — então componente da 1ª Turma — considerou possível bloquear o bem de família tanto na locação residencial como na comercial. Na ocasião, a análise foi suspensa por pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso.
O tema só voltou à pauta quase quatro anos depois, na sessão do dia 12 de junho, quando Barroso apresentou voto acompanhando o relator.
No entanto, a ministra Rosa Weber abriu divergência contra esse tipo de medida, inclusive na locação comercial. Do mesmo modo votou o ministro Marco Aurélio: o vice-decano disse que a lei em nenhum momento distingue o tipo de locação. Também votou com a divergência o ministro Luiz Fux, no sentido da impenhorabilidade, conforme parecer do Ministério Público Federal.
Como se vê, a impenhorabilidade do bem de família do locador é aplicável tanto aos contratos de locação de imóveis residenciais, quanto aos imóveis comerciais. Logo, deve ser afastada qualquer hipótese de penhora ao bem de família do fiador do contrato de locação, seja residencial seja comercial.
MEU PITACO: A Súmula n. 549 do STJ está baseada no dispositivo da Lei do Bem de Família. É mais que necessária a revogação de tal dispositivo. A permanência de tal exceção manifesta flagrante incoerência no sistema jurídico. Ora, no cenário atual, o locatário não pode ter seu único bem penhorado (artigo 1º da Lei n. 8009/90), mas o fiador poderá padecer da penhora nos termos do infeliz artigo 3º, VII, da mesma lei. De uma vez por todas, o empreendedorismo não pode preponderar sobre o direito fundamental ao lar, à moradia.
Fonte: RE 605.706 (STF)
O QUE É REAÇÃO LEGISLATIVA?
Como sabemos, as decisões definitivas de mérito proferidas pelo STF no julgamento de ADI, ADC ou ADPF possuem eficácia contra todos (erga omnes) e efeito vinculante (§ 2º do art. 102 da CF/88).
O efeito erga omnes consiste em que a eficácia da decisão é ampliada à generalidade de pessoas relacionadas com o objetivo da ação, independente delas terem composto a relação processual originária.
Quanto ao efeito vinculante, este implica que as decisões do STF em controle de constitucionalidade Abstrato vinculam aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.
OLHA SÓ! O Poder Legislativo, em sua função típica de legislar, não fica vinculado.
Dessa maneira, inexiste qualquer vedação ao Poder Legislativo para que edite leis ou emendas constitucionais em sentido contrário ao que já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal.
Decerto, o Poder Legislativo pode, por emenda constitucional ou lei ordinária, superar a jurisprudência. Este fenômeno é conhecido como REAÇÃO LEGISLATIVA, ou como chamado por alguns, REVERSÃO JURISPRUDENCIAL.
Superada a primeira compreensão, é necessário entender que a reação pode ocorrer por dois modos.
A primeira via é a promulgação da emenda constitucional. Nesta hipótese, a invalidação somente ocorrerá no caso de inobservância aos limites previstos no art. 60, e seus §§, da CF/88
OLHA SÓ! Se o Congresso editar uma emenda constitucional buscando alterar a interpretação dada pelo STF para determinado tema, essa emenda somente poderá ser declarada inconstitucional se ofender uma cláusula pétrea ou o processo legislativo para edição de emendas. Caso contrário, a alteração constitucional vai superar o entendimento jurisprudencial.
A segunda via da reação judicial é a legislativa. O Poder Legislativo pode reeditar o texto da lei considerada anteriormente como inconstitucional pelo STF em controle abstrato de constitucionalidade (ADI n. 2903/PB e AgRG na Rcl 2617/MG).
Mas, aqui é diferente! A lei que frontalmente colidir com a jurisprudência do STF nasce com presunção relativa de inconstitucionalidade, de forma que caberá ao legislador o ônus de demonstrar, argumentativamente, que a correção do precedente é legítima.
Assim, o Congresso Nacional deverá comprovar que as premissas fáticas e jurídicas sobre as quais se fundou a decisão do STF no passado já foram superadas, para que a lei possa ser considerada válida.
Como se vê, o Poder Legislativo promoverá verdadeira hipótese de mutação constitucional pela via legislativa, o que chamamos de REAÇÃO LEGISLATIVA ou REVERSÃO JURISPRUDENCIAL.
O tema foi discutido pelo Plenário do STF na ADI 5105/DF (STF – Informativo n. 801).